
sábado, dezembro 18, 2010
porto alegre, fim de uma década

domingo, novembro 28, 2010
a vida nos tempos da guerra (versão zona sul)

pois é, hoje foi assim.
essas cidades são todas umas putas.
particularmente por darem o seu amor a tão poucos.
segunda-feira, novembro 22, 2010
pessoanices gratuitas (i)
o dia em que decidiram que a coerência era uma virtude e a preguiça era um pecado foi o dia em que a humanidade rompeu relações comigo.
quinta-feira, novembro 11, 2010
coisas pra se pensar em instantes de asfixia (lviii)
nunca levei fé nessa história de tantos por cento de inspiração e tantos por cento de transpiração. Pra mim, escrever foi sempre cem por cento de respiração. Simples assim.
segunda-feira, novembro 01, 2010
da série "o que seria da minha confiança básica no mundo se não fosse hollywood?" (ii/iii)

breve homenagem a um cachorro morto

- Tiririca, “pior que tá não fica”: 1,3 milhões de votos.
- Abstenções no 2º turno: 29,19 milhões.
- Votos nulos: 4,69 milhões (e a apuração não terminou).
- Capitão Nascimento socando o secretário de segurança pública: 6 milhões de espectadores (e nem perto de parar por aí).
nessas horas, ver o país eleger um presidente sem sobressalto, contando os votos em um punhado de horas, com todo mundo assistindo o discurso de posse na TV como se fosse banal não tem preço.
e confesso que ao contrário de quase todo mundo ao meu redor, eu já andava torcendo pra Dilma e pro Serra cada vez que eles apareciam no debate. Mesmo não acreditando de verdade no que nenhum dos dois dizia. Simplesmente porque, em tempos de catarse coletiva em dizer que tá tudo uma merda e não tem como piorar (frequentemente vindo de gente que não tá nem minimamente próximo da merda), ver neguinho indo votar com adesivo no peito, por convicção, sem fanatismo nem ingenuidade, me inspira um certo respeito. Ver gente fazendo campanha ao invés de falando mal do mundo no twitter começou a me inspirar um certo respeito. E ver gente em cima de palanque dando a cara pra bater, ao invés de ser mais um cara sentado na mesa do bar se queixando de que a sociedade tá toda podre, como se a cerveja e o bolinho de bacalhau se materializassem ali por mérito exclusivo dele, no fundo também me inspira respeito. Mesmo que uma parte bastante grande dele não seja nem um pouco merecido.
e até eu, que normalmente não acredito em porra nenhuma, nesses dias tranquilos em que se assiste o discurso de posse na internet enquanto se pede uma pizza no telefone tenho a impressão extremamente pragmática de que alguma coisa não vai tão mal. Chutem os cachorros à vontade, mas aqui não é a Bolívia, nem a Etiópia, nem o Afeganistão. Também não é nenhuma Brastemp. Mas sei lá, se baixar a cabeça e botar pra funcionar, alguma coisa anda. E algum mérito nisso o tal do sistema deve ter. Por mais errado que esteja. E ao olhar o rosto igualmente pragmático e sem carisma que encarna pela primeira vez o posto de representante de tudo isso na TV, a minha maior esperança é que ele também intua isso. A julgar pelos primeiros vinte minutos, pelo menos, ainda dá pra esperar que sim, quem sabe.
enfim, boa sorte.
quinta-feira, outubro 21, 2010
sexta-feira, outubro 01, 2010
breviário da implosão

mas o que importa na história não é a implosão (novamente, simples e previsível). O que fascina é a lenta, gradual e inexorável separação da parte funcionante do hospital da parte condenada. Que há semanas vem sendo executada a martelada, andar por andar, num ritmo agonizantemente lento por homenzinhos de laranja. E que pelas minhas contas ainda deve demorar uns dois meses de trabalho. Ou algo assim. Porque implodir um troço morto é a coisa mais fácil do mundo. Mas separar a parte morta da viva, pra que a parte viva não desabe junto com a outra, é uma sequência repetitiva e interminável de marteladas no concreto. Uma a uma. Do décimo quarto andar até o rés-do-chão.
não sei se sou eu que ando propenso a enxergar metáforas. Mas sei lá, ainda não me acostumei a chegar no trabalho e olhar praquele buraco. Ao contrário de todo o povo que passa, eu não ando imune aos abalos. Pain is in the eye of the beholder.
terça-feira, setembro 21, 2010
das vantagens de se andar com lágrimas nos olhos de vez em quando (i)
sexta-feira, setembro 17, 2010
a propósito do post imediatamente abaixo (ii)
a ilustração, por essas coincidências da vida, é do manuscrito de 1984, do Orwell, clássico-mor sobre como reescrever a história. O ministério da verdade não me deixa mentir.
quarta-feira, setembro 15, 2010
nossas últimas versões

