quarta-feira, dezembro 23, 2009

o segredo do mundo é saber até onde ler

a foto tá rolando no twitter há horas, eu sei. Em todo caso, achei que se tentasse não teria uma mensagem de natal melhor do que essa. Como já dizia o mestre supremo,
just to dig it all and not to wonder that's just fine
and i'll be satisfied not to read in between the lines
.
entendam o que quiserem, mas acho que as camisetas infantis devem ter algo de sabedoria. Feliz natal.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

da cultura como um grande arroto

acabei de voltar duma exposição foda do Wilfredo Lam na Caixa Cultural aqui do Rio. Depois de dois meses me enrolando, arranjei tempo, saí mais cedo do trabalho numa quarta-feira e fui ver o troço, abrigado no prédio da Caixa em pleno Largo da Carioca, num dos vários epicentros do furacão do centro do Rio.
lá fora o caos, calor e multidão indo do metrô pro ônibus, do escritório pro bar, ou qualquer trajeto combinando esses elementos. Lá dentro ar-condicionado, e eu sozinho. Passei quase uma hora do final da tarde num enorme salão vazio olhando gravuras, sem companhia além de uma única senhora curiosa (que não parecia entender muito bem a história toda, a julgar pelo papo dela com a facilitadora de plantão, e saiu dali meio rápido). Na saída, olhei o livro de assinaturas. Devia ter umas dez no dia de hoje.
não sei o custo de trazer aquelas 140 gravuras pro Brasil. Nem o de montar a exposição toda, manter uma sala enorme pra abrigá-las em pleno centro do Rio, pagar as dezenas de funcionários do complexo, e assim por diante. Mas se a gente for calcular o preço que uma brincadeira dessas (ou de um longa-metragem nacional, espetáculo de dança ou concerto da Osesp) sai por pessoa que usufrui, suspeito que dificilmente vá chegar à conclusão de que vale a pena.
não, isso não é mais uma lenga-lenga sobre o desinteresse do público pela arte. E nem é mais uma crítica ao financiamento público da cultura ou à isenção total de impostos via Lei Rouanet.
isso é apenas a constatação de que a maneira de produzir o que se chama de “arte” ou “cultura” no país, e talvez no mundo, é em larga parte um fracasso retumbante, simplesmente porque quase ninguém está ouvindo o que se diz. E não é porque falte dinheiro. É só porque falta todo o resto.
bem ou mal o fato é que a arte na era contemporânea virou uma espécie de subproduto supérfluo do capitalismo. O povo trabalha, a economia cresce, as engrenagens giram, o dinheiro aparece, a isenção de impostos existe. Então lá pelas tantas a máquina é capaz de gerar um centro cultural aqui, uma peça aqui, um filme acolá. Uma sobra das entranhas do sistema, que não contribui nem prejudica o seu funcionamento. Algo assim como um peido ou um arroto, só que com cheiro bom e ar condicionado.
o único problema é que as únicas coisas que o sistema é capaz de fornecer à cultura são (a) dinheiro e (b) uma minúscula elite intelectualizada capaz de produzir e usufruir da arte. Porque o capitalismo que financia o teatro ou a literatura também soterra debaixo de sua realidade inegável e avessa a ficções a idéia de que teatro ou literatura podem ser algo importante. Se não tem ninguém numa exposição massa às seis da tarde na Caixa Cultural, não é por culpa da exposição, nem do público. É porque ninguém tem tempo pra ir em exposição às seis da tarde. Afinal, neguinho tem que trabalhar. Até porque tem que pagar os juros do empréstimo que fez na Caixa pra comprar o carro no início do ano.
