segunda-feira, maio 03, 2010

procura-se

algo inútil e urgente pra fazer. Logo.

domingo, abril 18, 2010

me autodivulgando a mim mesmo de novo

como parte da festipoa literária, que chega ao seu terceiro ano (pelas minhas contas) já dando passos decididos sem apoio e falando em português fluente, vai aí o meu calendário de eventos literarioportoalegrenses da semana:
- dia 21 de abril (quarta) às 20h, estarei no lançamento da coletânea O Melhor da Festa - volume 2, com textos do pessoal que participou da edição 2009 do evento. Sim, tem um troço meu lá no meio, como seria de se esperar. E a companhia em volta é deveras honrosa. Vai ser no Boteco do Pé (João Alfredo, 571), e além dos autógrafos deve rolar alguma espécie de agito cultural depois.
- dia 25 de abril (domingo) às 14h, estou num debate com Flávio Wild e Cássio Pantaleoni sobre "Conto, imagem e construção do invisível". Rola na Palavraria (Vasco da Gama, 165), ali pertinho de casa.
o resto da programação do evento tá no site, pros interessados. Apareçam. É tudo de graça, (ok, minto, o livro deve custar alguma coisa). E eu tenho várias saudades pra matar.

sexta-feira, abril 16, 2010

com o corpo em movimento e o olhar parado

a decupagem da vida anda difícil esses dias.

quinta-feira, abril 08, 2010

ressaca do apocalipse

velho chinês grita com a moça da lavanderia do outro lado da rua, em chinês. Garotos ensaiam jogadas de rugby na beira da praia em Copacabana. Na TV do boteco um amigo meu beija uma atriz gostosa na novela das oito. A vida parece voltar lentamente ao normal no Rio. Mas em cada canto alguma coisa insiste em indicar que não foi só um sonho ruim, do mar em ressaca furiosa à lama barrenta das calçadas ao trânsito que inexplicavelmente flui à pequena multidão aglomerada em frente ao IML da Leopoldina. E mais do que incitar pensamentos de fim do mundo, tudo isso meramente me faz pensar se algum dia houve ou haverá alguma coisa que possa ser chamada de vida normal por aqui. Pra mim ao menos, acho que não. E mesmo se a Lagoa seguir aumentando e acastanhando e completar sua lenta metamorfose em Rio Guaíba, mesmo se todos os morros desabarem até chegarem na altura do Ricaldone, ainda assim nunca será exatamente a minha casa. Por mera falta de repouso. Aqui é o acontecer permanente.

sábado, março 27, 2010

lenta agonia do que ainda resta do verão

e agora, o que se faz quando esse presente perene acabar?

segunda-feira, março 22, 2010

porque afinal não há nada de errado em foder com o pau dos amigos de vez em quando

no fim da tarde de sábado em Porto Alegre peguei um táxi até o Gasômetro pra ver os amigos cartolas tocarem no aniversário da cidade. Às vezes me pergunto por que ainda faço isso, posto que já devo ter visto os caras tocarem umas dez ou quinze vezes pelo menos. A resposta simples (que eu já tinha antes de ir) é que eu sempre saio do show um pouco mais feliz do que entrei. O que já devia bastar. Mas dessa vez o mundo fez questão de me dar a resposta complicada também. Porque no gramado tosco da beira do Guaíba, no meio de adolescentes de preto saídos de algum subúrbio obviamente não abastado da grande POA, que pulam feito uns maníacos como se fosse show dos Stones, eu me dou conta que de todos os meus amigos artistas, esses caras são os únicos que verdadeiramente conseguiram cruzar a barreira que realmente importa. A de falarem e serem entendidos com toda a sinceridade por gente realmente diferente deles. O que eu (assim como todos os escritores que eu conheço, e como praticamente toda a academia brasileira de letras, a bem da verdade) falho miseravelmente em fazer, por estar restrito ao mundinho literário tamanho cabeça de alfinete do país. E isso tudo me daria uma puta inveja, se não me deixasse muito feliz. E nem é por ser amigo da banda. Mas muito mais porque, ali pulando junto na beira do palco, no fundo eu consigo compactuar nesse processo. E, mesmo estando do lado dos fãs, sentir que juntos, todos nós, a gente tá fazendo alguma coisa que preste.
incidentalmente, os caras acabam de lançar um disco chamado “Quase Certeza Absoluta”. Aparentemente tá nas melhores lojas de discos, pelo menos em Porto Alegre (pra quem tem menos de vinte anos, “loja de discos” é um lugar em que a gente costumava ir de vez em quando há muito tempo atrás). Pros que moram longe, dá pra comprar aqui. Ou então esperar que não demore pra cair no soulseek. Ave.

