domingo, novembro 18, 2012

sobre o sentido das ítacas

escrever é voltar pra casa. Deixar pra trás a balbúrdia dos aeroportos, dos trens lotados, do tráfego insano de sedutoras metrópoles que partirão você em pedaços. Virar as costas para a violência e a euforia da realidade, para a força irreprimível do que não se exprime, para o raro talento do momento presente em atropelar o que um dia você chamou de identidade. E depois de atravessado pela claridade do mundo, exausto, deixar o corpo arrefecer no chão frio do chuveiro, ainda sem luz. Sem nada além da imagem em negativo na retina e as marcas vermelhas nas costas pra tentar entender o que ainda resta do lado de dentro, com o corpo liberto do sal pela água que corre. No dia seguinte, um pouco mais livre do cansaço, você revelará as fotos (armazenadas em película, sempre), e redescobrirá o que acaba de atravessar, não na sua inteireza inapreensível, mas em uma moldura particular e imóvel que, pendurada na parede, aos poucos substituirá o real por algo passível de compreensão. Uma galeria de imagens com início, meio e fim que você possa mostrar aos seus amigos depois do jantar. Um simulacro que não será mais do que uma sombra frente à luz que o originou, mas lhe dará o esqueleto necessário para que as palavras se juntem, para que a intensidade que isolava se transforme na narrativa que unifica as contas-entes de você mesmo. E com isso fará um pouco mais fácil a transição das infinitas facetas do mundo para o pouco que você é capaz de guardar no corpo, na memória, na página. Uma página em branco que, se parecer pobre, não o terá iludido, pois será ela que por fim lhe dará a viagem. Concedendo forma e limite ao que era amorfo e infinito, como forma de apreensão de uma ínfima parte da realidade, aquela que você é capaz de contar. Fazendo-o enfim livre para dar as costas ao infinito e encarar a casa redescoberta, o íntimo pedaço do universo que você é capaz de chamar de seu.

segunda-feira, novembro 05, 2012

fragmento de um dicionário de línguas imaginárias

Dentre os conceitos básicos de geometria que se podem depreender do estudo do Yualapeng, chama a atenção a ausência de referências de trajetória, como “ir”, “vir” e “voltar”. Ainda que os termos utilizados para descrever conceitos espaciais estáticos (pontos cardeais, frente e trás, esquerda e direita) lembrem os de outros idiomas da mesma raiz, quando um Yualapeng entra em movimento ele jamais dirá que está indo para algum lugar além do próprio lar. Se perguntado para onde vai, mesmo que tenha recém saído pela manhã em direção ao trabalho na roça, sua resposta será sempre “para casa” (tar awak), ou mais precisamente “para casa, passando pelo trabalho” (sik peng tar awak).” (G. Valdès, "Tratado e obra sobre o idioma Yualapeng")

sexta-feira, novembro 02, 2012

e já que o assunto é competição...

só pra constar, "Correnteza e Escombros" é um dos finalistas do Prêmio Açorianos de Literatura de 2012 na categoria conto, junto com "Enquanto Água", de Altair Martins, e "A Árvore que Falava Aramaico", de José Francisco Botelho. Prezo muito a companhia.

abrindo a porta de vez

depois de um intervalinho pra fazer charme, a Espel Pictures (no fundo, apenas mais um nome fantasia deste que vos fala) tem o prazer de anunciar que nosso primeiro curta 100% produzido dentro de casa, "A Porta do Quarto", acaba de estrear online. Mais especificamente, estamos concorrendo no Festival Curta Como Quiser, que tem exibições na internet, cinemas, televisão e voos da TAM (sério!).
o curta estará disponível de 01/11 a 01/12 nesse link no site do SundayTV, e concorre a alguns prêmios no processo.
como o festival tem uma votação popular (convenientemente medida pelo número de pessoas que apertam o botam "curtir" no site do filme, em cima da tela), seria realmente legal se os que apreciarem o filme dessem uma força e ajudem com um clique do mouse. Pra um curta realizado de forma totalmente independente (com um custo inicial de produção de uns 200 reais, dos quais metade foram gastos em pizza, e um dinheiro um pouco maior investido na pós-produção) um prêmio significa (a) a chance de recuperar o prejuízo investido e (b, e muito mais importante) a chance de poder recompensar o resto da equipe pelo trabalho, feito sem remuneração por parceiros que simplesmente acreditaram na história, porque parecia uma história que valia a pena.
e enfim, mesmo que a gente não ganhe nada, seu clique ajuda a divulgar nosso filme pra cada vez mais gente. O que no fundo é a força motriz da história toda, ainda que às vezes a gente esqueça.
o resto da programação do Festival, incluindo exibições em outros meios, está disponível aqui. No cinema, o filme passa nos Cinemarks do Shopping Higienópolis de São Paulo e Iguatemi de Campinas no dia 06/11 às 13h. Na TV, os curtas do festival passam de segunda a sexta às 16h30 e de segunda a sábado às 21h no Canal Futura, e todos os dias às 15h45 e às 21h45 no CineBrasilTV, mas não faço ideia de pra qual dia estamos agendados. No avião, nem sei se estamos realmente agendados, mas se por acaso eu calhar de entrar num voo em que o meu próprio curta apareça na TV prometo ter orgasmos múltiplos com a experiência.