claro, sempre haverá a exceção a regra, a meia dúzia privilegiada que tem tempo, paciência, educação e um quê de esnobismo pra assistir o Ciclo de Cinema da Geórgia (isso não é uma metáfora, é de fato a programação atual do CCBB). E diz o discurso pró-cultura que se a arte conseguir influenciar alguma dessas pessoas a iniciativa valeu a pena. O único problema é que influenciar alguma dessas pessoas provavelmente não vai fazer com que ela mude o mundo. No máximo, vai fazer com que ela mude a si mesma, e talvez com que ela escreva ou filme ou pinte alguma coisa que no fim das contas também vai ser visto por meia dúzia. E o que é pior, provavelmente pela mesma meia dúzia. E no fim das contas essa meia dúzia vai formar a tal nata da sociedade. Que como dizia o meu ex-chefe pros alunos de medicina do primeiro semestre, “é aquela coisa gordurenta que fica em cima do leite”, tão fácil de coar e jogar fora.
e enquanto isso o mundo ruge lá fora na Almirante Barroso, alheio a tudo isso. E coa a nata sem grandes problemas ao tomar o café com leite de todos os dias.
e a idéia de que lucro de banco por si só pode gerar cultura é provavelmente uma grande falácia. Não que eu tenha nada contra a existência da Lei Rouanet, na verdade: se não houvesse dinheiro a situação provavelmente seria ainda pior. Mas o problema todo é que cultura não depende só de grana. E nem só de artista falando, escrevendo ou pintando. Cultura depende de quem ouça o que se fala. E pra ouvir se precisa de tempo. Pra ouvir se precisa de fé. E se precisa de um puta silêncio. Coisas que o mundo contemporâneo infelizmente não tem isenção fiscal pra produzir.
todo o dinheiro do mundo não é capaz de comprar o silêncio necessário pra se criar alguma forma de arte que ainda importe.
e a verdade é que o mesmo mundo que tão orgulhosamente canaliza parte dos seus impostos pra sustentar o cinema brasileiro ou a metropolitan opera house ou o que quer que seja raramente tem tempo, fé ou silêncio pra de fato tomar parte na troca que deveria se estabelecer a partir disso. Não que não tente ou finja, comprando livros e botando na estante, indo à FLIP assistir a autores que nunca leu, ou frequentando um que outro concerto porque afinal é chique. Mas a porcentagem das pessoas que muda a sua vida de trajeto um milímetro com a arte que consome (e infelizmente a patética expressão “consumir arte” não poderia ser mais adequada) é ínfima.
e isso é o lado de cima da pirâmide, que ainda é o menos problemático. Porque o lado de baixo simplesmente segue caminhando no largo da Carioca pra pegar o metrô antes que o movimento aperte.
a verdadeira crise da arte contemporânea não tem a ver com a forma nem com o conteúdo. Na verdade, a crise da arte contemporânea tem muito pouco a ver com a arte, e muito mais a ver com o mundo. A crise da arte contemporânea é o fato de ter se tornado inócua, um brinquedinho colorido gerado pelo capitalismo que distrai alguns, entretém outros, e eventualmente até consegue se tornar uma parte vital da existência de um pequeno punhado de gente. Mas que não move o mundo um milímetro. É uma merda dizer isso, mas os dois nerds que criaram o Google, ou até mesmo o pirralho do Facebook, têm um impacto maior em criar novas idéias e formas de existir (o que deveria ser o objetivo da arte) do que toda a produção artística da década. E do jeito que a tecnologia anda, não existe a menor evidência de que a maré vá mudar.
sempre se disse que o dinheiro é importante pra financiar a arte. E há tempos é moda se dizer que se usa a tecnologia pra criar novas formas de arte. Ambas as afirmações são bobagens. Porque se a arte é o que move o mundo, o dinheiro e a tecnologia são a arte. O que se faz com eles pra chamar de arte, como todo o resto, é só um arroto colorido e cheiroso.