sábado, março 20, 2010

atrator estranho

uma época, quando eu era mais jovem, minha desculpa favorita pra nunca ter escrito um romance era que a vida mudava rápido demais pra se manter estável em qualquer projeto literário duradouro. E eu prometia pra mim mesmo que uma hora dessas, quando as coisas aquietassem, aí sim eu ia poder entrar na brincadeira.
hoje em dia eu continuo nunca tendo escrito um romance. Mas essa promessa parece cada vez mais furada. Primeiro porque eu já não sou tão jovem pra usá-la. Segundo porque já duvido de que um romance dependa de idéias estáveis sobre qualquer coisa, até porque elas não existem – minha impressão é que tudo o que dá pra fazer é se imbuir da verdade de um poema, de uma máscara sincera que se possa vestir de vez em quando. E terceiro porque a idéia de que a vida viria a ficar mais estável tem se revelado a mais estúpida de todas elas. Pelo menos até agora.
porque se é verdade que as descobertas e idéias e estados de espírito realmente novos vão rareando, por outro lado a idade vem me fazendo acumular um número de máscaras grande o suficiente pra me pulverizar por completo. E nesses tempos de dispersão geográfica e emocional, cada vez mais a vida parece ciclar incrivelmente rápido por atratores estranhos e desconexos. Todos eles urgentes e palpáveis, todos eles eu. Todos máscaras sinceras e vitais pra se conseguir dizer qualquer coisa. E no tempo presente eu sou capaz de me reconhecer em todos, e tudo parece muito natural. Com a exceção dos vinte segundos de estranhamento ao acordar em uma cama cujo atrator não tem nada a ver com o do sonho.
e pensando por esse lado deveria ser a fase mais eloquente da minha vida: afinal, se não existe poesia que não nasça do espanto, não há nada como o deslocamento do olhar pra poder espantar-se. Mas cada máscara e cada olhar novo tem me durado no rosto por tão pouco tempo que eu não consigo sequer sentar na frente do computador pra escrever qualquer coisa. Antes que qualquer palavra sedimente, alguém gira o caleidoscópio e a imagem já é outra.
é desses atratores estranhos da vida que vem a palavra, granted. Mas também é deles que vem o silêncio. Por ora, tenho andado com o segundo. Por respeito a ambos, e por pura incapacidade de fazer diferente.

segunda-feira, março 01, 2010

do manual de técnicas básicas de vendas para empresários da indústria fonográfica (xiv)

então, querido empresário, o que você faz pro consumidor voltar a sentir a música como “sua” depois que comprar um disco deixou de fazer qualquer sentido, já que o mercado inteiro internalizou que música é um bem gratuito?
o plano é simples:
(a) convença a banda que você empresaria a fazer shows
(b) cobre bem caro pelo ingresso
(c) permita a entrada de câmeras digitais
(d) deixe a presa entrar, fotografar e filmar. E depois colocar as fotos e vídeos do show no seu orkut, facebook ou youtube, ao gosto do freguês.
pronto,você acaba de fazer com que um bem universal se transforme mais uma vez numa exclusividade para poucos. E, melhor ainda, uma exclusividade passível de exibição para os que não a possuem. O que, no fundo, sempre foi a essência dos melhores bens de consumo.
agora sente em sua poltrona e aproveite seu martini. Quem está ligando pra música, afinal?

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

quinta-feira de cinzas

mais de dez anos depois de ter saído da década dos dezealgos, carnaval e solidão me dão a oportunidade ímpar de ser adolescente de novo por um breve momento. E o engraçado é perceber que depois de tanto tempo ainda sou perfeitamente capaz de repetir os mesmos padrões, esbarrar nos mesmos limites, e cometer os mesmos erros daquela época. E de sempre. Com a única diferença de que eles parecem importar bem menos. E essa pequena mudança, o acesso mais natural ao botão do whatever (vulgo foda-se), faz com que a vida fique surpreendentemente mais fácil. Talvez porque amadurecer não seja superar limites, mas simplesmente aprender a relativizá-los. E é com essa maturidade estranha que me agarro à oportunidade ímpar que a vida me dá de refazer minhas apostas muito depois do prazo. Provavelmente pra errá-las todas outra vez do meu jeito torto. Mas com um pouco mais de graça e gingado do que antes.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

