domingo, fevereiro 24, 2008

obscenidades (ou dude, where's my universe?)

há uns quatro anos atrás, a irmã sem talento do Michael Jackson mostrou meio mamilo em cadeia nacional de televisão no intervalo do Super Bowl, o programa de TV mais assistido nos Estados Unidos. A rede de televisão ABC recebeu mais de cem mil ligações de protesto, e o furor foi tanto que naquele ano decidiram transmitir o Oscar com um delay de cinco segundos, pra ter tempo de cortar se alguém fizesse alguma coisa igualmente obscena. Eventos ao vivo para grandes públicos pareciam algo muito arriscado naquele momento. Eu escrevi um texto naquela época que bastante gente gostou naquela época – e que, só pra constar, tá postado abaixo.

hoje, quatro anos depois, o mesmo país vai transmitir o mesmo Oscar pra alguns milhões ou bilhões de pessoas. Não sei se com delay ou não. E diz a mídia, pelo menos até agora, que o No country for old men, dos irmãos Coen, é o franco favorito pra ganhar a estatueta. É verdade que não estou exatamente no centro da mídia americana. Mas pelo menos aqui onde eu estou não chegou nenhum protesto por obscenidade.

meio mamilo da Janet Jackson contém um punhado de pele, as aberturas de alguns túbulos mamários, algumas veias salientes e era mais ou menos isso. E nem dá pra ver inteiro, porque tem uma estrela de metal bagaceira na frente.

o filme dos irmãos Coen (como todos os anteriores) tem no mínimo umas cem mortes sangrentas, a sangue frio ou quente, pelo menos uns quinhentos tiros de calibre pesado, cabeças explodindo, gente vomitando sangue, fraturas expostas, cadáveres apodrecendo. Quase todos os inocentes morrem. Quase todos os culpados também. Nem os cachorros escapam.

e ainda assim o filme não é considerado diletante, nem obsceno, e não chega a incomodar ninguém no big business. A ponto de toda a equipe ser recebida com tapete vermelho em Hollywood, e provavelmente recompensada por ele. Com propagandas de Pepsi Cola e Fruit Loops nos intervalos comerciais.

um filme que tivesse um terço dessa obscenidade em matéria de sexo ao invés de violência (se é que uma escala comum pras duas coisas possa ser imaginada) provavelmente jamais entraria em cartaz em circuito comercial nos Estados Unidos. E as possibilidades de tal filme ser premiado por qualquer coisa no Oscar parecem bastante menores do que as do diretor ser assassinado por um fanático religioso qualquer.

as considerações acima não tem a ver com os critérios da academia, nem com o mérito artístico do filme, e muito menos refletem qualquer posição em favor de censurá-lo, ou de transmiti-lo com cinco segundos de atraso.

elas são só uma tentativa de me perguntar se o resto do mundo e eu, ou pelo menos se o americano padrão e eu, ainda pertencem à mesma espécie. Porque pelo menos as coisas que nos chocam e nos são obscenas parecem estar a alguns universos de distância. E eu tenho que confessar que o tamanho do abismo me preocupa.

3 comentários:

Anônimo disse...

A mim também. O quê, afinal,os Coen queriam dizer com tanta violência? Aí, li um comentário do Jorge Coli, na sua coluna Ponto de Fuga na Folha da semana passada, dizendo que o filme era sob o acaso. Era como cara ou coroa, ou se vive, ou se morre. Tá bem, mas precisa tanto sangue? O teu post me fez menos só. Gracias!

Anônimo disse...

A mim também. O quê, afinal,os Coen queriam dizer com tanta violência? Aí, li um comentário do Jorge Coli, na sua coluna Ponto de Fuga na Folha da semana passada, dizendo que o filme era sob o acaso. Era como cara ou coroa, ou se vive, ou se morre. Tá bem, mas precisa tanto sangue? O teu post me fez menos só. Gracias!

olavoamaral disse...

num sei... acho que na real talvez seja melhor que seja com sangue - de certa maneira o approach do Cronenberg de que "se for pra morrer gente, que seja com facada no olho" é melhor do que o approach Duro de Matar em que o Bruce Willis mata quinhentos caras e é mostrado dum jeito tão banal que ninguém nem sente. O que me incomoda é que mesmo com todo esse sangue ainda assim não seja tão indigesto pra população em geral (e às vezes nem pra gente). Às vezes me parece que a gente simplesmente toma o faroeste como algo normal demais, numa época onde a civilização já evoluiu o suficiente pra ele dever causar mais escândalo.