terça-feira, dezembro 15, 2009

das lágrimas na faixa de segurança

caminhar é o que me mantém inteiro
desabo a cada vez que paro, esperando verde
e em cada esquina da nossa senhora fica um pouco de mim

sábado, novembro 28, 2009

cosmética da fome

esses dias voltei de carro do Fundão, ao invés de encarar o tradicional sacolejo do quatro oito cinco lotado. Era um fim de tarde, a gente ia com o ar condicionado ligado e música clássica tocando alto no som. E pela primeira vez depois de mais de um mês de Rio eu consegui reparar na poesia da Linha Vermelha. A solidão dos vendedores de água pisando o asfalto. O insólito parquinho de diversões iluminado na beira da estrada, ao lado do campo de futebol da favela. A solidão do castelinho da Fiocruz ao fundo. E a imensidão de casas de tijolo empilhadas a perder de vista, com o dia caindo e as luzes começando a se acender. Sério, por um momento pareceu lindo. E aí eu acordei do transe quando o carro empacou no engarrafamento.
do outro lado do vidro fechado, qualquer coisa vira poesia. Difícil é achar graça quando se está no palco, ao invés de na cadeira estofada da platéia.

terça-feira, novembro 24, 2009

afundado até o pescoço no conflito de interesse

mas se eu não fizer propaganda dos seres amados, vou fazer de quem? (ainda que tenha chegado meio em cima da hora dessa vez).
É sexta-feira dia 4, às 19h na Livraria Cultura de Porto Alegre (Bourbon Country). Apareçam.

segunda-feira, novembro 23, 2009

da arte como bala perdida

minha sensação ao passear na bienal do mercosul desse ano, como quase sempre, foi parecida com a de quem mora na favela quando o Comando Vermelho resolve brigar com os Amigos dos Amigos. A de ser um bystander confuso em meio a um tiroteio que não tem nada a ver comigo. E olhando em volta, devo dizer que praticamente todos os curiosos no cais do porto pareciam estar na mesma situação. A de ser um espectador assistindo um filme em húngaro, sem legendas.
não devo, não quero e não vou entrar na discussão mais do que gasta de se um monte de galhos queimados cercados por uma cortina preta em um galpão do cais do porto são arte ou não são. Os objetos são o que são. “Arte” é só um conceito que a gente cria pra entendê-los. E qualquer um que se diga artista tem pleno direito de estender o conceito pra onde bem entender.
eu só gostaria que eles pensassem pra quem eles estão falando quando o fazem.
por que, francamente, me parece que a imensa maioria da arte contemporânea, que tanto usa substantivos abstratos bonitos como “interatividade” e “diálogo” nos cartazes ao lado das obras, quase nunca interage e dialoga de fato com o público que vai vê-la. Claro, há inúmeras honrosas e geniais exceções. Mas a grande maior parte do que se vê nesses armazéns de cais do porto pelo mundo afora parece trabalhar com conceitos herméticos que se remetem a outros artistas, aos curadores, e a críticos de arte. Mas quase nunca ao público, que definitivamente não fala a mesma língua dessa gente.
o que é apenas natural. Qualquer campo da atividade humana compartilha paradigmas próprios, e não haveria porque ser diferente nas artes plásticas. Críticos, curadores e artistas estudam nos mesmos lugares, circulam pelos mesmos meios e acabam criando critérios de valor compartilhados, Nada mais normal, assim, do que artistas tentarem agradar aos curadores falando nessa linguagem própria quando submetem projetos a uma bienal. E não haveria nada de errado nisso. Não fosse o fato de quem paga a história toda é o pobre contribuinte que olha com ar perdido pra um diálogo que pra ele geralmente soa como eslovaco ou mandarim.
e me parece que o tão discutido fracasso da arte contemporânea comunicar com o indivíduo médio não é culpa nem da falta de talento dos artistas nem da falta de preparação do público. Analisando de uma perspectiva friamente capitalista, o fracasso é simplesmente esperado. Curadores distribuem grana. Artistas tem que pagar as próprias contas e querem impressionar curadores. Ambos aprenderam a mesma cartilha hermética e tem uma linguagem particular. E o cidadão médio não entra na equação em nenhum momento. Exceto na hora de pagar.
pensando dessa maneira, também parece natural que o tal cidadão comum se sinta no direito de achar aquilo tudo uma merda. Mas o establishment cultural não dá a ele sequer o direito de reclamar, sob a pena de parecer inculto e tosco. Então ele fica quieto, olhando com um ar de incompreensão. E o circo todo segue funcionando da mesma maneira.
a mesma lógica vale pra música clássica, videoarte, dança ou quase qualquer forma de arte que seja sustentada na ausência de mercado. É fácil falar mal da influência da grana na cultura, citando exemplos como blockbusters de Hollywood ou boy bands de plástico. Mas a ausência total de feedback do mercado é capaz de criar aberrações quase tão nefastas. Exceto que no caso destas não é culto e fashion reclamar. E então todos nós ficamos quietinhos enquanto o rei está nu. Mas cá pra nós, de vez em quando um pouquinho de superego mercadológico não faz mal a ninguém.
querem soluções? Por que diabos não se faz a bienal do povo? Da próxima vez, peguemos gente a esmo no centro da cidade (a esquina é democrática, afinal) pra servir de curadores. E mais do que isso, avisemos os artistas que os projetos serão escolhidos pelo público em geral (que afinal de contas é quem paga a brincadeira, porra). Artistas são espertos, ou pelo menos alguns deles são. E eu particularmente duvido que eles não se saiam com algo muito mais divertido do que apresentariam pros curadores. E que certamente precisaria de bem menos discurso enlatado e substantivos abstratos pra justificar.
querem diálogo? Então guardem os dicionários e manuais de instruções. E gritem numa língua que eu consiga escutar.

