sexta-feira, fevereiro 29, 2008

presentes educativos para criar consciência cívica em seu filho desde cedo (vii): álbum de figurinhas do Sebastião Salgado








- tu tem a marcha dos refugiados em Ruanda?

- não, mas eu troco pela criancinha passando fome em Bangladesh com os urubus ao redor.

- nada feito. Só se tu colocar o órfão cambojano no meio.

- mas bem capaz que eu vou te dar meu órfão. Vamos tirar isso no bafo, eu vou bater nesse monstrinho de olho puxado que tu tem na mão até virar a figurinha.

- e eu vou espancar esse teu pirralho subnutrido até ele cair de barriga d'água pra baixo.

- duvido.

- duvido um caralho.

domingo, fevereiro 24, 2008

só pra arrematar o tema abaixo












o que diabos o Marilyn Manson fez de tão horrível que o John Wayne ou o Charles Bronson não tenham feito antes?

obscenidades (ou dude, where's my universe?)

há uns quatro anos atrás, a irmã sem talento do Michael Jackson mostrou meio mamilo em cadeia nacional de televisão no intervalo do Super Bowl, o programa de TV mais assistido nos Estados Unidos. A rede de televisão ABC recebeu mais de cem mil ligações de protesto, e o furor foi tanto que naquele ano decidiram transmitir o Oscar com um delay de cinco segundos, pra ter tempo de cortar se alguém fizesse alguma coisa igualmente obscena. Eventos ao vivo para grandes públicos pareciam algo muito arriscado naquele momento. Eu escrevi um texto naquela época que bastante gente gostou naquela época – e que, só pra constar, tá postado abaixo.

hoje, quatro anos depois, o mesmo país vai transmitir o mesmo Oscar pra alguns milhões ou bilhões de pessoas. Não sei se com delay ou não. E diz a mídia, pelo menos até agora, que o No country for old men, dos irmãos Coen, é o franco favorito pra ganhar a estatueta. É verdade que não estou exatamente no centro da mídia americana. Mas pelo menos aqui onde eu estou não chegou nenhum protesto por obscenidade.

meio mamilo da Janet Jackson contém um punhado de pele, as aberturas de alguns túbulos mamários, algumas veias salientes e era mais ou menos isso. E nem dá pra ver inteiro, porque tem uma estrela de metal bagaceira na frente.

o filme dos irmãos Coen (como todos os anteriores) tem no mínimo umas cem mortes sangrentas, a sangue frio ou quente, pelo menos uns quinhentos tiros de calibre pesado, cabeças explodindo, gente vomitando sangue, fraturas expostas, cadáveres apodrecendo. Quase todos os inocentes morrem. Quase todos os culpados também. Nem os cachorros escapam.

e ainda assim o filme não é considerado diletante, nem obsceno, e não chega a incomodar ninguém no big business. A ponto de toda a equipe ser recebida com tapete vermelho em Hollywood, e provavelmente recompensada por ele. Com propagandas de Pepsi Cola e Fruit Loops nos intervalos comerciais.

um filme que tivesse um terço dessa obscenidade em matéria de sexo ao invés de violência (se é que uma escala comum pras duas coisas possa ser imaginada) provavelmente jamais entraria em cartaz em circuito comercial nos Estados Unidos. E as possibilidades de tal filme ser premiado por qualquer coisa no Oscar parecem bastante menores do que as do diretor ser assassinado por um fanático religioso qualquer.

as considerações acima não tem a ver com os critérios da academia, nem com o mérito artístico do filme, e muito menos refletem qualquer posição em favor de censurá-lo, ou de transmiti-lo com cinco segundos de atraso.

elas são só uma tentativa de me perguntar se o resto do mundo e eu, ou pelo menos se o americano padrão e eu, ainda pertencem à mesma espécie. Porque pelo menos as coisas que nos chocam e nos são obscenas parecem estar a alguns universos de distância. E eu tenho que confessar que o tamanho do abismo me preocupa.

cinco minutos depois


(isso foi originalmente um e-mail mandado pra alguns seletos há quatro anos. Não sou muito de postar textos antigos. Mas achei que talvez servisse de contraponto pro texto acima)

talvez já ande tarde pra comentar acontecimentos do início da semana passada. Por outro lado, talvez falar das coisas com atraso nunca tenha sido tão chique. O Grammy passou na segunda-feira pra algum número irrelevante de milhões ou bilhões de telespectadores com cinco minutos de atraso em relação ao espetáculo em si, num regime de quase ao vivo. Parece que o velho Oscar pensa em fazer o mesmo. Tudo isso, aparentemente, por causa do seio quase à mostra de Janet Jackson que escandalizou um país inteiro (e um universo à parte) durante o show de intervalo do Superbowl XXXqualquer coisa. Um dia depois, “Janet Jackson” era a palavra mais procurada no Google, abrindo links para milhares de sites de pornografia, e a CBS contava as reclamações em centenas de milhares. Isso que tinha um negócio prateado na frente do mamilo. Parece piada, mas é sério.

