quarta-feira, outubro 15, 2008

vida breve, janela aberta, primavera feroz


minha janela da sala não fecha mais desde que pintaram a casa. E de certa forma não podia haver melhor metáfora dos meus dias. Não me lembro da última vez de ser tão sensível aos rumores do mundo, da rua, dos discretos caprichos e idiossincrasias de cada dia. E mesmo nesses dias primaveris tão agradáveis e tranqüilos o mundo se alterna em parecer infinitamente desfrutável ou verdadeiramente feroz lá fora. Sem que isso signifique sofrimento. Apenas uma forma milenar e obscura de sensibilidade. E apesar dos rumores e da janela aberta, tantas vezes houve tanto silêncio. Um silêncio bonito que quase chega a acolher, cada vez que eu ando atento pela casa escura. O que me faz pensar, um pouco budista e envergonhado, que o ruído quase sempre tem vindo de dentro. E ao me afastar da rotina, seja por acaso, por opção ou mesmo pelo sono diurno do qual eu acordo assustado já no princípio da noite, me aproximo dum fluxo íntimo das coisas, de um mundo contendo espaços imensos de liberdade e silêncio. De uma vida breve e secreta, como dizia o Onetti, sem nem mesmo ter que ir até o apartamento do vizinho. Dentro da minha própria casa, o mundo ruge com o som e a fúria de seus encantados objetos imóveis. Logo ali na sala ensolarada, aquela da janela aberta.

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