quinta-feira, novembro 19, 2009

filosofia de bar

considerando-se que (a) estar um pouco bêbado quase sempre é mais agradável do que estar muito bêbado, mas que (b) festas com gente muito bêbada quase sempre são bem mais legais do que festas com gente pouco bêbada, seria (c) embebedar-se um gesto altruísta de responsabilidade social?

quinta-feira, novembro 12, 2009

dentro do mundo, longe de mim

a cidade me encara feito um ogro, quimera dos milhões de olhares passivos que me cercam nas filas do bancos, no chão dos coletivos, atrás das bancas de suco e dos isopores de cerveja, formando a massa indistinta em que flutuam as ilhas nas quais busco superfície. Quarenta e tantos graus ao sol, botecos lotados de noite, a calçada vibra de batuque em batuque em estereótipos eufóricos: mulheres de raças estranhas dançam, machos se esfregam sôfregos e playboys americanos pulam como se pertencessem ao cenário, alheios ao risco ou gozando a intensidade que dele provém. A vida parece urgente e tênue, ônibus atravessados contra os postes, delegacias em frente aos bares, casas afundando no mangue, motoristas se xingando no sinal vermelho com os olhos ardendo de poluição e raiva, repletos da neurose que a cidade vomita junto com o cheiro da baía. Em meio a tudo isso a publicidade impera, saturada de outdoors coloridos, corpos malhados e otimismo imbecil, slogans positivistas, datas futuras e promessas de que qualquer coisa ainda possa mudar. E afundado no caos e da correria, nos curtos tempos ociosos que o trânsito me permite alcançar, eu vou sem sequer perceber consentindo que o mundo cresça, infle, fascine e abra meus olhos ao abandono, à ansiedade e ao desejo, até que ele pese demais sobre os meus ombros e eu me deixe esmagar feito um atlas vencido. Porque nessa terra de volumes máximos não existe silêncio, não existe solidão e por conseqüência não existo eu. Existe apenas cerveja, zumbido, fumaça, petiscos, maresia, gastrite, calor, cabelos brancos e todas essas coisas que de tão grudadas à pele vão me invadindo até devorar todo o espaço. E ainda assim eu sei que é apenas mais um de tantos fins do mundo como a gente conhece, mas dessa vez também é um estranho começo. Outsider de mim mesmo, eu envelheço no Rio de Janeiro, dentro do mundo e longe de mim.

terça-feira, outubro 27, 2009

quem gosta de miséria é intelectual

pobre gosta é de luxo, já dizia Joãosinho Trinta. Talvez isso explique porque o vendedor de balas e bombons embarque no ônibus aqui do Rio anunciando a promoção “Luxo, Qualidade e Confiança”: dois bombons Serenata de Amor a um real, dez balas de menta a um e cinquenta, e outras coisas que não ouvi porque estava anotando o slogan da promoção. E esse tipo de coisa por sua vez talvez explique porque no mesmo Rio haja gente que reclame que já não existem luxo e glamour como antigamente. O povo sequestrou o luxo e o estendeu a absolutamente tudo. Inclusive promoção de bala no ônibus. E se promoção de bala no ônibus pode ser luxo, então tudo pode. O que, pessoalmente, me parece o maior de todos os luxos.

