quarta-feira, dezembro 23, 2009

o segredo do mundo é saber até onde ler

a foto tá rolando no twitter há horas, eu sei. Em todo caso, achei que se tentasse não teria uma mensagem de natal melhor do que essa. Como já dizia o mestre supremo,
just to dig it all and not to wonder that's just fine
and i'll be satisfied not to read in between the lines
.
entendam o que quiserem, mas acho que as camisetas infantis devem ter algo de sabedoria. Feliz natal.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

da cultura como um grande arroto

acabei de voltar duma exposição foda do Wilfredo Lam na Caixa Cultural aqui do Rio. Depois de dois meses me enrolando, arranjei tempo, saí mais cedo do trabalho numa quarta-feira e fui ver o troço, abrigado no prédio da Caixa em pleno Largo da Carioca, num dos vários epicentros do furacão do centro do Rio.
lá fora o caos, calor e multidão indo do metrô pro ônibus, do escritório pro bar, ou qualquer trajeto combinando esses elementos. Lá dentro ar-condicionado, e eu sozinho. Passei quase uma hora do final da tarde num enorme salão vazio olhando gravuras, sem companhia além de uma única senhora curiosa (que não parecia entender muito bem a história toda, a julgar pelo papo dela com a facilitadora de plantão, e saiu dali meio rápido). Na saída, olhei o livro de assinaturas. Devia ter umas dez no dia de hoje.
não sei o custo de trazer aquelas 140 gravuras pro Brasil. Nem o de montar a exposição toda, manter uma sala enorme pra abrigá-las em pleno centro do Rio, pagar as dezenas de funcionários do complexo, e assim por diante. Mas se a gente for calcular o preço que uma brincadeira dessas (ou de um longa-metragem nacional, espetáculo de dança ou concerto da Osesp) sai por pessoa que usufrui, suspeito que dificilmente vá chegar à conclusão de que vale a pena.
não, isso não é mais uma lenga-lenga sobre o desinteresse do público pela arte. E nem é mais uma crítica ao financiamento público da cultura ou à isenção total de impostos via Lei Rouanet.
isso é apenas a constatação de que a maneira de produzir o que se chama de “arte” ou “cultura” no país, e talvez no mundo, é em larga parte um fracasso retumbante, simplesmente porque quase ninguém está ouvindo o que se diz. E não é porque falte dinheiro. É só porque falta todo o resto.
bem ou mal o fato é que a arte na era contemporânea virou uma espécie de subproduto supérfluo do capitalismo. O povo trabalha, a economia cresce, as engrenagens giram, o dinheiro aparece, a isenção de impostos existe. Então lá pelas tantas a máquina é capaz de gerar um centro cultural aqui, uma peça aqui, um filme acolá. Uma sobra das entranhas do sistema, que não contribui nem prejudica o seu funcionamento. Algo assim como um peido ou um arroto, só que com cheiro bom e ar condicionado.
o único problema é que as únicas coisas que o sistema é capaz de fornecer à cultura são (a) dinheiro e (b) uma minúscula elite intelectualizada capaz de produzir e usufruir da arte. Porque o capitalismo que financia o teatro ou a literatura também soterra debaixo de sua realidade inegável e avessa a ficções a idéia de que teatro ou literatura podem ser algo importante. Se não tem ninguém numa exposição massa às seis da tarde na Caixa Cultural, não é por culpa da exposição, nem do público. É porque ninguém tem tempo pra ir em exposição às seis da tarde. Afinal, neguinho tem que trabalhar. Até porque tem que pagar os juros do empréstimo que fez na Caixa pra comprar o carro no início do ano.