sábado, fevereiro 13, 2010

insônia branca, manhã de carnaval

sou mais uma ilha na cidade. No meio de tantas outras mônades absortas em atividades desconexas no espaço restrito desenhado pela geografia. E ainda assim compartilho a mesma casa do cara que pesca de noite no acostamento da linha vermelha. Do corpo adormecido na calçada que eu tenho que saltar pra entrar na portaria. Dos pássaros que mergulham na água surrealmente clara de ipanema (já deixou de ser), alheios à multidão de banhistas. Do ambulante que vende cerveja através da janela do ônibus no meio do tráfego (minha melhor vingança contra o transporte público). Da caixa da farmácia que cheira o sabonete com um sorriso antes de me vender, sem que isso resulte em demissão sumária como em qualquer lugar civilizado (meu melhor motivo de orgulho nacional). E dos urubus que pairam permanentemente sobre a cidade, numa altura imensa e sem sentido que evolução nenhuma me explica. Não consigo dormir, são seis da manhã num sábado de carnaval. E vou pra rua de novo, abraçar uma vez mais o que é apenas o lugar certo pros meus tempos mais estranhos.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

consideração a ser feita antes que eu comece a reclamar demais da vida

um emprego de adjunto na universidade pública por 35 anos equivale a mais ou menos 3,4 MacArthur awards. Sem contar a aposentadoria. Pra um pouco menos de liberdade e uma que outra aula pra dar de vez em quando, talvez eu tenha que admitir que não é de todo mau.

a premonição é um prato que se come frio

a antecipação premonitória da literatura (e da arte em geral) é sempre algo que me surpreende. Não é uma nem duas vezes que eu leio ou ouço algo por anos a fio, até que o sentido que se ensaiava ali por todo aquele tempo finalmente se concretiza em algo palpável. Vide a Gal jogando tudo num verso intitulado mal secreto e essas coisas assim. Mas mais estranho do que desvendar profecias alheias é às vezes sentir que o que eu mesmo escrevo tem poderes de premonição. Esse domingo resolvi meio do nada ler as primeiras (e únicas) quinze páginas de uma novela sobre um professor universitário frustrado, que eu tinha começado a escrever há mais de um ano pra logo abortar e nunca mais botar o olho. E de queixo caído constatei que, sem ter como saber de quase nada do que viria a se passar de lá pra cá, eu tinha previsto quase todo o meu momento presente, no que ele tem de melhor e pior. E no que ele tem de mais pessoal e inacessível a alguém que olhasse de fora. E mesmo que ter previsto os fatos (inclusive o não-desprezível acontecimento de virar professor) tenha sido mera adivinhação, a presciência do meu estado de espírito depois deles acontecidos é exata demais pra ser por acaso. O que talvez não seja de se surpreender. Porque ainda que sejam os fatos que determinam o rumo da vida, a nossa reação aos fatos é sempre a ficção pessoal que a gente cria pra lidar com eles. E isso talvez não seja tão diferente assim de escrever ficção. No papel ou na vida, nosso repertório de personagens possíveis é algo limitado. E quando os acontecimentos do papel por acaso vão de encontro aos da vida real, a convergência desses personagens chega a ser chocante. Mesmo pra quem escreve literatura fantástica, a vida acaba no fim das contas imitando a arte. Ainda que com um pouco menos de vacas esquartejadas e bolhas protoplásmicas.

domingo, janeiro 10, 2010

sábado, janeiro 09, 2010

fotocomposição












































por que o travesseiro insiste em cair pra direita?

