terça-feira, abril 28, 2009

entrelinhas fora do tom, sem melodia

pensamentos soltos depois de três dias de vida literária particularmente intensa (vulgo “várias horas por dia tirando onda de escritor”) às custas da tal festipoa literária divulgada no post abaixo.
(a) porto alegre não é um lugar tão ruim assim. Na quinta-feira desci da sacada de casa e fui até a palavraria pra dar uma força pro evento (afinal, parecia impossível que alguém teria tempo ou paciência de assistir debate em livraria às quatro da tarde de quinta-feira). E me caiu o queixo ao constatar que o lugar tava relativamente cheio. Dei a volta na quadra pra ir pagar a academia e o café da oca tava igualmente bombando de gente. E terminando a volta na quadra já tinha gente passando som no ocidente. Pra vida cultural às cinco da tarde de um dia de semana, não tá nada mal.
(b) esse tal meio literário é uma das instituições mais esquisitamente retrógradas e conservadoras do planeta. Ou pelo menos de porto alegre. Assisti a dois debates do evento (fora o que eu mesmo participei), um sobre “o fim do livro” e outro sobre “o papel da literatura da sociedade contemporânea”. E em ambos a tônica (um pouco por parte dos palestrantes, mas muito mais ainda por parte da platéia) era um discurso apocalíptico sobre “a literatura está sob assalto”, “não estamos cuidando do livro como devíamos”, “vamos perder espaço para a cultura visual”, “a autoria vai se diluir no hipertexto até virar pó” e outras coisas do gênero. Fora as mesmas perguntas repetidas que sempre pipocam nesses eventos, tipo “o livro vai acabar”, “blog é literatura?”, etcétera e tal. E todo mundo parece abordar essas questões com um medo paranóide de que a literatura vai acabar do dia pra noite.
mais e mais eu me dou conta que mesmo nos meios mais letrados, ou especialmente neles, muita gente equaciona “literatura” com o mundinho literário ultrarestrito do final do segundo milênio, em que a comunicação escrita era predominantemente realizada através de um objeto chamado livro cujos direitos de exploração eram detidos por uma certa companhia que imprimia cópias para vender. E falham em se dar conta de que a palavra já existia antes disso, e vai seguir existindo depois, em uma imensidão de outras formas possíveis, e que a passagem desse caso particular ao próximo é simplesmente mais uma metamorfose na história das idéias. E provavelmente uma das positivas: é provável que nos últimos dez anos, com o advento da internet, tenha se lido muito mais do que em qualquer outra época na história da humanidade. E se isso é literatura ou não é uma questão totalmente irrelevante: o blog ou o msn ou o twitter são o que são. As definições abstratas, tipo a palavra “literatura” é que tem que se atualizar pra acompanhar as coisas concretas, e não o contrário.
e o melhor exemplo disso foi quando alguém perguntou se a internet “poderia propiciar a autoria coletiva” (e, mais estranhamente, o pessoal da mesa se manifestou meio contra). Não sei se alguém parou pra pensar, mas o livro mais lido da história da humanidade nos últimos dois mil anos já era de autoria coletiva, e ainda por cima meio desconhecida. Assim como a maior parte da herança literária de quase todas as civilizações humanas. Novamente, esse conceito o objeto livro atribuído a um autor é apenas um caso particular na história. E provavelmente pode sumir sem fazer muita falta. As idéias seguirão em frente, como sempre, porque nunca dependeram disso mesmo. E provavelmente vão dar um jeito de se espalhar além da meia dúzia de gatos pingados que de fato tem dinheiro pra comprar livros e paciência pra lê-los no nosso país.
(c) me consola saber, pelo menos, que essa insistência conservadora e empoeirada em divinizar pedaços de papel não é uma exclusividade de porto alegre. Outro dia fui assistir ao “Farenheit 451” do Truffaut e fiquei pasmo com a boçalidade do final. No fim da história, a reação das pessoas contra a queima de livros e a censura cultural era decorar um único livro escrito por pessoas de outro século e se transformar em “pessoas livro” que levavam o conhecimento dessa outra pessoa adiante. E a resistência parecia se limitar a isso. Excuse me, mas por que caralho elas não resolviam escrever, ou trocar idéias, ao invés de perder tempo decorando palavras dos outros? Não que manter o patrimônio cultural não seja importante, mas produzir novas idéias me parece bem mais. E aquela cena final de pessoas caminhando de um lado pro outro vomitando palavras de outras pessoas me deu uma certa vergonha alheia. Ô culturinha besta.
(d) hm, tinha mais conclusões a serem tiradas. Mas talvez fiquem pra alguma outra hora. Enquanto isso, vou tentando levar adiante (e parafraseando em leituras públicas) os ideais do tio Caetano, de entrar em todas as estruturas pra sair de todas. Nós entramos em festival pra isso.
(em tempo, fica o agradecimento pra organização da festipoa por botar em prática um evento legal e improvável desses, me convidar pra fazer parte dele, e ainda por cima fazer ele dar certo. O meu ranzinzar não tira nenhum átomo dos méritos de você(s) - inclusive o de estimulá-lo e permitir que ele aconteça).

Um comentário:

verapz disse...

well posted!