porque depois de tomar porrada suficiente pra se dar conta que no fundo não dói lhufas, você cria coragem pra encarar o inimigo. E na praia de Copacabana, em meio ao que parecia ser um bilhão de argentinos (por sorte era só impressão, não tem tantos no mundo), ali estávamos nós, a meia dúzia de brasileiros que tiveram a falta de noção suficiente pra se misturar na multidão depois de levar dez gols em dois jogos. E agora, algumas horas, várias cervejas e um banho quente depois, tenho que concluir que fomos recompensados. Menos pelo jogo (que foi o mesmo que qualquer um de vocês viu pela tevê). E mais pelo que veio depois. Porque desfeita a pretensão de ser maior do que os outros, de erguer um punhado de metal dourado, de comemorar um título que ninguém conseguiria explicar racionalmente porque deveria importar tanto, restamos nós. Um bando de latino-americanos perdidos na praia, há pouco repletos de esperança, agora apenas um exército de perdedores. E pela primeira vez desde o início da semana, a impressão era a de que voltávamos a estar em bases iguais, e a perceber o quão do caralho isso pode ser. Ao meu redor hermanos derrotados, alguns com uns restos de lágrimas nos olhos, se esforçavam pra marcar um último gol pós-prorrogação com as brasileiras que passavam. Na praia, uma pelada com jogadores entrando e saindo espontaneamente de campo acontecia sem nenhuma lógica ou finalidade possível além da possibilidade de uma torção de tornozelo (ou o privilégio de ver um pirralho de um metro e trinta com a camisa do Messi driblando um holandês de um metro e noventa). Em cantos escondidos da Avenida Atlântica, torcedores de México, Colômbia, Chile e outros países que ficaram pelo caminho renasciam aos gritos de ”eeeeeeeê, PU-TO!”, “Robben es un maricón” e “no fue penal”. E enquanto alguns argentinos ainda choravam, outros bebiam e a maior parte simplesmente chutava o balde e ligava o botão do foda-se, brasileiros combalidos tentavam sem muito sucesso fazer frente às musiquinhas argentinas (as melhores tentativas não passavam do segundo verso, que geralmente era “tomar no cu en casa tu papá”). E em meio ao ruído e às sirenes piscantes de um milhão de policiais garantindo uma civilidade forçada, o que acontecia ao meu redor já não era briga, guerra ou conflito, mas simplesmente a comunhão da derrota. E a percepção saudável de que, no fim das contas, dado que toda Copa tem trinta e uma vezes mais perdedores do que vencedores, a festa desse lado sempre vai bombar bem mais do que a do outro. Porque se em algum lado do mundo um bando de alemães bêbados soltam o anódino grito de “Super Deutschland, olê olê” (de novo, dez a zero pra Argentina nesse quesito), dificilmente isso vai fazer frente a essa peculiar noite que acaba de se passar - ou talvez continue acontecendo - na praia de Copacabana. Uma noite improvável que nos faz a todos um pouco mais humanos. Nem que seja por refrescar na memória a lição mais óbvia do futebol: a de que às vezes se ganha, às vezes se perde e às vezes se empata (e, como já dizia tio Gauss, às vezes se perde de sete, por sorte bem às vezes). E de que no fim das contas a inevitabilidade do fracasso é o que nos une enquanto espécie. Uma lição tão boba e óbvia a ponto de tornar chocante o quanto o suposto país do futebol parece incapaz de absorvê-la, a cada vez que sai atrás de bruxas, culpados e explicações quando a derrota bate a porta. Mas ao contrário do que possa dizer o Galvão, dessa vez a festa da derrota foi foda pra quem tava lá. Só você que estava chorando as pitangas é que não viu.