quarta-feira, outubro 21, 2009

comentários sobre as suas frases no perfil do orkut quando o avaliador do seu estágio probatório resolve entrar pra dar uma olhada

tudo brincadeirinha, tio. Só pra ver se tu tava prestando atenção.
e também não deixa de ser uma desculpa pra ver se recupero meus leitores. Desde que alguns aproveitadores e oportunistas diversos roubaram meu filão de mercado e me passaram no ranking do google pra "frases pra botar no perfil do orkut", o movimento desse blog caiu pela metade. Então resolvi escrever isso várias vezes, pra ver se consigo voltar aos tempos de glória. De repente funciona. Não que importe, em todo caso.

a única necessidade é sobreviver

o resto é imposição da mídia.
e por isso vou passar o dia inteiro na cama, só em protesto. Sem fazer nada além de trabalhar o mínimo possível em alguma tarefa fútil e banal que me sustente e não ocupe o meu cérebro de maneira alguma. Nada que perturbe a delicada tarefa de existir, um minuto de cada vez. Nada que seja capaz de quebrar o silêncio com o fel da responsabilidade e da culpa. Existimos apenas, e a coisa alguma se destina. E mesmo os meus escritos serão apenas ejaculações sem esforço, desprovidas de planejamento ou atenção. E se no futuro algum Max Brodt tiver saco de encontrá-las no baú e torná-las apresentáveis apreciarei, mas se ele não aparecer suponho ninguém vá se importar. Eu certamente não vou. Mais do que tudo, cansei da labuta besta de manter uma imagem pros outros: nenhuma das pessoas que eu poderia impressionar com isso realmente vale o esforço de fazê-lo. Minhas vaidades caíram todas por terra, simplesmente porque dava trabalho mantê-las em dia. E com esse exemplo em mente como a melhor das jurisprudências, continuarei a levantar a bandeira da preguiça e a levarei ao colchão mais alto, como justificativa de cada um dos meus atos daqui pra frente. Porque ela é o melhor dos filtros: nada que realmente valha a pena conseguirá me tirar da cama, e isso fará ao natural que tudo que reste na vida sejam cama, cobertores e as coisas realmente do caralho que me façam levantar. E isso será ao mesmo tempo a metafísica de um sistema e a grande verdade do meu poema. Ou apenas mais uma frase pra botar no perfil do Orkut quando você ganha um emprego estável.

segunda-feira, outubro 05, 2009

ainda orangotangos, mas desta vez menorzinhos

só pra dar o toque pra quem ainda não viu (e isso significa vocês, 179 milhões 900 e vários mil brasileiros, ou pelo menos os que tem TV a cabo), o Ainda Orangotangos, filme do caríssimo Gustavo Spolidoro em que eu tive a honra de fazer uma "ponta roteirística" (ou seja lá como se chama falar mal do roteiro), passa na quarta-feira dia 7 de outubro às 22 horas no Canal Brasil. Apareçam por lá.

