quarta-feira, abril 25, 2012

Dylan, ou a inevitabilidade do presente

um show de Bob Dylan é algo assim como um genocídio musical. Sem maiores constrangimentos, a banda pega um repertório genial, coloca-o contra a parede e metralha-o sem dó com suas  guitarras elétricas. O que seria apenas um lugar comum, não fosse o velho fanho que assassina as canções o seu legítimo autor.
Dylan é automutilação.
e poderíamos argumentar que essa metamorfose constante é apenas uma forma de tentar soar original num mundo tão habituado a ouvir covers de si mesmos (sim, estamos falando com você, Paul McCartney). Mas a desconstrução é radical demais pra ser apenas isso . A resignação de “It’s All Over Now, Baby Blue” nessa levada alegre? O lamento folk de “Blind Willie McTell” metamorfoseado em country? A contemplação literária de “Desolation Row” estripada de um par de estrofes pra virar rock? A maneira com que Dylan faz tábua rasa de canções outrora perfeitas, mantendo apenas a letra (e olhe lá) pra tocar qualquer outra coisa por cima lembra Coltrane transformando standards em bebops enlouquecidos já sem nada a ver com os originais.
Dylan é jazz.
mas enquanto no jazz a desconstrução era a regra, na canção popular deveria valer a “perfeita harmonia entre letra e música”. Mas se a letra é a mesma e a música é algo completamente distinto, que harmonia pode restar? Será possível que o que “Simple Twist of Fate” dizia no original, a balada tristonha de um recém divorciado, possa representar a mesma coisa na voz desse velho sorridente, cujas dancinhas no palco dão o ar de um crooner diabólico que arde de prazer em soar como jukebox em bar de beira de estrada? Ou ele já teria se tornado apenas um pastiche inexplicável de si mesmo?
Dylan é farsa.
ou então ele simplesmente não está nem aí pro seu passado. Já esqueceu porque escreveu essas canções. Não tem mais dentro de si o que queria dizer na época (e quem tem, no fim das contas?). E simplesmente trouxe o repertório que tem pra tocar, da maneira que lhe faz sentido tocá-lo hoje. A questão é simples: o que quer que tenha acontecido a essa altura são apenas fragmentos emoldurados, memórias amareladas, histórias costuradas em canções. E fingir que o passado ainda desperta a mesma emoção é fútil: ele é apenas um punhado de imagens compartilhadas, que uma vez mais podem servir de base pra fazer algo novo.
Dylan é o presente.
e a presença dele ali no palco, sorridente, no fim das contas é a mensagem que resta. O constante morrer de suas canções nas suas próprias mãos é a prova de que o passado se foi. De que ter sido uma das figuras mais influentes do século XX pouco importa. De que a realidade nesse momento é um homem de 70 anos, surpreendentemente vivo, tocando para a plateia de uma cidade provinciana no sul do Brasil em que quase ninguém entende o que está acontecendo. Não por acaso, a música mais fiel à roupagem original é “Ballad of a Thin Man” (you know something is happening/but you don’t know what it is), apesar dos ecos insanos na voz. E ainda assim a plateia pulará quando, traindo tudo o que fez até então, ele tocar uma versão inesperadamente pop de “Like a Rolling Stone” e deixar o público cantar o refrão.
Dylan é Judas.
mas dessa vez, ao contrário de 1966, o público já deixou de acusá-lo. A essa altura o velho caipira poderia fazer o que bem entendesse no palco e ser ovacionado, dado o peso de sua celebridade e a alienação geral do público cada vez mais genérico dos grandes shows. Mas mesmo que ninguém mais repare, Dylan teima em ser Judas, para uma audiência que já não se importa com o que ele toque, pois já não tem olhos para o homem, apenas para a lenda. Mas ele ainda enxerga a sua plateia, e sabe que naquele momento ela é a única realidade que existe. E talvez por isso ele a presenteie com um puta show, por mais que ninguém ali entenda mais nada do que ele quer dizer.
eu também não, aliás.

