domingo, setembro 05, 2010

breviário














em alguma esquina a paixão do momento deu lugar à da busca. E foi tudo o que houve. O resto é ruído.

terça-feira, agosto 17, 2010

quem ama castra

então o mundo anda difícil pra você. Seus relacionamentos não dão certo, seus amigos se aproveitam de você, as pessoas lhe parecem todas mesquinhas e egoístas. Seu chefe é um filho da puta, seu ex-marido a trocou por uma mulher mais nova, seus filhos adolescentes levantam a voz o tempo inteiro. A vida não facilita as coisas e a sua paciência anda o tempo todo por um fio, suas explosões e crises de choro e enxaquecas cada vez mais frequentes, o mundo sempre prestes a desabar. Então um belo dia você perde a paciência e desiste. Desiste de se relacionar com pessoas como você, cheias de desejos e anseios e vontades e dores de cabeça próprias. E decide começar de novo. Então você vai numa loja cheia de alpiste, gaiolas e ossos de plástico, com funcionários animados e sorridentes. E na vitrine você encontra uma nova companhia. Um bicho orelhudo e fofo, de pelo malhado, cujo cérebro a ciência lhe assegura que jamais vai passar de setenta e cinco gramas. E então você o leva pra casa, constrói uma caminha, e o cria desde pequeno dando reforço positivo pra todas as demonstrações de amor que ele faz por você. Faz carinho na barriga quando ele senta do seu lado, dá um biscoito quando ele traz a bolinha, fala com uma voz fofa e idiota quando ele balança o rabinho. E não hesita em dar um tapinha no rosto quando ele esfrega os genitais na sua canela, gritar com ele quando rói o papel higiênico, e encher o tapete de spray de pimenta quando ele faz cocô no meio da sala. E a rotina de carinho na barriga aqui e tapinha ali se repete por dias cada vez mais repetitivos, num ritual capaz de adestrar o mais atrofiado dos cérebros. O bichinho então cresce, e quando seus filhos resolvem sair de casa porque não aguentam mais seu mau humor constante ele se torna a sua melhor companhia, aninhado nos seus pés vestidos com pantufas em frente à televisão. Na ausência de outra alma viva na casa, você divide a comida do jantar com ele e deixa-o dormir na sua cama, e todos os dias de manhã ele lhe retribui com uma lambida agradecida no rosto. Com o tempo os almoços de família começam a rarear, os compromissos se tornam mais esparsos, e a vida abranda sem que ninguém apareça, até porque você só sai de casa pra passear com seu amiguinho. E então você começa a achar que já é hora de levá-lo pra cruzar, passa a observar com atenção as fêmeas no parque, anota o telefone das donas com quem você puxa conversa. E chega o dia que você visita uma delas, e toma um chá enquanto deixa o seu amigo se lambuzar por minutos rigorosamente controlados com uma fêmea. Tempo suficiente pra produzir algumas cópias relativamente bem feitas dele dali a alguns meses, uma das quais você levará consigo. Pra reiniciar o ciclo previsível de carinho na barriga, biscoito e bolinha, tapinha e cocô. E já chegando na velhice você se associa ao instituto nina rosa, cola um adesivo fofo da sociedade protetora dos animais no seu carro, começa a contribuir com um fundo comunitário pra alimentar os gatos de rua do bairro. Recebe em casa folhetos de propaganda dos últimos lançamentos de ração, se cadastra em fóruns de discussão de suas raças favoritas, cola o telefone do veterinário na porta da sua geladeira. E sai espalhando pras poucas pessoas com quem ainda fala, as frequentadoras daquele mesmo canto do parque, que os seus cachorros são mais fiéis e mais amorosos do que qualquer ser humano que você já tenha conhecido, e que eles nunca deixaram de lhe fazer companhia. Quando na verdade tudo o que aconteceu foi que, ao contrário das pessoas, eles simplesmente não tiveram opção.