sábado, setembro 26, 2009

chega de vaidade

enchi o saco da ditadura do bom gosto. Da tentativa desesperada de todo mundo à minha volta de tentar construir uma identidade pra si através do que ouve, lê, diz ou faz. Chega de gente com noções apropriadas do que é cool e fashion. Cansei de roqueiros com capas de disco retrô e guitarras toscas copiando os Strokes. De fãs do Arctic Monkeys em 2006, do LCD Soundsystem em 2007, do MGMT em 2008 e de seja lá que porra é legal agora. Cansei de leitores ávidos do Roberto Bolaño, de qualquer gente metida a entendido em literatura russa. De gente que migrou do Second Life pro Twitter e do Orkut pro Facebook. De gente fazendo trabalho voluntário em países de terceiro mundo, de militantes ecológicos e de vegetarianos. De torcidas que cantam em espanhol . De gente que consome clipes bregas no youtube, reality shows da Record e funk carioca pra tirar onda de irônico. Cansei do Lonely Planet, cansei de mochila, cansei de ouvir falar em turismo ecológico e em respeitar costumes e se integrar na comunidade local. Quero é ouvir José José cantarolando alto sem deboche como o motorista do ônibus. Quero assistir jogo da seleção em boteco de Copacabana com o Galvão narrando no último volume. Quero entrar num navio de cruzeiro cheio de gente gorda que zarpe de Mobile, A-la-ba-ma (como dizia a mãe do Forrest), e pisotear ruínas maias em solo mexicano com uma capa de chuva extra large cobrindo a barriga. Pra mim, chega de vaidade. Vou me embora pra Cancún. E sem a menor ironia. OK, talvez com um pouquinho.

domingo, setembro 20, 2009

cada qual com a nostalgia que lhe toca

adoro fuçar em ruínas maias. Não que tenha qualquer interesse particular pelos maias. Mas tenho horrores de interesse pelo Indiana Jones.

segunda-feira, setembro 14, 2009

sincretismos (i)

San Cristóbal de las Casas exala sincretismo por todos os poros. Na frente da igreja, jovens bichos-grilos estilo acampamento do fórum social mundial vendem documentários produzidos em Hollywood em DVDs pirateados, dizendo que usam o dinheiro pra sustentar brigadas de alfabetização em povoados pobres de Chiapas. Cafés zapatista-chic dirigidos por europeus servem café orgânico pra seus clientes ficarem acordados enquanto surfam na internet sem fio em seus laptops, cercados por retratos do subcomandante Marcos e lojas de artesanato de indígenas simpatizantes. Bares com nomes tipo “Revolution Café” com bandeiras de Cuba nas paredes expõe menus nitidamente inspirados no McDonald’s em suas portas, anunciando pratos como a “Baguete Viva Villa” e outros. E assim por diante.
mas em termos de sincretismo pós-moderno, nada, absolutamente nada, pode superar o momento em que se entra na igreja central de San Juan Chamula. Sentados no chão sobre ramos de pinheiro, índios Tzotzil cantam rezas estranhas em um dialeto maia, enquanto curandeiros passam galinhas pretas sobre os corpos dos doentes. Milhares de velas acesas e uma melodia melancólica e repetitiva tocada por músicos vestidos com um traje de lã preta lembrando um disfarce de urubu dão um ar surreal à cena. Santos católicos vestidos com roupas vagamente carnavalescas adornam as paredes, com São João Batista acima de Jesus Cristo no altar. E, como não poderia deixar de ser, tudo é regado a centenas de garrafas de Coca-Cola, Pepsi e Fanta Laranja espalhadas por todos os lados. Supostamente pra ajudarem os fiéis a arrotarem os maus espíritos. Não, eu também não teria acreditado se não estivesse lá.
amo muito tudo isso.