quarta-feira, janeiro 06, 2010

circo armado



















quando começamos a brigar o circo já está todo armado, o público sentado esperando o espetáculo: crianças em roupas de festa, pais com cara de pouca paciência, pipoqueiros e vendedores de algodão doce disputando espaço entre as filas. E nem sei dizer de quem parte a primeira acusação, estamos os dois prestes a entrar em cena, uniformes postos, e aí começam as farpas, quem é tu pra me dizer isso, caralho?, e em resposta eu chuto as grades da jaula e digo então entra, vai!, ouvindo a vibração do metal abafar os rugidos dos leões. Mas já é tarde, a música toca forte nos alto-falantes, as portas do camarim se abrem e os membros da trupe vão saindo um a um, bailarinas rodando varinhas e palhaços correndo em coreografias destrambelhadas. E ao ouvirmos as risadas das crianças e sentirmos os empurrões atrás de nós sabemos que não temos opção senão adentrar o picadeiro, mesmo que estejas mais preocupada no momento em esmurrar minha cabeça com um fagote roubado dos meninos da banda. Então nos colocamos em fila junto aos acrobatas e agradecemos a ovação do público, enquanto eu roubo as bolas dos malabaristas e as arremesso contra o teu peito, te obrigando a buscar refúgio atrás dos halterofilistas musculosos. O palco roda à nossa volta e nos perseguimos com furor, mas nada disso parece perturbar o número dos palhaços, que correm dos esguichos de água e esbarram em nós, me jogando contra o globo da morte em que aceleras com a motocicleta apontada na minha direção. Pra minha sorte, no entanto, o mágico encapuzado e sua assistente logo aparecem pra te levar como voluntária, e eu me coloco em pé sobre os pôneis pra assistir enquanto te debates amarrada na mesa e me lanças olhares furiosos. Mas ao ver a serra se aproximar do teu corpo minha euforia vai se transformando em ansiedade, tuas pernas se separam do tronco e batem desesperadas até pararem, e conhecer o truque não me impede de me aproximar correndo, tropeçando entre os obstáculos dos cachorros amestrados, até sentir uma dor aguda no peito quando surges do fundo falso e me acertas em cheio com a barra do trapézio. E enquanto o mágico colhe os aplausos eu sou levantado do chão e balanço cada vez mais alto, tu te equilibras com graça no trapézio ao lado e nos gritamos insultos inflamados que ouvimos só no breve momento em que nos cruzamos, “...lho da put...” e já subimos novamente, “...isso de novo eu te mat...” e mais uma volta, a platéia um borrão de rostos sorridentes embaixo de nós. Até que eu não aguento a raiva e me arremesso contra ti, derrubando-nos sobre a rede de segurança pela qual rolamos até o monte de alfafa, sob o olhar apático dos elefantes. E enquanto te levantas entre as trombas eu apanho o chicote e o estalo histérico contra o chão, fazendo a manada dispersar e chamando a atenção dos assistentes do domador, que em seus maiôs cheios de penachos aparecem pra me conduzir sob intensos aplausos para a jaula dos leões. “Mas eu sou contorcionista”, grito histérico sem que ninguém ouça, cada vez mais perto do cadafalso enquanto acenas para os felinos com um bife e apontas pra minha cabeça. E ao ouvir a porta fechar atrás de mim te vejo do outro lado das grades e avanço na tua direção sem dar importância a jubas e dentes, chicoteando o chão em todas as direções num bailado espantoso, que faz os animais dispersarem e subirem pelas paredes enquanto eu comprimo o corpo contra as barras de ferro pra me aproximar de ti, nós dois separados pelo metal e ainda assim conseguindo nos tocar nos excessos de gordura das coxas e barrigas salientes. E já quase vou me esquecendo da razão da briga quando de súbito a respiração úmida no meu pescoço se converte em rugido e depois em pânico, pra em seguida ser substituída pelo calor do jato do engolidor de fogo, que passando rente ao meu corpo afasta os leões e permite aos acrobatas entrarem na jaula pra me resgatar. E enquanto eles pulam e me arremessam de um lado a outro como se eu fosse mais uma peça de seus malabares eu rodo pelo picadeiro, e tonto de vertigem vejo que também rodas, carregada pelos braços musculosos dos atletas. E rodando vamos chegando ao grand finale, com bailarinas, acrobatas, trapezistas, leões, equilibristas, motocicletas, mulheres barbadas, caminhões gigantes, mágicos, cachorros amestrados e palhaços girando infernalmente sob a lona colorida para o delírio da platéia. E tenho a impressão de que enquanto somos arrastados pelo cortejo ainda gritas algo contra mim, mas já não faz diferença, porque o espetáculo não para, porque ninguém nos enxerga, porque enquanto rodamos e nos odiamos o público inteiro apenas aplaude loucamente o enorme circo armado ao nosso redor, ao som da marcha nupcial, sem sequer tomar conhecimento de que existimos.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