segunda-feira, agosto 16, 2010

dois dias de inverno e uma morte gentil















o primeiro dia de inverno em um ano de rio de janeiro combina comigo. Combina com o meu jeito quieto, com os meus cabelos grisalhos, com a imobilidade do apartamento vazio. E me ajuda a conviver com uma morte lenta, quase que gentil, oferecida a mim entre sorrisos e bichos de pelúcia. E eu me dou conta que devagar vou entrando em acordo com ela, não por concordância senão por impotência em fazer algo que não seja acompanhar o fluxo do mundo. E como que em retribuição o mundo é gentil o suficiente pra acompanhar o meu luto, acinzentando o céu e derrubando os termômetros. E fazendo com que a dor vá devagar deixando de ser o peso reprimido no caminhar rápido sobre a barata ribeiro, na lágrima que escapa no banco do 485 preso no trânsito da linha vermelha. E passe a ser uma melancolia que extravasa a mim mesmo e escorre das minhas caixas de mudança abertas. Um frio discreto que invade a baía da guanabara, semeando araucárias na floresta da tijuca, pintando o calçadão da urca com flores de ipê, botando a faixa e o laço nas mãos daquele tio que fica em cima do morro. E enquanto a rua se esvazia e o mundo encolhe, começo a sentir novamente que ele possa fazer sentido, e me sinto esquisitamente feliz. Porque sinto que o frio de fora começa a substituir o de dentro, que novamente o que eu carrego em mim é o que pode me esquentar. Que se eu pegar um cobertor e um capuz eu possa quem sabe me proteger, já que o desconforto volta a viver do outro lado da epiderme. E assim abraçar dentro do casaco o que ainda me resta, manter apertado entre os braços, e com meu pequeno punhado de pedaços deitar na rede da sacada, olhar pra fora, ver o mundo. E reaprender a ficar imóvel, sabendo que agora é a vez dele se movimentar no meu lugar.

terça-feira, julho 20, 2010

filosofia zen feita em casa (xviii) - sobre a inevitabilidade da incoerência

por uma questão de coerência, não me moveria até o mundo começar a fazer sentido. Mas por uma questão de realismo, sei que ele só começa a fazer sentido depois que eu me mover.

domingo, julho 11, 2010

do lento aprendizado das tortinhas de palmito congeladas








uma só é pequena pra dois
mas abrindo duas vai sempre sobrar
pra guardar pra alguém que chegue
ou convidar um a mais pra jantar
mas embora pareça certo
a partilha nunca é precisa
as facas são cegas, as divisões toscas
e alguém sempre acaba com fome
então quem sabe melhor
comer três quartos sozinho
guardar o resto no congelador
e esperar que acumule, caso não
chegue ninguém inesperado
nenhuma fome imprevista
e sem saber do futuro
ir juntando os pedaços
aos poucos

sábado, julho 10, 2010

sobre a sanidade escoando pelo ralo

mais de duas semanas que ninguém dorme aqui em casa, e o ralo do chuveiro continua entupindo com cabelo. Algo me diz que logo vou ter que optar entre a paranóia de que alguém invade meu apartamento pra tomar banho e a depressão de encarar a calvície como possibilidade.

quinta-feira, julho 01, 2010

quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas (mcxviii)

reclamar que a internet vai acabar com o português culto é a repetição exata da velha ideia de que escrever no vernáculo vai acabar com o latim. Só que com uns quinhentos anos de atraso. É incrível como tem gente com dificuldade pra mudar o disco.
by the way, a resposta é "sim, vai mesmo." Mas e daí?

quarta-feira, junho 23, 2010

das verdades mais imbecis que já se conseguiu botar na boca de um público com doutorado completo

americanos: um povo que resolve botar um país abaixo e reerguê-lo do zero no meio do deserto no oriente médio, mas que se considera terminantemente incapaz de financiar um ensaio clínico sem ajuda da indústria farmacêutica porque é “muito caro”. Como se, no fim das contas, não fosse um pobre coitado com alguma doença crônica de merda que fosse pagar a conta. Porra, com toda a franqueza, vão catar coquinho.

domingo, junho 20, 2010

quase solstício de inverno















alguém aí sabe de concurso aberto pra intelectual sem dedicação exclusiva? Aceito vinte horas ou menos.