e a partir daí se geraram mais milhares de linhas de texto comentando o grau em que chegou o moralismo besta nos Estados Unidos. Tantas, aliás, que acho que não vale a pena entrar no mérito, porque seria como chutar um cadáver. Fácil, sem risco, e completamente inútil, porque o alvo é forte demais pra sentir coisa alguma. Não que deixe de ser completamente apavorante saber que o atraso de cinco minutos nas transmissões ao vivo coexiste com o maior arsenal atômico do planeta. Parando pra pensar, eles poderiam destruir o mundo em quatro minutos e ninguém nem ia ficar sabendo, porque daria tempo pra editar tudo. Mas isso tudo já foi dito, e se alguém duvidar da dimensão da coisa que entre num site de “organizações de valores tradicionais” na internet. Eu, particularmente, tenho mais a fazer.

mas parece haver um outro aspecto da coisa que talvez tenha passado desapercebido em meio ao absurdo da situação. Porque deixando de lado o incidente inicial, e a discussão a respeito do grau de escândalo que um quase-seio pode causar, o fato é que o resultado é o cancelamento de transmissões ao vivo pela simples razão de que alguma coisa pode acontecer. O que, de fato, faz qualquer um tremer de medo: como os americanos parecem ter acabado de descobrir, numa cerimônia de auditório dessas cheias de celebridades qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa. Imaginem os possíveis riscos. Palavrões, arrotos, ofensas ao presidente, beliscões em partes íntimas. Até sexo, talvez. Parando pra pensar, é absurdo que alguém possa conviver com tal ameaça. Se querem saber a minha opinião, deviam simplesmente cancelar de vez todas as transmissões ao vivo. E tirar a TV da tomada, por via das dúvidas, porque sempre pode acontecer de alguém sentar no controle remoto.

mas isso não é nada ainda. Pior vai ser quando se derem conta de que um absurdo muito maior é que o mundo também acontece ao vivo. E se a gente não consegue nem sequer assistir o Oscar ao vivo, como raios vai poder sair na rua, sabendo que a qualquer momento qualquer coisa pode acontecer? Como deixar que nossas crianças vivam num mundo onde alguém pode tirar a roupa a qualquer minuto. Ou ter um ataque epiléptico. Ou atirar em cinco pessoas e depois se suicidar. Ou jogar um avião em cima de um prédio. Ou falar palavras obscenas. Ou mostrar um seio. Ou quase. Não dá. Não dá, não dá e não dá. E uma vez que se derem conta disso, é só questão de tempo até que as autoridades instituam que o mundo aconteça com um atraso obrigatório de cinco minutos. Porque é o único jeito de salvar a América.

alguém devia passar uma lei obrigando todo americano a vir pro Brasil em algum ponto da vida. As vantagens seriam inúmeras. Seria uma maravilha pra nossa indústria do turismo. Ia fornecer os nossos aeroportos com a maior coleção de impressões digitais do mundo. E ia instalar um pouco de maldade naquele bando de cabeças supostamente tão puras que têm medo dos seios da Janet Jackson. E a questão não é assistir à mulata Globeleza, e sim forçá-los a sair do hotel e caminhar no Rio de Janeiro, nem que seja em uma Copacabana já tomada de estrangeiros, e enxergar a pirâmide social brasileira inteira, os corpos malhados se expondo em busca de sexo, os ambulantes empurrando carrinhos de 5 bolas de sorvete a um real, os turistas com as prostitutas de todas as idades, o assalto ocasional, o mar verde quebrando em cima da praia e a ex-favela e atual comunidade do Cantagalo pendendo por cima dos hotéis de luxo.

