terça-feira, fevereiro 21, 2006

mais um showcase da nokia

mais algumas evidências perturbantes do tempo passando no show do u2 pela rede globo ontem de noite:
(a) em primeiro lugar, pros ingressos se esgotarem tão rápido, o influxo de adolescentes no mundo nesse meio tempo há de ter sido um troço dantesco
(b) cada vez que o Bono subia no palquinho suplementar pra ficar perto do público tinha uma câmera que mostrava ele num mar de celulares levantados filmando o show. Troço infecto, a população mundial continua ficando cada vez mais parecida com turista japonês.
(c) depois de vinte anos de carreira, o Larry Mullen subitamente perdeu a cara de quinze de idade, assim do dia pra noite. Me deu uma angústia do caralho.
De reconfortante mesmo, só o Charlie Watts, há uns vinte anos com a mesma cara de 150. Chegando em casa, me jogo sem medo eu também num poço de formol bem fundo.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Já que a moda é heresia...

...Madre Teresa é quem sabe, bem mais do que aparenta:















(do arquivo, Barcelona/2004. Catalão é um troço massa)

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Comece você também sua guerra nuclear

o mundo é um lugar estranho. Eu volto duns dez dias de férias no meio do mato e parece que ele tá prestes a explodir por causa dumas tirinhas (relativamente sem graça, diga-se de passagem) de obscuros cartunistas amadores dinamarqueses. Em todo caso, isso vem bem a calhar pra satisfazer a minha fixação "Jogos de Guerra" de ser capaz de começar a minha própria guerra nuclear. Pra levar a minha campanha adiante, vou começar reproduzindo (de forma não autorizada, mas mais do que merecida) umas tirinhas antigas do "Deus" do gênio Laerte, aliás um dos pontos altos da quadrinhística de todos os tempos. Tipo por exemplo...


ou então...

... pra que, se eu der sorte, algum republicano débil-mental pegue raiva e resolva jogar míssil na gente também.

Aliás, agora falando sério, é sempre bom pensar que essas tirinhas saem no jornal há anos e o máximo que se fez a respeito foi recortar e guardar na carteira pra mostrar pros amigos, que nem eu fazia. Só pra lembrar aqueles que dizem que o Brasil é o fim da picada que o fim do fundo do buraco é muito, mas muito, mais embaixo. Num país onde ninguém tem saco pra ser fundamentalista, quando tudo for por água abaixo, a gente pelo menos vai ter senso de humor. Isso é um puta elogio.

E, mais sério ainda, que o Kofi-Annan , o dono do France Soir e todos os outros contemporizadores que vieram com um papo de que "a liberdade de expressão tem seus limites" (e assim tentaram dar alguma razão pros lunáticos de turbante que estão guinchando por causa da história) se dirijam tranqüila e calmamente pra puta que os pariu. Sério, é óbvio e evidente que os pobres dinamarqueses não deviam ter feito isso pelo mesmo motivo que eu não saio no parque aqui nos fundos de casa às três da manhã (ou seja, porque o mundo não é um moranguinho). Mas que eles tem plenos direitos de estampar o Bush comendo o cu de Maomé na capa (assim como eu tenho direito de ter o meu próprio comido se for dar uma volta no parque) é algo que não deveria sequer entrar em discussão. É verdade, vá lá, que o cu de muita gente pode ser comido por causa de uma rateada dessas. Mas isso é motivo pra puxar a orelha dos caras em particular, não pra abrir as pernas em público pra ameaças de religiosopatas do outro lado do planeta. Porque, porra, se a gente for deixar o Irã ditar o que a gente pode ou não pode falar do mundo, a gente tá total e definitivamente fodido.

(aliás, é engraçado me dar conta que eu me sinto muito mais lesado e ameaçado por um troço desses do que pelo world trade center explodindo. Porque atentado terrorista, por pior que a coisa fique, continua sendo um acidente estatístico infeliz se um dia acontecer comigo. Mas escrever merda no computador é o meu dia-a-dia. E espalhar censura e medo é muito mais fácil do que espalhar explosivos)

Ah, quer fazer alguma coisa a respeito? Toma uma Carlsberg pelos caras. Pra mais informações, entre aqui. Nem que seja só pra demonstrar que o melhor jeito racional de reagir a uma crise ridícula dessas é tomando cerveja.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

eu existo! eu existo! eu existo!