domingo, maio 30, 2010

novas roupas coloridas

como dizia a minha mãe, e também aquela outra menina que chamava o mensageiro da caridade pra levar as minhas coisas embora no meio da tarde, eu sempre tive uma puta dificuldade pra esvaziar o meu armário. Por outro lado, ao contrário do que dizia o belchior, o passado é uma roupa que continua quase sempre me servindo. Ainda que eventualmente eu tenha que me apertar um pouquinho dentro dela. E somando todos os figurinos que vão se acumulando pelo caminho, eu sinto quase como se pudesse acordar de manhã e escolher a idade com a qual eu quero viver o dia. E também como se todo fim de noite eu chegasse em casa e me despisse dela, e deitando no colchão inflável assumisse a idade que levo colada no corpo, que a essa altura nem eu mesmo sei direito qual é.

terça-feira, maio 25, 2010

i'm not there

não sei porque achei que devia compartilhar isso, mas em egosearches recentes a função autocompletar do google tem sempre me sugerido "olavo amaral medicina" e "olavo amaral médico" como opções. Como se alguém lá fora andasse procurando o meu nome e resolvesse refinar a busca depois de bisolhar os primeiros hits, talvez por não achar que eu fosse médico. Ou, melhor ainda, por não achar que eu fosse eu. Vai saber por quê, mas ambas as possibilidades me orgulham pra burro.

quinta-feira, maio 13, 2010

regras pra justificar uma exceção

sempre desconfiei do conceito de “music video”. Tanto no que diz respeito a videoclipes (ai que palavra mais século passado...) como a DVDs de shows ou a imagens randômicas pra acompanhar música nas mais variadas mídias. Pura e simplesmente, nada contra a idéia em si. Mas nunca me pareceu algo que olhar alguém tocando um instrumento numa tela adicionasse suficientemente à música pra que justificasse o marketing em volta.
e no fundo, no fundo, esse troço de botar imagens em música sempre me pareceu simplesmente empacotá-la pra tornar algo vendável. Primeiro passando videoclipes na TV, que naturalmente é um veículo de publicidade muito melhor do que o pobre rádio. Depois com o ridículo advento dos “DVDs de shows” (e DVDs em geral) que alguém empurrou goela do público abaixo como algo a ser comprado (alguém lembra de alguma vez ter comprado uma fita de videocassete? Pois como diabos convenceram a geral que a mesma coisa numa mídia diferente era algo pra comprar?). E sem vender nada, mas ainda por força do mercado, hoje em dia se abate sobre o mundo uma terceira onda de vídeo forçosamente acoplado à música. Meramente porque por razões obscuras, compartilhar vídeo em streaming tornou-se fácil e universal enquanto fazer isso com áudio nunca chegou a ficar tão simples assim. Fazendo com que hoje em dia o jeito padrão de mostrar uma música pra alguém online seja mandar um link do Youtube. O que seria ótimo, não fosse o fato de que 95% dos vídeos feitos por pessoas bem intencionadas que devidem compartilhar suas músicas são sequências toscas de imagens piegas que eu jamais teria coragem de enviar pra ninguém.
enfim, só pra dizer que o excesso de imagens que não acrescentam nada às vezes cansa. Mas só pra dizer também que sempre tem uma exceção. Essa em particular transtornou meu dia por várias horas no início da semana depois que algum obcecado jogou no meu twitter. E o pior de tudo é que fica bem melhor em alta definição. Chamem-me de vendido. Mas sei lá, devem ser as mãos.

segunda-feira, maio 03, 2010

procura-se

algo inútil e urgente pra fazer. Logo.

domingo, abril 18, 2010

me autodivulgando a mim mesmo de novo

como parte da festipoa literária, que chega ao seu terceiro ano (pelas minhas contas) já dando passos decididos sem apoio e falando em português fluente, vai aí o meu calendário de eventos literarioportoalegrenses da semana:
- dia 21 de abril (quarta) às 20h, estarei no lançamento da coletânea O Melhor da Festa - volume 2, com textos do pessoal que participou da edição 2009 do evento. Sim, tem um troço meu lá no meio, como seria de se esperar. E a companhia em volta é deveras honrosa. Vai ser no Boteco do Pé (João Alfredo, 571), e além dos autógrafos deve rolar alguma espécie de agito cultural depois.
- dia 25 de abril (domingo) às 14h, estou num debate com Flávio Wild e Cássio Pantaleoni sobre "Conto, imagem e construção do invisível". Rola na Palavraria (Vasco da Gama, 165), ali pertinho de casa.
o resto da programação do evento tá no site, pros interessados. Apareçam. É tudo de graça, (ok, minto, o livro deve custar alguma coisa). E eu tenho várias saudades pra matar.