e que fique bem claro que a idéia não é chocar ninguém. E nem querer impressioná-los com a violência da nossa realidade. É simplesmente fazer enxergar que a violência existe. E ponto. Até porque no fim das contas talvez não seja tão mais violento viver com as armas do tráfico apontadas contra a cabeça do que viver num confortável subúrbio no meio-oeste americano. A nossa violência é apenas um pouco mais próxima, um pouco mais escarrada, mas a verdade é que existir é intensamente violento em qualquer circunstância. Estar vivo em qualquer lugar do mundo é estar sujeito ao sol, à paixão, ao câncer, aos acidentes, aos fetiches, aos filhos mortos, à tentação. E ao destino, que aliás acaba não variando nunca. E a impossibilidade de ver o pôr-do-sol em Ipanema sem enxergar as luzes do Vidigal é apenas dar-se conta do irremediável. De que em algum lugar existe a maldade, o sofrimento, a pobreza, a luta, a morte. E que pelo menos a última acaba nos alcançando. E é claro que a gente se queixa de viver aqui, e tem todo o direito de se queixar. Mas no meio do caos, sintamo-nos ao menos um pouco privilegiados por poder saber que ele existe simplesmente saindo na rua. Até porque se a gente dependesse da TV, nesses tempos de cinco minutos de atraso, ia ser bem complicado.

pior que isso talvez seja saber que a história define seu curso num lugar onde pra um monte de gente o contato mais radical (e quase insuportável, pra alguns) com o resto do universo acontece no intervalo do Superbowl. E as coisas começam a ficar realmente estranhas quando se enxerga o mundo em 29 polegadas. Talvez porque enquanto as coisas continuarem acontecendo só pela TV, cai arranha-céu ali, morre soldado ali, toda essa bobagem que entra pela antena acaba se misturando e se esquecendo, e o título de Portador do Mal Supremo passa de Osama Bin Laden ao Grande Seio Semidesnudo quase sem se notar, conforme o que aparece no vídeo no momento. E entre uma bobagem e outra se decide o destino do mundo, e a gente a alguns milhares de quilômetros pouco pode fazer. Exceto assistir, e pensar que às vezes um pouco de maldade deve lhes fazer falta. Quem sabe se a gente exportasse o Comando Vermelho? Com cinco minutos de atraso, talvez eles não se importem em aceitar...

(escrito numa madrugada há quatro anos atrás, logo após voltar do Rio de Janeiro)

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

karlovy láznĕ















a globalização nada teme. Ela bebeu demais pra isso. A globalização avança bêbada e socializa com facilidade, abarcando brancos e pretos e amarelos dançando sob o mesmo teto, contanto que seja sob a mesma música de FM de meados dos anos 90. A globalização não se preocupa com muita coisa: ela tem uma bolsa do programa Erasmus e não tem os pais conferindo que horas ela volta pra casa. A globalização ganha território rápido, muito rápido, e não encontra resistência – com exceção do eventual tcheco desdentado de olhos esbugalhados que nos xinga com ar ameaçador num bar fuleiro por falar inglês e rapidamente é expulso pela garçonete e descartado como psicótico, muito provavelmente com justiça. A globalização instala puteiros, irish pubs, restaurantes italianos ruins e lojas de souvenirs por todos os cantos, independentemente da localização geográfica. A globalização bebe cerveja e drinques metidos a besta em quantidades industriais e isso assegura a sua harmonia, porque nivelar o comportamento por baixo sempre funciona. A globalização, se eventualmente provoca surpresas bizarras a nível individual, é absolutamente previsível em relação ao seu comportamento de grupo, provavelmente por alguma questão de cálculo vetorial que sempre normaliza a resultante.

a globalização é um consenso, uma herança cultural coletiva entranhada nas tripas que reverberam canções fora de moda de nomes como Snap, Ace of Base ou Haddaway, justamente esquecidos até que as festas thrash anos 90 comecem a pulular na discoteca mais próxima da sua casa. As quais teriam shows dos Mamonas Assassinas em suas edições de aniversário se não fosse a intervenção da Serra da Cantareira. E hoje em dia a globalização ouve hip hop e simula sexo em pistas de dança pra exorcizar sua própria frustração sexual, e pra aproveitar o loophole na estrutura do politicamente correto que permite que ser machista, ganancioso e andar armado seja cool e fashion, contanto que num contexto de música afro-americana. A globalização se entende bem demais, num frenesi bêbado mas profundamente subjetivado de exibicionismo e sexo casual. E em nenhum momento a globalização se questiona, se controverte, entra em conflito consigo mesma ou com o outro, posto que não há um outro. E isso é o que me assusta. Francamente, nada a favor do conflito palestino, da guerra civil no Quênia ou de seus congêneres. Mas um mundo onde qualquer um se sinta em casa onde quer que seja tem o seu quê de perturbante.