então vocês começarão com versões tão diferentes da história que rirão à beça quando ganharem coragem pra trocá-las pela primeira vez. E descobrirem que apesar de terem estado nas mesmas cenas, ou mesmo juntos no centro do palco, vocês até então tinham feito parte de peças distintas, casualmente encenadas no mesmo teatro. Que tinham sido coadjuvantes involuntários de um texto que nem sequer tinham lido. E depois de rirem e beberem mais vinho e fecharem a janela pros vizinhos não verem o que vocês farão depois, vocês acordarão no outro dia dispostos a não deixarem mais suas versões divergirem. E passarão a se telefonar todos os finais de tarde dispostos a contarem e ouvirem como foram seus dias, e ao se encontrarem num bar qualquer revisarão suas versões, trocarão críticas, se frustrarão com as discrepâncias. Mas estarão sempre prontos pra puxar o lápis e rabiscar anotações, correções, maneiras de deixar as histórias mais compatíveis. E em algum momento, pra garantir que o espetáculo não saia do rumo, vocês talvez cheguem a unificar o cenário, contratem um cenógrafo ou um arquiteto e debatam longamente na loja de móveis pra ter certeza de que aquele abajur realmente combina com o enredo, que a essa altura vocês já têm a certeza de que é de fato o mesmo. E de tão certos de transitarem na mesma peça, tão convencidos de terem se tornado os personagens que representam, talvez vocês comecem então a deixar os ensaios de lado, seguros que serão capazes de improvisar, de se adaptar aos deslizes e aos esquecimentos um do outro, às falas empacadas na ponta da língua. Até o dia em que uma entrada ou saída de cena inesperada de um se atravesse na frente da história do outro, interrompendo bruscamente o fluxo da narrativa e fazendo vocês pararem a encenação pra revisar as anotações, descobrir exatamente quem errou a deixa. E cometerem o erro de tirar os scripts do bolso, apenas pra se darem conta de que os textos que vocês interpretam não são mais os mesmos. Sim, haverá pontos em comum, um mesmo cenário e uma mesma época. Mas as discrepâncias entre os acontecimentos serão óbvias, uma conversa romântica numa praia deserta transformada em um momento entediado numa estação de trem, os protagonistas de uma das histórias reduzidos a coadjuvantes da outra. E sem saber o que fazer com personagens tão distintos num cenário em comum vocês retrocederão para trás das cortinas sob aplausos tímidos, e sairão do teatro cada qual para o seu lado. Em camarins separados, trabalharão febrilmente em reescrever suas histórias, já não pra fazer delas a mesma, mas simplesmente pra fazer sentido, encontrar um fio narrativo pras falas desconexas e personagens desencontrados. E apelando pra suas soluções dramáticas preferidas, sem se preocupar demais com os fatos, vocês se converterão uma vez mais em ficcionistas onipotentes. Começando a gostar das suas novas versões, vocês as relerão antes de dormir e as carregarão no dia seguinte, tirando-as do bolso pra folhear no metrô e mostrar pros amigos. E começarão a interpretar seus novos personagens ao natural, antes mesmo de terem muita idéia da continuação do enredo. Até o dia em que vocês se encontrarão em alguma esquina movimentada, e sem que nenhum dos dois tenha nada de urgente pra fazer entrarão num café pra falarem do que andam fazendo. Então tirarão os textos do bolso, lembra aquela história que a gente tinha tentado escrever?, e mostrarão um ao outro suas últimas versões. E lendo aquilo, incrédulos, saberão que já não há nada mais de uma história em outra, que as falas estão todas trocadas, que os personagens que um dia foram seus já são outros nos quais vocês sequer se reconhecem mais. Sem querer aceitar, vocês ainda tentarão trocar reclamações banais, acusações baratas, cobranças de protagonismo. Mas a revolta será inútil, pois tão logo vocês virarem as costas mesmo essas reclamações já terão sido reescritas. Então o café termina, e sem saber o que fazer vocês se despedem rápidos e desajeitados. E caminham pra casa, abismados com a constatação de que a história que vocês carregam no bolso é o último exemplar de sua espécie. De que já não há coautores, atores ou espectadores. E de que ela sobreviverá apenas até o momento em que por cansaço ou alzheimer vocês resolvam esquecê-la. Já em casa vocês pegarão o texto, brincarão com as páginas olhando distraídos pra sacada, pra lata de lixo, pra lareira acesa. E saberão que o desaparecimento daquela versão depende apenas da vontade de começar um texto novo. A caixa de fósforos está sobre a mesa. Dou-lhe uma, dou-lhe duas.
domingo, setembro 05, 2010
breviário
domingo, agosto 22, 2010
terça-feira, agosto 17, 2010
quem ama castra