sexta-feira, setembro 11, 2009

hecho en hollywood

minha última viagem de ônibus no México durou quatro horas. Suficiente pra dois filmes dublados de Hollywood, provavelmente em DVDs piratas comprados a cinco pesos. O primeiro é uma clássica (e péssima) comédia romântico-dramática de sonho americano, em que um imigrante mexicano viaja pra LA e começa vendendo tacos pra no fim das contas formar uma banda de boleros e ficar famoso. O filme começa com uma narração em off que diz algo como “nascí en un pueblo en una tierra em que la gente por veces no sabe se está despierta o soñando”, com umas casas coloridas e um pessoal tocando música. Me lembra vagamente o que eu vi no pavilhão do México no Epcot Center quando era pequeno.
o filme seguinte parece mais chique, ainda que com muito menos pé e/ou cabeça. Tem o Nicolas Cage e o Harvey Keitel no elenco, e trata de um bando de arqueólogos que desvendam uma teoria da conspiração que gira em torno do assassinato de Abraham Lincoln, pra no fim das contas descobrir um uma cidade Olmeca cheia de ouro, ou algo assim, esquizofrenicamente perdida embaixo do monte Rushmore (afinal, o México não poderia ter nada que os Estados Unidos não sejam capaz de ter).
antes dos filmes, a TV desse ônibus (e de todos os outros) também passa um vídeo turístico mostrando standards mexicanos como Teotihuacán, Cancún, tacos com queijo e Acapulco, que acaba com um slogan tipicamente melodramático que diz “así que digalo a todos: “Vive, México!””, com uma voz tipo a do Cid Moreira narrando o evangelho.
eu, meio desinteressado dos filmes todos, vou espiando eles de cinco em cinco minutos (mais do que suficiente pra complexidade dos mesmos) enquanto escuto no iPod um troço chamado “March of the Zapotec”, do Beirut (um pirralho novaiorquino fissurado em música da Europa Oriental), que nesse EP em particular parece tentar soar meio mexicano, sem muito sucesso (pra mim, continua emanando diretamente da Bósnia, mesmo que eu nunca tenha estado lá).
e o que os elementos acima tem em comum? Bem, (a) todos eles falam do México. (b) Todos eles são feitos no exterior (com a exceção do filminho turístico, que é pra gringo ver de qualquer maneira). E (c) todos parecem evocar um lugar que sinceramente tem muito pouco a ver com o que se vê da janela. Que consiste basicamente, pelo menos nesse trajeto entre Puebla e Oaxaca, em montes de montanhas áridas com umas casinhas meio pobres e bares de beira de estrada no meio do caminho.
minha pergunta é: será que essa gente realmente acredita na sua própria imagem do jeito que lhe é vendida pelos outros?
não tenho certeza, mas não duvido que às vezes sim. Afinal, deve ser meio difícil manter uma autoimagem com uma superpotência olhando pra ti do outro lado da cerca como um grande mercado a ser conquistado. E sabendo que a maneira mais fácil de fazê-lo é determinar o que as pessoas devem querer e, por tabela, devem ser. E então dá-lhe exportar o estereótipo latino pra própria América latina através de ídolos processados em Miami tipo Ricky Martin ou Alejandro Sanz. Pra não falar em transmissões diárias do “Latin American Idol” na TV y otras cositas del género.
e como o México também tem que ser vendido pros americanos, afinal, também dá-lhe guias turísticos alardeando civilizações pré-colombianas, pirâmides a serem pisoteadas por turistas, praias paradisíacas, locas noches de amor, camisetas dizendo “one tequila, two tequila, three tequila, floor”. Ou, pros mais aculturados, socialmente culpados, ou simplesmente descolados carregando seus Lonely Planets, românticas e sofridas comunidades indígenas maias em Chiapas ou artesãos dedicados em vilas zapotecas.
e estará algum desses estereótipos certos? Suponho que sim. Na verdade acho que se uma conspiração coletiva quer determinar que um lugar existe, certamente ele acaba existindo. Com certeza é a impressão que eu e qualquer outro de fora acabamos tendo: o mundo lá fora de fato se parece com o guia turístico, pelo menos na maior parte das vezes. Mas se era aquilo que fomos condicionados a ver (e todo mundo parece estar aqui para ver as mesmas coisas, pois as rotas de viagem são sempre as que estão no guia), como raios poderia ser diferente?
mas ao longo do caminho eu vejo os rostos da gente ao meu redor, e tenho a impressão de que eles olham tudo isso apenas como mais um filme babaca de Hollywood. Que assistem passivamente, talvez não se reconhecendo de verdade. E provavelmente não dando a mínima pra essa coisa de herança asteca, calendário maia, e talvez muito menos com o exército nacional zapatista a mil quilômetros de distância. Que vivem a mesma vida pacata e alheia ao que diz o lonely planet, tão desprovida de pitoresquice quanto qualquer cidadezinha do nordeste do Brasil. E acompanha, a seleção nacional nas eliminatórias da copa, as novelas na televisão, a luta livre na sexta de noite e os palhaços fazendo shows na praças em tardes de domingo. Geralmente com um sorriso no rosto, e com uma simplicidade desprovida de ironia, intelectualidade blasé ou malícia que frequentemente me espanta.
moral da história? Ainda é cedo pra dizer. Mas se alguém quiser conhecer a essência do México, fica a minha dica provisória. Esqueçam ensaios de Octavio Paz. Esqueçam o calendário maia. Esqueçam o guia turístico. Simplesmente cheguem mais cedo em casa, liguem no SBT, e torçam pra que ainda passe o seriado do Chaves (o original, com “s”, não o paspalho de boina vermelha que assumiu o nome no inconsciente coletivo). E se quiserem realmente ir fundo, dêem seguimento à imersão assistindo Marisol, Chispita (ai minha anacronice...) ou seja lá que novela mexicana a Record possa estar passando.
e o mais importante de tudo, esqueçam definitivamente idéias idiotas como vir até aqui. O Chaves é muito mais México do que qualquer coisa que esse lugar possa oferecer.