a globalização é uma discoteca de cinco andares em Praga varada por multidões suadas por todas as partes do mundo que correm atrás de sexo e cerveja barata. E bizarramente, a única relíquia da primeira vez que eu estive aqui há quase oito anos atrás é esse computador no porão rodando o Windows 98, talvez o mesmo no qual uma vez eu me sentei pra escrever um e-mail fascinado e perplexo com o futuro que chegava. E talvez eu ande mais pessimista do que da última vez, ou simplesmente esteja meio bêbado pra raciocinar direitinho. Em todo caso, se disserem pra você que o ser humano finalmente começou a entender os outros, se pergunte duas, três, quatro vezes se isso não tem nada de suspeito. Mais provavelmente ele simplesmente deixou de encontrar o outro pelo caminho, já que não há mais estrangeiros que não falem a sua língua. E isso pode ter lá suas vantagens. Mas pode também ser bem mais perigoso do que a hipótese alternativa.

(16/2/08, karlovy láznĕ, praha, subsolo, lá pelas 3 da manhã)

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

marmotas, essas putas

cientistas da flórida acabam de descobrir a verdade sobre as marmotas da pradaria, uns roedores falcatruas que posavam de bons moços por formarem casaizinhos pela vida inteira (e não só já foram citados por esse blog como eram usados como exemplos morais pela abjeta raça dos abstinencistas, que entre outras coisas regem a política de planejamento familiar da terra dos Klingons lá da América do Norte).
enfim, a nature acaba de noticiar que aparentemente alguém resolveu fazer uns testes de paternidade nas pequenas marmotinhas. E, voilà, parece que as cercas da pradaria não eram assim tão altas.

domingo, fevereiro 10, 2008

a al qaeda chega à prateleira de frios da geladeira


eu sei que eu já fiz essa piada antes, mas a minha compulsão por trocadilhos poliglotas é mais forte do que eu

sábado, fevereiro 02, 2008

divertimentos para uma manhã de sábado (xxi): criacionistas brincando de ciência


tentando a todos os custos suprimir as risadas (mas não conseguindo), dou-lhes às boas vindas ao Answers in Genesis Research Journal, a "publicação profissional, técnica e revisada pelos pares para a publicação de dados científicos interdisciplinares e outras pesquisas relevantes a partir da perspectiva da Criação recente do Mundo e do Dilúvio universal dentro de um modelo bíblico."
e como me disse o porteiro que me barrou no trem-fantasma esses dias: "no, no es una broma". A descrição da publicação no site é exatamente esta. E os artigos até agora (menos mal que são só três, por enquanto, sendo um do editor da revista) são destinados a questões de vital importância, tais como:
a) debater o papel dos micróbios como parte da "criação perfeita de Deus", trazendo hipóteses, por exemplo, de como o papel patogênico dos mesmos pode ter evoluído a partir de funções originalmente fofinhas após a Queda do Homem do paraíso.
b) debater a questão vital e controversa de quando foram criadas as bactérias, as quais, pobrezinhas, não são mencionadas no livro do Gênesis. Teriam sido no terceiro dia, junto com as plantas? Ou aos poucos, junto com os organismos que elas habitam? (eu, pelo menos, tenho perdido horas de sono pensando nisso todas as noites depois de ter lido isso)
c) providenciar evidência geológica de que o mundo realmente só tem alguns milhares de anos de história através do estudo duns pedaços de granito.
mas mais divertido do que isso é ler as "instruções para autores", que colocam entre os critérios para seleção dos artigos:
"o artigo é relevante para o desenvolvimento do modelo da Criação e Dilúvio?"
"o artigo é formulado dentro de um modelo de um universo jovem?"
"o artigo é fiel à interpretação gramática-histórica/normativa da Bíblia?"
tipo assim, se eles estão certos que a verdade está na Bíblia, e o pré-requisito pra publicação é que os achados do trabalho confirmem à verdade tal como está escrita na Bíblia, por que eles não param com esse teatrinho ridículo de fazer ciência, já que eles já sabem o que vão encontrar antes de começar a pesquisar mesmo, e não vão fazer melhor uso do próprio tempo? Será que a vida sexual dos cristãos ortodoxo-criacionistas é realmente tão sem graça quanto o papa faz parecer?
tem várias outras coisas divertidas, tipo o "manual de estilo" (i.e. "utilize letra maiúscula para "Flood" quando referindo-se ao Dilúvio de Noé, mas minúscula para outros usos da palavra; use maiúscula em pronomes se referindo a Deus, e assim por diante). Mas se eu fosse mencionar tudo eu estaria desestimulando a experiência impagável de dar um rolê pelo site da revista. Take a look.