acabo de descobrir que o blog em frente aos vossos olhos foi reconhecido oficialmente pelo webcrawler do google. Não que isso vá fazer muita diferença na minha vida, mas pelo menos me salva do vale das pessoas terem que procurar o meu e-mail no currículo lattes. E, se não é exatamente a glória, pelo menos é um passinho adiante em direção ao desanonimato.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

engrenagem (página virada)


terminei uma residência médica hoje. Não que isso importe muito. Mas às vezes serve pra se dar conta de algumas coisas que tu pára de notar. Tipo o fato de que, por mais que eu não detestasse tanto a minha rotina de trabalho esses dias, agora que acabou eu tenho uma vontade gigantesca de mostrar a língua pro hospital. Pro prédio, captam? Ou seja, o problema nem era tanto o meu trabalho: aquele monstrão de concreto sim é que é o verdadeiro filha da puta.
Pra quem nunca entrou num hospital pela porta dos fundos, não é um troço muito diferente duma fábrica ou de um frigorífico. Tem caldeiras, fumaça, cheiro de comida ruim no refeitório. E gente, gente, gente, um grande exército de subalternos em maior ou menor grau revoando do estacionamento pras portas às oito horas da manhã feito pombas indo pro pombal. Pra limpar corredores, desentupir canos, canular veias e operar cérebros, sem se dar conta do próprio papel de reles engrenagens da grande máquina.
A visão do hospital de onde eu costumava estacionar era basicamente a de um bloco cinza cheio de cubículos. Essa visão me fez mal por um tempão. Depois eu comecei a estacionar em outro lugar e melhorou um pouco. Mas a impressão ficou na minha cabeça. De que, pra quem olha pelos fundos, o hospital é um monólito capitalista como qualquer linha de montagem. Cheio de gerências de recursos humanos, cartazinhos com os ditados dos cinco ésses, datilógrafos, corredores insalubres e outras coisas que dão ânsia de vômito. Pelo menos pra quem ainda repara.
Em todo caso, ultimamente eu já vinha aparecendo menos no trabalho e ainda tô usando o hospital de garagem pra não pagar estacionamento, pelo menos até me cortarem. Aí de vez em quando passo na frente da entrada de bermudão, bêbado, carregando bagagem. E talvez por isso eu ando conseguindo olhar pro hospital feito gente normal. E reparar nas almas perdidas que ficam esperando na porta do hospital de madrugada. E me dar conta que, no meio do rufar da máquina, tem gente que vive ali dentro. Gente que vive, e morre, e se cura, e se encontra, e tem filhos, e perde filhos, e espera alguém noite adentro. Gente que no resto das horas mal se percebe, tamanho o barulho das engrenagens batendo, o ritmo da agenda, o funcionamento autônomo das coisas que seguem correndo mesmo sem que ninguém lembre mais do objetivo. Mas enquanto a roda segue andando sem se dar conta a vida acontece em meio ao caos, cheia de êxtase e tragédia,. Um pouco como o fluxo na freeway que passa centenas de vezes por cima do cachorro atropelado, ou como a rotina da praia que segue em volta do cadáver desovado pelo mar em Ipanema sem ter tempo pra perceber.
Mas o estranho não é se dar conta da vida acontecendo no meio da balbúrdia da máquina. Nisso eu costumo reparar o tempo todo, pelo menos enquanto tô do lado de fora. O estranho é, ao contrário da maior parte dos lugares em que eu existo, me sentir mais parte da máquina do que da vida enquanto eu trabalho. Estranho é ser engrenagem. E mais estranho de tudo é se saber útil enquanto engrenagem. E pior do que isso, mais útil enquanto engrenagem do grande castelo mecânico do que enquanto gente.
Porque o mais óbvio e perturbante em tudo isso, no fim das contas, é se dar conta de que a máquina tem sua função. Isso me bateu vendo um filme institucional do hospital (e nada pode ser mais infecto do que um filme institucional). Mas, tendo trabalhado um tempão naquela merda, eu acabei aprendendo que tem um monte de gente que tá vivo, andando, enxergando, ouvindo, amando e sabe-se lá o que mais por causa daquele monstro de cartões-ponto e datilógrafas, cubículos e filmes institucionais. Aquele mesmo que parece tão escroto pra quem olha dos fundos. E se dar conta que a gente de fato precisa dos cinco ésses, sem poder jogar a culpa da insalubridade do trabalho nessa “merda de sistema capitalista”, tem um quê de perverso e de trágico. Pra mim ao menos, parece incrível que todo mundo se adapte tão fácil a essa história de ser engrenagem. Mas acho que nessas horas eu só tenho a agradecer que todo mundo não seja igual a mim. Porque senão, convenhamos, a gente tava fodido.
Em todo caso, passou, como tudo.