o segredo do mundo é saber até onde ler

a foto tá rolando no twitter há horas, eu sei. Em todo caso, achei que se tentasse não teria uma mensagem de natal melhor do que essa. Como já dizia o mestre supremo,
just to dig it all and not to wonder that's just fine
and i'll be satisfied not to read in between the lines
.
entendam o que quiserem, mas acho que as camisetas infantis devem ter algo de sabedoria. Feliz natal.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

da cultura como um grande arroto

acabei de voltar duma exposição foda do Wilfredo Lam na Caixa Cultural aqui do Rio. Depois de dois meses me enrolando, arranjei tempo, saí mais cedo do trabalho numa quarta-feira e fui ver o troço, abrigado no prédio da Caixa em pleno Largo da Carioca, num dos vários epicentros do furacão do centro do Rio.
lá fora o caos, calor e multidão indo do metrô pro ônibus, do escritório pro bar, ou qualquer trajeto combinando esses elementos. Lá dentro ar-condicionado, e eu sozinho. Passei quase uma hora do final da tarde num enorme salão vazio olhando gravuras, sem companhia além de uma única senhora curiosa (que não parecia entender muito bem a história toda, a julgar pelo papo dela com a facilitadora de plantão, e saiu dali meio rápido). Na saída, olhei o livro de assinaturas. Devia ter umas dez no dia de hoje.
não sei o custo de trazer aquelas 140 gravuras pro Brasil. Nem o de montar a exposição toda, manter uma sala enorme pra abrigá-las em pleno centro do Rio, pagar as dezenas de funcionários do complexo, e assim por diante. Mas se a gente for calcular o preço que uma brincadeira dessas (ou de um longa-metragem nacional, espetáculo de dança ou concerto da Osesp) sai por pessoa que usufrui, suspeito que dificilmente vá chegar à conclusão de que vale a pena.
não, isso não é mais uma lenga-lenga sobre o desinteresse do público pela arte. E nem é mais uma crítica ao financiamento público da cultura ou à isenção total de impostos via Lei Rouanet.
isso é apenas a constatação de que a maneira de produzir o que se chama de “arte” ou “cultura” no país, e talvez no mundo, é em larga parte um fracasso retumbante, simplesmente porque quase ninguém está ouvindo o que se diz. E não é porque falte dinheiro. É só porque falta todo o resto.
bem ou mal o fato é que a arte na era contemporânea virou uma espécie de subproduto supérfluo do capitalismo. O povo trabalha, a economia cresce, as engrenagens giram, o dinheiro aparece, a isenção de impostos existe. Então lá pelas tantas a máquina é capaz de gerar um centro cultural aqui, uma peça aqui, um filme acolá. Uma sobra das entranhas do sistema, que não contribui nem prejudica o seu funcionamento. Algo assim como um peido ou um arroto, só que com cheiro bom e ar condicionado.
o único problema é que as únicas coisas que o sistema é capaz de fornecer à cultura são (a) dinheiro e (b) uma minúscula elite intelectualizada capaz de produzir e usufruir da arte. Porque o capitalismo que financia o teatro ou a literatura também soterra debaixo de sua realidade inegável e avessa a ficções a idéia de que teatro ou literatura podem ser algo importante. Se não tem ninguém numa exposição massa às seis da tarde na Caixa Cultural, não é por culpa da exposição, nem do público. É porque ninguém tem tempo pra ir em exposição às seis da tarde. Afinal, neguinho tem que trabalhar. Até porque tem que pagar os juros do empréstimo que fez na Caixa pra comprar o carro no início do ano.
claro, sempre haverá a exceção a regra, a meia dúzia privilegiada que tem tempo, paciência, educação e um quê de esnobismo pra assistir o Ciclo de Cinema da Geórgia (isso não é uma metáfora, é de fato a programação atual do CCBB). E diz o discurso pró-cultura que se a arte conseguir influenciar alguma dessas pessoas a iniciativa valeu a pena. O único problema é que influenciar alguma dessas pessoas provavelmente não vai fazer com que ela mude o mundo. No máximo, vai fazer com que ela mude a si mesma, e talvez com que ela escreva ou filme ou pinte alguma coisa que no fim das contas também vai ser visto por meia dúzia. E o que é pior, provavelmente pela mesma meia dúzia. E no fim das contas essa meia dúzia vai formar a tal nata da sociedade. Que como dizia o meu ex-chefe pros alunos de medicina do primeiro semestre, “é aquela coisa gordurenta que fica em cima do leite”, tão fácil de coar e jogar fora.
