segunda-feira, janeiro 31, 2011

sobre por que fazer antes o que alguém já vai fazer por você

imagine o seguinte cenário: você acorda de manhã, meio de ressaca, com aquela fome de não ter jantado na noite anterior. Meio sonolento, você levanta e pensa “pois é, pelo jeito vou ter que fazer o café da manhã”. E então você chega na cozinha e descobre que a sua mulher levantou antes de você e já está terminando de fazer um lindo café da manhã pra dois, com café com leite, chocolate quente, suco de laranja, iogurte, torradas, geléia, ovos mexidos e tudo o mais que você poderia querer.
o que você faz?
(a) diz “que ótimo, meu bem, você leu os meus pensamentos. Vou aproveitar que você já fez o café pra ir botando os talheres na mesa e dando uma limpada na cozinha, OK?”
(b) suspira algo como “caralho, eu te amo” e enche ela de beijos no pescoço, aproveitando que ela está ocupada com os pratos pra dar uma esfregada básica naquele corpo indefeso inclinado sobre a pia da cozinha.
(c) pensa “senhor, eu não mereço tanto” e volta sorrateiramente para o quarto, deitando novamente pra esperar que ela lhe traga o café na cama enquanto você finge dormir e não saber de nada do que está acontecendo.
(d) precipita-se pra dentro da cozinha, abrindo à geladeira às pressas, apanhando a comida e disputando espaço na pia pra fazer o mesmo café da manhã que ela já está fazendo, simplesmente pra terminar antes dela e ter o mérito de colocá-lo na mesa antes. E fica frustrado por semanas ou meses a fio se ela por acaso conseguir servi-lo primeiro.
sinceramente, não importa muito se você simpatiza com a alternativa “a”, “b” ou “c”. O que importa é que é imensamente provável que você (assim como qualquer pessoa minimamente normal) tenha imediatamente relacionado a alternativa “d” a algum grau de psicose em estágio avançado. Certo?
ok.
agora transfira a cena pra um laboratório de pesquisa, em que você tem uma ideia que lhe parece boa, está começando a trabalhar nela, e aí subitamente fica sabendo que alguém em algum lugar do mundo está trabalhando exatamente na mesma coisa que você estava pensando em fazer, e tentando encontrar os mesmos resultados que você esperava encontrar para publicá-los.
o que você faz?
não vou enumerar as alternativas. Mas da próxima vez que você disser que faz ciência (ou seja o que for que você faz) pra fazer uma contribuição para a humanidade, e não pelos seus próprios interesses, pelo menos pense nisso.

sábado, janeiro 22, 2011

certezas ruindo

diálogo verídico na bilheteria do cinema:
- Boa noite.
- Boa noite. Uma para "Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas." (morrendo de medo do que o caixa vai pensar de quem paga pra assistir um filme com um título esdrúxulo desses)
- Às nove e cinquenta?
- (com ar de incompreensão) Não, às sete e quarenta.
- Está lotado.
- Lotado? (incrédulo) LOTADO? Nunca ninguém disse para você que FILMES TAILANDESES NÃO PODEM LOTAR UMA SALA DE CINEMA! (furioso) Que isso vai CONTRA AS LEIS MAIS FUNDAMENTAIS DO UNIVERSO? (agarrando o caixa pelo pescoço) Você não leu ESTE POST?
(obs: última fala discretamente modificada por motivos de licença poética)
não há dúvida, todas as minhas certezas andam ruindo. Estranho lugar, esse rio de janeiro.

domingo, janeiro 16, 2011

a vida é uma sala vazia

nunca gostei muito de abarrotar minha casa de móveis. Desde o dia em que eu fui morar sozinho, minha mãe sempre tentou me empurrar mesas e armários que estavam sobrando na casa dela, mas eu geralmente fazia o que podia pra resistir à ideia. E o meu argumento era sempre mais ou menos o mesmo: e se tiver uma festa, onde vamos colocar as pessoas? O que no fundo não era assim tão verdade, porque por mais que as festas às vezes acontecessem, normalmente o pessoal acabava se aglomerando na cozinha (como em qualquer festa que se preze). Mas ao mesmo tempo era um argumento plenamente sincero: uma sala vazia sempre foi ao menos a esperança de uma festa (ou pelo menos de um punhado de amigos sentados em colchões e almofadas dispersos de improviso pelos cantos). Já uma sala cheia de móveis é... bem, só uma sala cheia de móveis.
e nesse momento peculiar, talvez o mais solto e desvinculado em uma década, eu olho pra trás e tenho a impressão de que, conscientemente ou não, eu tenho lidado com a minha vida do mesmo jeito que com a minha sala. Fugindo do jeito que posso de construir algo de que eu não vá conseguir me livrar. E mantendo o espaço aberto pra uma festa que talvez seja tão teórica e improvável quanto uma invasão dos tártaros. E cada vez mais eu me sinto capaz de enxergar isso não com remorso ou arrependimento, mas apenas com a consciência de que é inevitável. Porque mesmo que na terceira pessoa a gente seja definido pelo que constrói, a experiência da vida em primeira pessoa sempre vai ser a do espaço que se tem. E mesmo que preenchê-lo ande meio difícil nesses dias, a experiência e a inquietação do espaço aberto por si só já compõem um sentido. E têm sido a minha melhor maneira de me definir, de arranjar direção pro tempo, de encontrar um fio condutor pra narrativa dos meus dias. No fim das contas, mesmo com o apartamento menor, o espaço na sala segue sendo o único reflexo fiel do lado de dentro. O resto é só um punhado de móveis.