sexta-feira, abril 16, 2010

com o corpo em movimento e o olhar parado

a decupagem da vida anda difícil esses dias.

quinta-feira, abril 08, 2010

ressaca do apocalipse

velho chinês grita com a moça da lavanderia do outro lado da rua, em chinês. Garotos ensaiam jogadas de rugby na beira da praia em Copacabana. Na TV do boteco um amigo meu beija uma atriz gostosa na novela das oito. A vida parece voltar lentamente ao normal no Rio. Mas em cada canto alguma coisa insiste em indicar que não foi só um sonho ruim, do mar em ressaca furiosa à lama barrenta das calçadas ao trânsito que inexplicavelmente flui à pequena multidão aglomerada em frente ao IML da Leopoldina. E mais do que incitar pensamentos de fim do mundo, tudo isso meramente me faz pensar se algum dia houve ou haverá alguma coisa que possa ser chamada de vida normal por aqui. Pra mim ao menos, acho que não. E mesmo se a Lagoa seguir aumentando e acastanhando e completar sua lenta metamorfose em Rio Guaíba, mesmo se todos os morros desabarem até chegarem na altura do Ricaldone, ainda assim nunca será exatamente a minha casa. Por mera falta de repouso. Aqui é o acontecer permanente.

sábado, março 27, 2010

lenta agonia do que ainda resta do verão

e agora, o que se faz quando esse presente perene acabar?

segunda-feira, março 22, 2010

porque afinal não há nada de errado em foder com o pau dos amigos de vez em quando

no fim da tarde de sábado em Porto Alegre peguei um táxi até o Gasômetro pra ver os amigos cartolas tocarem no aniversário da cidade. Às vezes me pergunto por que ainda faço isso, posto que já devo ter visto os caras tocarem umas dez ou quinze vezes pelo menos. A resposta simples (que eu já tinha antes de ir) é que eu sempre saio do show um pouco mais feliz do que entrei. O que já devia bastar. Mas dessa vez o mundo fez questão de me dar a resposta complicada também. Porque no gramado tosco da beira do Guaíba, no meio de adolescentes de preto saídos de algum subúrbio obviamente não abastado da grande POA, que pulam feito uns maníacos como se fosse show dos Stones, eu me dou conta que de todos os meus amigos artistas, esses caras são os únicos que verdadeiramente conseguiram cruzar a barreira que realmente importa. A de falarem e serem entendidos com toda a sinceridade por gente realmente diferente deles. O que eu (assim como todos os escritores que eu conheço, e como praticamente toda a academia brasileira de letras, a bem da verdade) falho miseravelmente em fazer, por estar restrito ao mundinho literário tamanho cabeça de alfinete do país. E isso tudo me daria uma puta inveja, se não me deixasse muito feliz. E nem é por ser amigo da banda. Mas muito mais porque, ali pulando junto na beira do palco, no fundo eu consigo compactuar nesse processo. E, mesmo estando do lado dos fãs, sentir que juntos, todos nós, a gente tá fazendo alguma coisa que preste.
incidentalmente, os caras acabam de lançar um disco chamado “Quase Certeza Absoluta”. Aparentemente tá nas melhores lojas de discos, pelo menos em Porto Alegre (pra quem tem menos de vinte anos, “loja de discos” é um lugar em que a gente costumava ir de vez em quando há muito tempo atrás). Pros que moram longe, dá pra comprar aqui. Ou então esperar que não demore pra cair no soulseek. Ave.