segunda-feira, agosto 16, 2010
dois dias de inverno e uma morte gentil
o primeiro dia de inverno em um ano de rio de janeiro combina comigo. Combina com o meu jeito quieto, com os meus cabelos grisalhos, com a imobilidade do apartamento vazio. E me ajuda a conviver com uma morte lenta, quase que gentil, oferecida a mim entre sorrisos e bichos de pelúcia. E eu me dou conta que devagar vou entrando em acordo com ela, não por concordância senão por impotência em fazer algo que não seja acompanhar o fluxo do mundo. E como que em retribuição o mundo é gentil o suficiente pra acompanhar o meu luto, acinzentando o céu e derrubando os termômetros. E fazendo com que a dor vá devagar deixando de ser o peso reprimido no caminhar rápido sobre a barata ribeiro, na lágrima que escapa no banco do 485 preso no trânsito da linha vermelha. E passe a ser uma melancolia que extravasa a mim mesmo e escorre das minhas caixas de mudança abertas. Um frio discreto que invade a baía da guanabara, semeando araucárias na floresta da tijuca, pintando o calçadão da urca com flores de ipê, botando a faixa e o laço nas mãos daquele tio que fica em cima do morro. E enquanto a rua se esvazia e o mundo encolhe, começo a sentir novamente que ele possa fazer sentido, e me sinto esquisitamente feliz. Porque sinto que o frio de fora começa a substituir o de dentro, que novamente o que eu carrego em mim é o que pode me esquentar. Que se eu pegar um cobertor e um capuz eu possa quem sabe me proteger, já que o desconforto volta a viver do outro lado da epiderme. E assim abraçar dentro do casaco o que ainda me resta, manter apertado entre os braços, e com meu pequeno punhado de pedaços deitar na rede da sacada, olhar pra fora, ver o mundo. E reaprender a ficar imóvel, sabendo que agora é a vez dele se movimentar no meu lugar.
sábado, agosto 14, 2010
terça-feira, julho 20, 2010
filosofia zen feita em casa (xviii) - sobre a inevitabilidade da incoerência
domingo, julho 11, 2010
do lento aprendizado das tortinhas de palmito congeladas

uma só é pequena pra dois
mas abrindo duas vai sempre sobrar
pra guardar pra alguém que chegue
ou convidar um a mais pra jantar
mas embora pareça certo
a partilha nunca é precisa
as facas são cegas, as divisões toscas
e alguém sempre acaba com fome
então quem sabe melhor
comer três quartos sozinho
guardar o resto no congelador
e esperar que acumule, caso não
chegue ninguém inesperado
nenhuma fome imprevista
e sem saber do futuro
ir juntando os pedaços
aos poucos
sábado, julho 10, 2010
sobre a sanidade escoando pelo ralo
quinta-feira, julho 01, 2010
quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas (mcxviii)

by the way, a resposta é "sim, vai mesmo." Mas e daí?
quarta-feira, junho 23, 2010
das verdades mais imbecis que já se conseguiu botar na boca de um público com doutorado completo

domingo, junho 20, 2010
quase solstício de inverno
domingo, maio 30, 2010
novas roupas coloridas