claro, sempre haverá a exceção a regra, a meia dúzia privilegiada que tem tempo, paciência, educação e um quê de esnobismo pra assistir o Ciclo de Cinema da Geórgia (isso não é uma metáfora, é de fato a programação atual do CCBB). E diz o discurso pró-cultura que se a arte conseguir influenciar alguma dessas pessoas a iniciativa valeu a pena. O único problema é que influenciar alguma dessas pessoas provavelmente não vai fazer com que ela mude o mundo. No máximo, vai fazer com que ela mude a si mesma, e talvez com que ela escreva ou filme ou pinte alguma coisa que no fim das contas também vai ser visto por meia dúzia. E o que é pior, provavelmente pela mesma meia dúzia. E no fim das contas essa meia dúzia vai formar a tal nata da sociedade. Que como dizia o meu ex-chefe pros alunos de medicina do primeiro semestre, “é aquela coisa gordurenta que fica em cima do leite”, tão fácil de coar e jogar fora.
e enquanto isso o mundo ruge lá fora na Almirante Barroso, alheio a tudo isso. E coa a nata sem grandes problemas ao tomar o café com leite de todos os dias.
e a idéia de que lucro de banco por si só pode gerar cultura é provavelmente uma grande falácia. Não que eu tenha nada contra a existência da Lei Rouanet, na verdade: se não houvesse dinheiro a situação provavelmente seria ainda pior. Mas o problema todo é que cultura não depende só de grana. E nem só de artista falando, escrevendo ou pintando. Cultura depende de quem ouça o que se fala. E pra ouvir se precisa de tempo. Pra ouvir se precisa de fé. E se precisa de um puta silêncio. Coisas que o mundo contemporâneo infelizmente não tem isenção fiscal pra produzir.
todo o dinheiro do mundo não é capaz de comprar o silêncio necessário pra se criar alguma forma de arte que ainda importe.
e a verdade é que o mesmo mundo que tão orgulhosamente canaliza parte dos seus impostos pra sustentar o cinema brasileiro ou a metropolitan opera house ou o que quer que seja raramente tem tempo, fé ou silêncio pra de fato tomar parte na troca que deveria se estabelecer a partir disso. Não que não tente ou finja, comprando livros e botando na estante, indo à FLIP assistir a autores que nunca leu, ou frequentando um que outro concerto porque afinal é chique. Mas a porcentagem das pessoas que muda a sua vida de trajeto um milímetro com a arte que consome (e infelizmente a patética expressão “consumir arte” não poderia ser mais adequada) é ínfima.
e isso é o lado de cima da pirâmide, que ainda é o menos problemático. Porque o lado de baixo simplesmente segue caminhando no largo da Carioca pra pegar o metrô antes que o movimento aperte.
a verdadeira crise da arte contemporânea não tem a ver com a forma nem com o conteúdo. Na verdade, a crise da arte contemporânea tem muito pouco a ver com a arte, e muito mais a ver com o mundo. A crise da arte contemporânea é o fato de ter se tornado inócua, um brinquedinho colorido gerado pelo capitalismo que distrai alguns, entretém outros, e eventualmente até consegue se tornar uma parte vital da existência de um pequeno punhado de gente. Mas que não move o mundo um milímetro. É uma merda dizer isso, mas os dois nerds que criaram o Google, ou até mesmo o pirralho do Facebook, têm um impacto maior em criar novas idéias e formas de existir (o que deveria ser o objetivo da arte) do que toda a produção artística da década. E do jeito que a tecnologia anda, não existe a menor evidência de que a maré vá mudar.
sempre se disse que o dinheiro é importante pra financiar a arte. E há tempos é moda se dizer que se usa a tecnologia pra criar novas formas de arte. Ambas as afirmações são bobagens. Porque se a arte é o que move o mundo, o dinheiro e a tecnologia são a arte. O que se faz com eles pra chamar de arte, como todo o resto, é só um arroto colorido e cheiroso.

terça-feira, dezembro 15, 2009

das lágrimas na faixa de segurança

caminhar é o que me mantém inteiro
desabo a cada vez que paro, esperando verde
e em cada esquina da nossa senhora fica um pouco de mim