quinta-feira, setembro 03, 2009

backwards is the new forward

depois de uns seis meses de resistência, finalmente acabei entrando no twitter. Na verdade não entrei, fui cadastrado quase à força por outrem depois de algumas cervejas. Mas enfim, dá na mesma.
em todo caso (e ainda que talvez tenha pego a onda já na fase de virar espuma), confesso que até simpatizei. Fundamentalmente pela exigência de brevidade. Não sou nenhum acadêmico da área, mas me parece que o twitter é o primeiro grande hit da era da informática que se define por uma negativa. Ele não se baseia em nenhum avanço tecnológico, senão no absoluto retrocesso: não dá pra fazer nada nele, exceto escrever os tais 140 caracteres. E eu confesso que aceito o paradoxo com alívio.
porque deve ser algo sintomático que, como história midiática do momento, a ascensão do twitter suceda a decadência do second life, uma rede social em que se podia andar, vestir-se, falar, trabalhar, ganhar dinheiro, ir no cinema, construir casas, trepar com prostitutas e deus sabe o que mais (eu não sei, porque no meu laptop antigo o troço sempre dava pau). E isso talvez seja o primeiro indício que pelo menos a geração mais adulta já não dá conta da oferta de opções e informação. E dá boas vindas às restrições pela porta da frente, porque a única maneira de ir em frente é resumir.
e não me surpreenderia em nada se o próximo hit da internet fosse um flickr de uma foto só, ou algo do gênero (aliás, só não é, porque isso já existe: é a foto que se põe no msn). Afinal, um monte de gente tem saco pra botar um álbum de fotos inteiros no orkut ou no facebook, mas ninguém tem mais tempo ou paciência pra olhar mais que isso. O paradoxo de Kalakow reina supremo.
claro, a julgar pelo número de gente seguindo centenas de pessoas no twitter, eu posso muito possivelmente estar errado, porque por puro efeito de massa ele também acaba se tornando um excesso de informação inapreensível, algo como um zapping anencéfalo por centenas de canais que não te interessam na TV a cabo. Mas pelo menos o proof of principle de que menos tecnologia de vez em quando pode ser uma grande idéia está dado. E se a moda de que “não precisamos de mais” pegar, talvez isso abra alguma avenida interessante pro mundo. Ainda acho que a gente anda muito longe do dia em que todo mundo que hoje olha pra frente vá começar a olhar pros lados. Mas talvez o twitter seja um passinho pra frente. Digo, pra trás.

sábado, agosto 22, 2009

parem a espécie que eu quero descer

coisas como essa me fazem querer devolver minha carteirinha de homo sapiens. Seja lá de que espécie for essa gent..., digo, população animal, não deve ser a minha.

terça-feira, agosto 18, 2009

perro en el columpio

antes tarde e sem legendas do que nunca, taí um dos meus filhos favoritos (de paternidade dividida com o Rabin e outros amigos), filmado num sábado de sol em Barcelona, e depois premiado do outro lado do planeta e rodado pelo mundo afora. Pra mim ao menos, continua tão lindo quanto no primeiro dia.

e todos juntos somos nós uma pessoa só

cem mil amebas viram um só organismo em tempos de fome, pra poderem ir pescar pessoas em algum outro mar.