sábado, abril 21, 2012

correnteza no ar

ok, tô chegando atrasado pra anunciar o que já foi divulgado via facebook, twitter e até no jornal. Mas é que o blog, esse meio de comunicação já meio retrô, já passou a ter esse tempo meio reflexivo. Correnteza e Escombros já está online na íntegra desde o início da semana em http://www.olavoamaral.com.br, com toda uma interface que permite ao texto receber comentários, links, imagens ou vídeos, como se fossem alfinetinhos virtuais num mapa.
como o site de certa forma fala por si, muito pouco me resta pra dizer por aqui. Mas queria elaborar só um pouquinho mais sobre as razões que me levaram a colocar o livro online (o que, pro meu estranhamento, ainda causa um certo espanto em pleno 2012).
(a) o livro teve financiamento público, logo deve ser disponibilizado ao público. O que deveria ser um conceito óbvio, mas por incrível que pareça continua não sendo. Sempre me deixou abismado o fato de que longa-metragens brasileiros custam milhões de reais ao contribuinte, por meio de financiamento direto ou renúncia fiscal, e depois passam em duas ou três salas em São Paulo e Rio de Janeiro por uma ou duas semanas, sequer saem em DVD e ficam inacessíveis a 99% do público que pagou pelo filme. E o pior de tudo é que todo mundo parece achar isso normal. Ainda que seja mais ou menos como pagar um pedreiro pra construir uma casa e depois descobrir que a casa pertence ao pedreiro.
(b) tenho a nítida convicção que o que se ganha em termos de divulgação com uma ação dessas é infinitamente mais do que o eventual livro que se deixa de vender porque a pessoa leu online. Acho que poucas pessoas ainda deixariam de comprar um livro a 25 reais porque ele pode ser lido no computador. E o universo de pessoas que podem ter acesso ao seu trabalho se ele estiver online aumenta exponencialmente. É claro que esse momento não vai durar pra sempre - uma vez que o ebook se estabelecer como formato padrão, o que não deve demorar, essa lógica vai pras cucuias (e talvez o mercado editorial também). Mas por ora, se o único cara que ganha dinheiro de verdade vendendo livros nesse país pirateia os próprios livros, quem sou eu pra dizer que é mau negócio?
(c) tendo escrito o livro, eu queria me divertir um pouco. E se divertir, pra um escritor, significa em última análise ver a obra evoluir independentemente de si mesmo. Desde que entrei no Facebook, o que mais me fascinou no conceito sempre foi o fato de que o meu perfil por lá cresceu completamente alheio à minha vontade. Nunca postei uma foto minha por lá, mas o meu perfil já tem 122 por conta dos tags alheios. Afora o fato de que pessoas preencheram por mim a cidade onde eu vivo, o colégio e faculdade onde estudei, o lugar onde eu trabalho, os membros da minha família, e inclusive alguns dos meus gostos (eu só tive o trabalho de aprovar). Então achei que seria legal se o meu livro crescesse dessa forma também. Me surpreendendo todos os dias sem me dar trabalho, como um filho criança que eu não precisasse sustentar. Enquanto eu faço algo um pouco mais útil, como deitar na rede e olhar pro mundo. E pra ele.
e por ora era isso. Ainda que eu espero que venha a descobrir muitas outras boas razões pra justificar a empreitada. Aguardo a ajuda de vocês pra isso.

segunda-feira, abril 16, 2012

bem-vindos à correnteza

e agora de fato, Correnteza e Escombros faz sua estreia mundial no Rio de Janeiro amanhã, dia 17/04, às 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema (R. Visconde de Pirajá, 572).
os porto-alegrenses ainda demorarão um pouquinho mais pra ver o livro, mais especificamente até o dia 21/04 (sábado), também às 19h, na Casa de Teatro de Porto Alegre (R. Garibaldi, 853), dentro da programação da FestiPoa Literária.
ainda na FestiPoa, também estarei num debate com Henrique Schneider e mediação de Leila Teixeira na Palavraria no dia 22/04 (domingo) às 14h30 na Palavraria (R. Vasco da Gama, 165). Naturalmente, teremos exemplares à venda lá também para atender o público matutino.
um terceiro lançamento em São Paulo deve rolar em maio, em data a ser confirmada em breve.
pros geograficamente impossibilitados de comparecer, o livro deve estar à venda a partir dessa semana (em versões física e ebook) no site da Editora 7Letras. Além disso, o conteúdo do livro estará disponível gratuitamente online, com uma interface que permitirá que o mesmo receba comentários, links, imagens e vídeos sobre o texto. Isso serve pra garantir que um livro feito com dinheiro público esteja disponível para o público (o que infelizmente ainda é mais regra do que exceção). E, se tudo der certo, deve permitir que o livro ganhe vida própria e siga em construção a partir dos seus leitores. O que, de certa forma, é tudo o que um autor pode desejar.
e agora é hora de ficar quieto, e deixar que ele comece a falar por si. A palavra está com vocês. Façam-se presentes.

terça-feira, abril 10, 2012

em uma semana

e essa é a quase capa, rejeitada na última semana por um surto de indecisão maluca, e por um grau de ensolaramento um pouco maior do que o do livro. Foto minha de nos escombros do Hospital do Fundão, barco feito por algum artesão de Ganchos, cortesia da tia Gigi.

terça-feira, abril 03, 2012

em duas semanas

mais uma capa alternativa, cortesia do Flávio Vaz Brasil, cujo surgimento foi responsável por toda uma linda, saudável e desesperadora crise de capas há duas semanas atrás.