terça-feira, maio 25, 2010
i'm not there

quinta-feira, maio 13, 2010
regras pra justificar uma exceção
sempre desconfiei do conceito de “music video”. Tanto no que diz respeito a videoclipes (ai que palavra mais século passado...) como a DVDs de shows ou a imagens randômicas pra acompanhar música nas mais variadas mídias. Pura e simplesmente, nada contra a idéia em si. Mas nunca me pareceu algo que olhar alguém tocando um instrumento numa tela adicionasse suficientemente à música pra que justificasse o marketing em volta.
e no fundo, no fundo, esse troço de botar imagens em música sempre me pareceu simplesmente empacotá-la pra tornar algo vendável. Primeiro passando videoclipes na TV, que naturalmente é um veículo de publicidade muito melhor do que o pobre rádio. Depois com o ridículo advento dos “DVDs de shows” (e DVDs em geral) que alguém empurrou goela do público abaixo como algo a ser comprado (alguém lembra de alguma vez ter comprado uma fita de videocassete? Pois como diabos convenceram a geral que a mesma coisa numa mídia diferente era algo pra comprar?). E sem vender nada, mas ainda por força do mercado, hoje em dia se abate sobre o mundo uma terceira onda de vídeo forçosamente acoplado à música. Meramente porque por razões obscuras, compartilhar vídeo em streaming tornou-se fácil e universal enquanto fazer isso com áudio nunca chegou a ficar tão simples assim. Fazendo com que hoje em dia o jeito padrão de mostrar uma música pra alguém online seja mandar um link do Youtube. O que seria ótimo, não fosse o fato de que 95% dos vídeos feitos por pessoas bem intencionadas que devidem compartilhar suas músicas são sequências toscas de imagens piegas que eu jamais teria coragem de enviar pra ninguém.
enfim, só pra dizer que o excesso de imagens que não acrescentam nada às vezes cansa. Mas só pra dizer também que sempre tem uma exceção. Essa em particular transtornou meu dia por várias horas no início da semana depois que algum obcecado jogou no meu twitter. E o pior de tudo é que fica bem melhor em alta definição. Chamem-me de vendido. Mas sei lá, devem ser as mãos.
e no fundo, no fundo, esse troço de botar imagens em música sempre me pareceu simplesmente empacotá-la pra tornar algo vendável. Primeiro passando videoclipes na TV, que naturalmente é um veículo de publicidade muito melhor do que o pobre rádio. Depois com o ridículo advento dos “DVDs de shows” (e DVDs em geral) que alguém empurrou goela do público abaixo como algo a ser comprado (alguém lembra de alguma vez ter comprado uma fita de videocassete? Pois como diabos convenceram a geral que a mesma coisa numa mídia diferente era algo pra comprar?). E sem vender nada, mas ainda por força do mercado, hoje em dia se abate sobre o mundo uma terceira onda de vídeo forçosamente acoplado à música. Meramente porque por razões obscuras, compartilhar vídeo em streaming tornou-se fácil e universal enquanto fazer isso com áudio nunca chegou a ficar tão simples assim. Fazendo com que hoje em dia o jeito padrão de mostrar uma música pra alguém online seja mandar um link do Youtube. O que seria ótimo, não fosse o fato de que 95% dos vídeos feitos por pessoas bem intencionadas que devidem compartilhar suas músicas são sequências toscas de imagens piegas que eu jamais teria coragem de enviar pra ninguém.
enfim, só pra dizer que o excesso de imagens que não acrescentam nada às vezes cansa. Mas só pra dizer também que sempre tem uma exceção. Essa em particular transtornou meu dia por várias horas no início da semana depois que algum obcecado jogou no meu twitter. E o pior de tudo é que fica bem melhor em alta definição. Chamem-me de vendido. Mas sei lá, devem ser as mãos.
segunda-feira, maio 03, 2010
domingo, abril 18, 2010
me autodivulgando a mim mesmo de novo

- dia 21 de abril (quarta) às 20h, estarei no lançamento da coletânea O Melhor da Festa - volume 2, com textos do pessoal que participou da edição 2009 do evento. Sim, tem um troço meu lá no meio, como seria de se esperar. E a companhia em volta é deveras honrosa. Vai ser no Boteco do Pé (João Alfredo, 571), e além dos autógrafos deve rolar alguma espécie de agito cultural depois.
- dia 25 de abril (domingo) às 14h, estou num debate com Flávio Wild e Cássio Pantaleoni sobre "Conto, imagem e construção do invisível". Rola na Palavraria (Vasco da Gama, 165), ali pertinho de casa.
o resto da programação do evento tá no site, pros interessados. Apareçam. É tudo de graça, (ok, minto, o livro deve custar alguma coisa). E eu tenho várias saudades pra matar.
sexta-feira, abril 16, 2010
quinta-feira, abril 08, 2010
ressaca do apocalipse

sábado, março 27, 2010
segunda-feira, março 22, 2010
porque afinal não há nada de errado em foder com o pau dos amigos de vez em quando

