segunda-feira, outubro 02, 2006
e onde andará a veia que salta?
o Chico é foda. De tão profeta, previu até o seu próprio destino.
“...Muito bem, Jasão. Você é poeta, perigoso, porque de repente está dando às palavras a intenção que interessa a você. Só que essa ansiedade que você diz não é coisa minha, não. É do infeliz do teu povo, ele sim, que anda aos trancos, pendurado na quina dos barrancos. Seu povo é que é urgente, força cega, coração aos pulos, pois carrega um vulcão amarrado pelo umbigo. Ele então como não tem tempo, nem amigo, nem futuro, e uma simples piada pode dar em risada ou punhalada como a mesma garrafa de cachaça acaba em carnaval ou desgraça. É seu povo que vive de repente porque não sabe o que vem pela frente, então ele costura fantasia, sai fazendo fé na loteria, se apinhando, se esgoelando no estádio, bebendo no gargalo, pondo no rádio sua própria tragédia a todo volume, morrendo por amor e por ciúme, matando por um maço de cigarros e se atirando debaixo de carro. Se você não agüenta essa barra, tem mais é que se mandar. Se agarra na barra do manto do poderoso Creonte, e fica lá em pleno gozo de sossego, dinheiro e posição, com aquela mulherzinha... Mas Jasão, já lhe digo o que vai acontecer: tem uma coisa que você vai perder, que é a ligação que você tem com a sua gente, saber o cheiro dela, o cheiro da rua. Você pode dar banquete, Jasão, mas samba é que você não faz mais não. Não faz! E aí é que você se atocha, porque vai tentar, e sai samba ruim. Essa é a minha maldição! Gota d’Água nunca mais! Samba aqui, ó! Você não engana ninguém! Gota d’Água nunca mais!...”
(Monólogo de Joana, em Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, 1975)
e de fato, eu ao menos não consigo achar explicação melhor pro fato da maior parte da obra musical recente do Chico parecer trilha sonora pra ficar tomando uísque numa cobertura do Leblon. Porque porra, quando o país te idolatra, as mulheres te amam, a crítica te unta continuamente de creminhos, e tu é provavelmente o maior cidadão brasileiro vivo, em algum lugar há de se perder a veia que salta. E, junto com ela, a ligação com um povo de cuja angústia já não se compartilha. E o que resta então é ficar enfileirando harmonias e enfeitando com letrinhas líricas. Ou então aprender húngaro e tentar se expressar na língua nova. Pensando bem, o Chico continua foda.
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