e enquanto isso o mundo ruge lá fora na Almirante Barroso, alheio a tudo isso. E coa a nata sem grandes problemas ao tomar o café com leite de todos os dias.
e a idéia de que lucro de banco por si só pode gerar cultura é provavelmente uma grande falácia. Não que eu tenha nada contra a existência da Lei Rouanet, na verdade: se não houvesse dinheiro a situação provavelmente seria ainda pior. Mas o problema todo é que cultura não depende só de grana. E nem só de artista falando, escrevendo ou pintando. Cultura depende de quem ouça o que se fala. E pra ouvir se precisa de tempo. Pra ouvir se precisa de fé. E se precisa de um puta silêncio. Coisas que o mundo contemporâneo infelizmente não tem isenção fiscal pra produzir.
todo o dinheiro do mundo não é capaz de comprar o silêncio necessário pra se criar alguma forma de arte que ainda importe.
e a verdade é que o mesmo mundo que tão orgulhosamente canaliza parte dos seus impostos pra sustentar o cinema brasileiro ou a metropolitan opera house ou o que quer que seja raramente tem tempo, fé ou silêncio pra de fato tomar parte na troca que deveria se estabelecer a partir disso. Não que não tente ou finja, comprando livros e botando na estante, indo à FLIP assistir a autores que nunca leu, ou frequentando um que outro concerto porque afinal é chique. Mas a porcentagem das pessoas que muda a sua vida de trajeto um milímetro com a arte que consome (e infelizmente a patética expressão “consumir arte” não poderia ser mais adequada) é ínfima.
e isso é o lado de cima da pirâmide, que ainda é o menos problemático. Porque o lado de baixo simplesmente segue caminhando no largo da Carioca pra pegar o metrô antes que o movimento aperte.
a verdadeira crise da arte contemporânea não tem a ver com a forma nem com o conteúdo. Na verdade, a crise da arte contemporânea tem muito pouco a ver com a arte, e muito mais a ver com o mundo. A crise da arte contemporânea é o fato de ter se tornado inócua, um brinquedinho colorido gerado pelo capitalismo que distrai alguns, entretém outros, e eventualmente até consegue se tornar uma parte vital da existência de um pequeno punhado de gente. Mas que não move o mundo um milímetro. É uma merda dizer isso, mas os dois nerds que criaram o Google, ou até mesmo o pirralho do Facebook, têm um impacto maior em criar novas idéias e formas de existir (o que deveria ser o objetivo da arte) do que toda a produção artística da década. E do jeito que a tecnologia anda, não existe a menor evidência de que a maré vá mudar.
sempre se disse que o dinheiro é importante pra financiar a arte. E há tempos é moda se dizer que se usa a tecnologia pra criar novas formas de arte. Ambas as afirmações são bobagens. Porque se a arte é o que move o mundo, o dinheiro e a tecnologia são a arte. O que se faz com eles pra chamar de arte, como todo o resto, é só um arroto colorido e cheiroso.

terça-feira, dezembro 15, 2009

das lágrimas na faixa de segurança

caminhar é o que me mantém inteiro
desabo a cada vez que paro, esperando verde
e em cada esquina da nossa senhora fica um pouco de mim

sábado, novembro 28, 2009

cosmética da fome

esses dias voltei de carro do Fundão, ao invés de encarar o tradicional sacolejo do quatro oito cinco lotado. Era um fim de tarde, a gente ia com o ar condicionado ligado e música clássica tocando alto no som. E pela primeira vez depois de mais de um mês de Rio eu consegui reparar na poesia da Linha Vermelha. A solidão dos vendedores de água pisando o asfalto. O insólito parquinho de diversões iluminado na beira da estrada, ao lado do campo de futebol da favela. A solidão do castelinho da Fiocruz ao fundo. E a imensidão de casas de tijolo empilhadas a perder de vista, com o dia caindo e as luzes começando a se acender. Sério, por um momento pareceu lindo. E aí eu acordei do transe quando o carro empacou no engarrafamento.
do outro lado do vidro fechado, qualquer coisa vira poesia. Difícil é achar graça quando se está no palco, ao invés de na cadeira estofada da platéia.