incidentalmente, os caras acabam de lançar um disco chamado “Quase Certeza Absoluta”. Aparentemente tá nas melhores lojas de discos, pelo menos em Porto Alegre (pra quem tem menos de vinte anos, “loja de discos” é um lugar em que a gente costumava ir de vez em quando há muito tempo atrás). Pros que moram longe, dá pra comprar aqui. Ou então esperar que não demore pra cair no soulseek. Ave.
sábado, março 20, 2010
atrator estranho

hoje em dia eu continuo nunca tendo escrito um romance. Mas essa promessa parece cada vez mais furada. Primeiro porque eu já não sou tão jovem pra usá-la. Segundo porque já duvido de que um romance dependa de idéias estáveis sobre qualquer coisa, até porque elas não existem – minha impressão é que tudo o que dá pra fazer é se imbuir da verdade de um poema, de uma máscara sincera que se possa vestir de vez em quando. E terceiro porque a idéia de que a vida viria a ficar mais estável tem se revelado a mais estúpida de todas elas. Pelo menos até agora.
porque se é verdade que as descobertas e idéias e estados de espírito realmente novos vão rareando, por outro lado a idade vem me fazendo acumular um número de máscaras grande o suficiente pra me pulverizar por completo. E nesses tempos de dispersão geográfica e emocional, cada vez mais a vida parece ciclar incrivelmente rápido por atratores estranhos e desconexos. Todos eles urgentes e palpáveis, todos eles eu. Todos máscaras sinceras e vitais pra se conseguir dizer qualquer coisa. E no tempo presente eu sou capaz de me reconhecer em todos, e tudo parece muito natural. Com a exceção dos vinte segundos de estranhamento ao acordar em uma cama cujo atrator não tem nada a ver com o do sonho.
e pensando por esse lado deveria ser a fase mais eloquente da minha vida: afinal, se não existe poesia que não nasça do espanto, não há nada como o deslocamento do olhar pra poder espantar-se. Mas cada máscara e cada olhar novo tem me durado no rosto por tão pouco tempo que eu não consigo sequer sentar na frente do computador pra escrever qualquer coisa. Antes que qualquer palavra sedimente, alguém gira o caleidoscópio e a imagem já é outra.
é desses atratores estranhos da vida que vem a palavra, granted. Mas também é deles que vem o silêncio. Por ora, tenho andado com o segundo. Por respeito a ambos, e por pura incapacidade de fazer diferente.
segunda-feira, março 01, 2010
do manual de técnicas básicas de vendas para empresários da indústria fonográfica (xiv)

o plano é simples:
(a) convença a banda que você empresaria a fazer shows
(b) cobre bem caro pelo ingresso
(c) permita a entrada de câmeras digitais
(d) deixe a presa entrar, fotografar e filmar. E depois colocar as fotos e vídeos do show no seu orkut, facebook ou youtube, ao gosto do freguês.
pronto,você acaba de fazer com que um bem universal se transforme mais uma vez numa exclusividade para poucos. E, melhor ainda, uma exclusividade passível de exibição para os que não a possuem. O que, no fundo, sempre foi a essência dos melhores bens de consumo.
agora sente em sua poltrona e aproveite seu martini. Quem está ligando pra música, afinal?
quinta-feira, fevereiro 18, 2010
quinta-feira de cinzas
terça-feira, fevereiro 16, 2010
sábado, fevereiro 13, 2010
insônia branca, manhã de carnaval
quarta-feira, janeiro 27, 2010
consideração a ser feita antes que eu comece a reclamar demais da vida
um emprego de adjunto na universidade pública por 35 anos equivale a mais ou menos 3,4 MacArthur awards. Sem contar a aposentadoria. Pra um pouco menos de liberdade e uma que outra aula pra dar de vez em quando, talvez eu tenha que admitir que não é de todo mau.
a premonição é um prato que se come frio

domingo, janeiro 10, 2010
sábado, janeiro 09, 2010
quarta-feira, janeiro 06, 2010
circo armado

