quarta-feira, março 28, 2007

pequena nota sobre preconceitos antinaturais

BBC Brasil - E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?
Matilde Ribeiro - "Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou."
(do site original da entrevista na BBC Brasil)

reclama a ministra da igualdade racial (?) que a sua fala foi "descontextualizada". Sinceramente, acabei de olhar ela no contexto e considero ela tão estúpida quanto fora dele. Eu particularmente não me lembro de ter açoitado ninguém nos últimos tempos, independentemente de cor de pele. E me sentiria um tanto injustiçado se alguém não gostasse de mim por isso.
pra começar, não consigo entender o que diabos ela possa querer dizer com essa história de "uma reação natural" (ou "uma reação subjetiva normal", como disseram uns antropólogos aí) que os negros não gostem dos brancos. E as reações dos brancos que não gostam de negros são o quê, "artificiais"? "Antinaturais"? "Extraterrenas"? Também me parece uma reação obviamente "natural" que um branco tenha preconceito contra os negros, considerando-se que ele cresceu num meio preconceituoso, em que os pais e amigos fingem tolerância mas falam mal desses "negros filhos da puta" tão logo se sentem prejudicados por um, em que a TV mostra negros nas notícias policiais todos os dias, e em que nenhum negro anda por seu bairro elitista e limpinho. Mas não é por ser "natural" que tal reação deveria ser uma coisa normal ou tolerada. E certamente não é por isso que deixa de ser racismo.
mas o mais patético de tudo, no fim das contas, é que me parece que esse tal "racismo reverso" ou alguma forma de ressentimento da população negra é um problema absolutamente mínimo no Brasil, se é que existe. Confesso que no pontinho míope de vista que o meu local no país e na pirâmide social me oferecem, talvez eu não esteja tão exposto assim a grandes conflagrações raciais. Ainda assim, eu não me lembro de nenhuma vez em uns quase vinte e oito anos de vida de ter sido hostilizado por ninguém de etnia alguma por causa de cor de pele. Então a ministra consegue a proeza de se antecipar e perdoar o tal "racismo reverso" antes mesmo dele nascer no Brasil. Superbom.
dizer que não existe racismo no Brasil, como tem feito algumas pessoas que andam levantando a voz contra a idéia de afirmação afirmativa e cotas raciais, é obviamente uma bobagem grotesca. Mas não me parece uma bobagem achar que as tais políticas de "igualdade racial" do governo enxergam um país que não parece muito com o Brasil. Em primeiro lugar, a noção de raças distintas, como qualquer geneticista concordaria, é uma bobagem sem tamanho. E mesmo a noção de comunidades étnicas no Brasil me parece um tanto sem sentido: não me parece que exista grande segregação geográfica ou de costumes devido a etnia, e sim uma imensa segregação por classe social: bairros pobres e bairros ricos, costumes de pobres e costumes de ricos, produtos pra pobres e produtos pra ricos. Mas não vejo nenhum bairro negro, e se há "música negra" ou "moda negra" de uns tempos pra cá, isso parece ter sido largamente importado dos Estados Unidos - o samba, como canta o João Gilberto, sempre foi mistura de raça e mistura de cor. Da mesma maneira, a existência de tensão racial de fato, a tal "insurgência" levantada pela ministra, também nunca foi um problema dos maiores. O que existe é preconceito e discriminação, certo. Mas isso é bem diferente do que insurgência étnica.
ainda assim, por algum motivo, o pessoal lá de cima segue martelando essa história das duas populações separadas em franco conflito. E de tanto martelarem, são capazes de qualquer dia criarem exatamente isso (até porque a oficialização constitucional da separação parece só questão de tempo). Às vezes parece incompreensível. Mas como já nos ensina há tempos a indústria farmacêutica, se a gente tem um remédio popular pra vender, a melhor opção é sempre criar a doença.

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