segunda-feira, fevereiro 18, 2008

karlovy láznĕ















a globalização nada teme. Ela bebeu demais pra isso. A globalização avança bêbada e socializa com facilidade, abarcando brancos e pretos e amarelos dançando sob o mesmo teto, contanto que seja sob a mesma música de FM de meados dos anos 90. A globalização não se preocupa com muita coisa: ela tem uma bolsa do programa Erasmus e não tem os pais conferindo que horas ela volta pra casa. A globalização ganha território rápido, muito rápido, e não encontra resistência – com exceção do eventual tcheco desdentado de olhos esbugalhados que nos xinga com ar ameaçador num bar fuleiro por falar inglês e rapidamente é expulso pela garçonete e descartado como psicótico, muito provavelmente com justiça. A globalização instala puteiros, irish pubs, restaurantes italianos ruins e lojas de souvenirs por todos os cantos, independentemente da localização geográfica. A globalização bebe cerveja e drinques metidos a besta em quantidades industriais e isso assegura a sua harmonia, porque nivelar o comportamento por baixo sempre funciona. A globalização, se eventualmente provoca surpresas bizarras a nível individual, é absolutamente previsível em relação ao seu comportamento de grupo, provavelmente por alguma questão de cálculo vetorial que sempre normaliza a resultante.

a globalização é um consenso, uma herança cultural coletiva entranhada nas tripas que reverberam canções fora de moda de nomes como Snap, Ace of Base ou Haddaway, justamente esquecidos até que as festas thrash anos 90 comecem a pulular na discoteca mais próxima da sua casa. As quais teriam shows dos Mamonas Assassinas em suas edições de aniversário se não fosse a intervenção da Serra da Cantareira. E hoje em dia a globalização ouve hip hop e simula sexo em pistas de dança pra exorcizar sua própria frustração sexual, e pra aproveitar o loophole na estrutura do politicamente correto que permite que ser machista, ganancioso e andar armado seja cool e fashion, contanto que num contexto de música afro-americana. A globalização se entende bem demais, num frenesi bêbado mas profundamente subjetivado de exibicionismo e sexo casual. E em nenhum momento a globalização se questiona, se controverte, entra em conflito consigo mesma ou com o outro, posto que não há um outro. E isso é o que me assusta. Francamente, nada a favor do conflito palestino, da guerra civil no Quênia ou de seus congêneres. Mas um mundo onde qualquer um se sinta em casa onde quer que seja tem o seu quê de perturbante.

a globalização é uma discoteca de cinco andares em Praga varada por multidões suadas por todas as partes do mundo que correm atrás de sexo e cerveja barata. E bizarramente, a única relíquia da primeira vez que eu estive aqui há quase oito anos atrás é esse computador no porão rodando o Windows 98, talvez o mesmo no qual uma vez eu me sentei pra escrever um e-mail fascinado e perplexo com o futuro que chegava. E talvez eu ande mais pessimista do que da última vez, ou simplesmente esteja meio bêbado pra raciocinar direitinho. Em todo caso, se disserem pra você que o ser humano finalmente começou a entender os outros, se pergunte duas, três, quatro vezes se isso não tem nada de suspeito. Mais provavelmente ele simplesmente deixou de encontrar o outro pelo caminho, já que não há mais estrangeiros que não falem a sua língua. E isso pode ter lá suas vantagens. Mas pode também ser bem mais perigoso do que a hipótese alternativa.

(16/2/08, karlovy láznĕ, praha, subsolo, lá pelas 3 da manhã)

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