quando começamos a brigar o circo já está todo armado, o público sentado esperando o espetáculo: crianças em roupas de festa, pais com cara de pouca paciência, pipoqueiros e vendedores de algodão doce disputando espaço entre as filas. E nem sei dizer de quem parte a primeira acusação, estamos os dois prestes a entrar em cena, uniformes postos, e aí começam as farpas, quem é tu pra me dizer isso, caralho?, e em resposta eu chuto as grades da jaula e digo então entra, vai!, ouvindo a vibração do metal abafar os rugidos dos leões. Mas já é tarde, a música toca forte nos alto-falantes, as portas do camarim se abrem e os membros da trupe vão saindo um a um, bailarinas rodando varinhas e palhaços correndo em coreografias destrambelhadas. E ao ouvirmos as risadas das crianças e sentirmos os empurrões atrás de nós sabemos que não temos opção senão adentrar o picadeiro, mesmo que estejas mais preocupada no momento em esmurrar minha cabeça com um fagote roubado dos meninos da banda. Então nos colocamos em fila junto aos acrobatas e agradecemos a ovação do público, enquanto eu roubo as bolas dos malabaristas e as arremesso contra o teu peito, te obrigando a buscar refúgio atrás dos halterofilistas musculosos. O palco roda à nossa volta e nos perseguimos com furor, mas nada disso parece perturbar o número dos palhaços, que correm dos esguichos de água e esbarram em nós, me jogando contra o globo da morte em que aceleras com a motocicleta apontada na minha direção. Pra minha sorte, no entanto, o mágico encapuzado e sua assistente logo aparecem pra te levar como voluntária, e eu me coloco em pé sobre os pôneis pra assistir enquanto te debates amarrada na mesa e me lanças olhares furiosos. Mas ao ver a serra se aproximar do teu corpo minha euforia vai se transformando em ansiedade, tuas pernas se separam do tronco e batem desesperadas até pararem, e conhecer o truque não me impede de me aproximar correndo, tropeçando entre os obstáculos dos cachorros amestrados, até sentir uma dor aguda no peito quando surges do fundo falso e me acertas em cheio com a barra do trapézio. E enquanto o mágico colhe os aplausos eu sou levantado do chão e balanço cada vez mais alto, tu te equilibras com graça no trapézio ao lado e nos gritamos insultos inflamados que ouvimos só no breve momento em que nos cruzamos, “...lho da put...” e já subimos novamente, “...isso de novo eu te mat...” e mais uma volta, a platéia um borrão de rostos sorridentes embaixo de nós. Até que eu não aguento a raiva e me arremesso contra ti, derrubando-nos sobre a rede de segurança pela qual rolamos até o monte de alfafa, sob o olhar apático dos elefantes. E enquanto te levantas entre as trombas eu apanho o chicote e o estalo histérico contra o chão, fazendo a manada dispersar e chamando a atenção dos assistentes do domador, que em seus maiôs cheios de penachos aparecem pra me conduzir sob intensos aplausos para a jaula dos leões. “Mas eu sou contorcionista”, grito histérico sem que ninguém ouça, cada vez mais perto do cadafalso enquanto acenas para os felinos com um bife e apontas pra minha cabeça. E ao ouvir a porta fechar atrás de mim te vejo do outro lado das grades e avanço na tua direção sem dar importância a jubas e dentes, chicoteando o chão em todas as direções num bailado espantoso, que faz os animais dispersarem e subirem pelas paredes enquanto eu comprimo o corpo contra as barras de ferro pra me aproximar de ti, nós dois separados pelo metal e ainda assim conseguindo nos tocar nos excessos de gordura das coxas e barrigas salientes. E já quase vou me esquecendo da razão da briga quando de súbito a respiração úmida no meu pescoço se converte em rugido e depois em pânico, pra em seguida ser substituída pelo calor do jato do engolidor de fogo, que passando rente ao meu corpo afasta os leões e permite aos acrobatas entrarem na jaula pra me resgatar. E enquanto eles pulam e me arremessam de um lado a outro como se eu fosse mais uma peça de seus malabares eu rodo pelo picadeiro, e tonto de vertigem vejo que também rodas, carregada pelos braços musculosos dos atletas. E rodando vamos chegando ao grand finale, com bailarinas, acrobatas, trapezistas, leões, equilibristas, motocicletas, mulheres barbadas, caminhões gigantes, mágicos, cachorros amestrados e palhaços girando infernalmente sob a lona colorida para o delírio da platéia. E tenho a impressão de que enquanto somos arrastados pelo cortejo ainda gritas algo contra mim, mas já não faz diferença, porque o espetáculo não para, porque ninguém nos enxerga, porque enquanto rodamos e nos odiamos o público inteiro apenas aplaude loucamente o enorme circo armado ao nosso redor, ao som da marcha nupcial, sem sequer tomar conhecimento de que existimos.
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