sábado, março 20, 2010

atrator estranho

uma época, quando eu era mais jovem, minha desculpa favorita pra nunca ter escrito um romance era que a vida mudava rápido demais pra se manter estável em qualquer projeto literário duradouro. E eu prometia pra mim mesmo que uma hora dessas, quando as coisas aquietassem, aí sim eu ia poder entrar na brincadeira.
hoje em dia eu continuo nunca tendo escrito um romance. Mas essa promessa parece cada vez mais furada. Primeiro porque eu já não sou tão jovem pra usá-la. Segundo porque já duvido de que um romance dependa de idéias estáveis sobre qualquer coisa, até porque elas não existem – minha impressão é que tudo o que dá pra fazer é se imbuir da verdade de um poema, de uma máscara sincera que se possa vestir de vez em quando. E terceiro porque a idéia de que a vida viria a ficar mais estável tem se revelado a mais estúpida de todas elas. Pelo menos até agora.
porque se é verdade que as descobertas e idéias e estados de espírito realmente novos vão rareando, por outro lado a idade vem me fazendo acumular um número de máscaras grande o suficiente pra me pulverizar por completo. E nesses tempos de dispersão geográfica e emocional, cada vez mais a vida parece ciclar incrivelmente rápido por atratores estranhos e desconexos. Todos eles urgentes e palpáveis, todos eles eu. Todos máscaras sinceras e vitais pra se conseguir dizer qualquer coisa. E no tempo presente eu sou capaz de me reconhecer em todos, e tudo parece muito natural. Com a exceção dos vinte segundos de estranhamento ao acordar em uma cama cujo atrator não tem nada a ver com o do sonho.
e pensando por esse lado deveria ser a fase mais eloquente da minha vida: afinal, se não existe poesia que não nasça do espanto, não há nada como o deslocamento do olhar pra poder espantar-se. Mas cada máscara e cada olhar novo tem me durado no rosto por tão pouco tempo que eu não consigo sequer sentar na frente do computador pra escrever qualquer coisa. Antes que qualquer palavra sedimente, alguém gira o caleidoscópio e a imagem já é outra.
é desses atratores estranhos da vida que vem a palavra, granted. Mas também é deles que vem o silêncio. Por ora, tenho andado com o segundo. Por respeito a ambos, e por pura incapacidade de fazer diferente.

segunda-feira, março 01, 2010

do manual de técnicas básicas de vendas para empresários da indústria fonográfica (xiv)

então, querido empresário, o que você faz pro consumidor voltar a sentir a música como “sua” depois que comprar um disco deixou de fazer qualquer sentido, já que o mercado inteiro internalizou que música é um bem gratuito?
o plano é simples:
(a) convença a banda que você empresaria a fazer shows
(b) cobre bem caro pelo ingresso
(c) permita a entrada de câmeras digitais
(d) deixe a presa entrar, fotografar e filmar. E depois colocar as fotos e vídeos do show no seu orkut, facebook ou youtube, ao gosto do freguês.
pronto,você acaba de fazer com que um bem universal se transforme mais uma vez numa exclusividade para poucos. E, melhor ainda, uma exclusividade passível de exibição para os que não a possuem. O que, no fundo, sempre foi a essência dos melhores bens de consumo.
agora sente em sua poltrona e aproveite seu martini. Quem está ligando pra música, afinal?

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

quinta-feira de cinzas

mais de dez anos depois de ter saído da década dos dezealgos, carnaval e solidão me dão a oportunidade ímpar de ser adolescente de novo por um breve momento. E o engraçado é perceber que depois de tanto tempo ainda sou perfeitamente capaz de repetir os mesmos padrões, esbarrar nos mesmos limites, e cometer os mesmos erros daquela época. E de sempre. Com a única diferença de que eles parecem importar bem menos. E essa pequena mudança, o acesso mais natural ao botão do whatever (vulgo foda-se), faz com que a vida fique surpreendentemente mais fácil. Talvez porque amadurecer não seja superar limites, mas simplesmente aprender a relativizá-los. E é com essa maturidade estranha que me agarro à oportunidade ímpar que a vida me dá de refazer minhas apostas muito depois do prazo. Provavelmente pra errá-las todas outra vez do meu jeito torto. Mas com um pouco mais de graça e gingado do que antes.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

sábado, fevereiro 13, 2010

insônia branca, manhã de carnaval

sou mais uma ilha na cidade. No meio de tantas outras mônades absortas em atividades desconexas no espaço restrito desenhado pela geografia. E ainda assim compartilho a mesma casa do cara que pesca de noite no acostamento da linha vermelha. Do corpo adormecido na calçada que eu tenho que saltar pra entrar na portaria. Dos pássaros que mergulham na água surrealmente clara de ipanema (já deixou de ser), alheios à multidão de banhistas. Do ambulante que vende cerveja através da janela do ônibus no meio do tráfego (minha melhor vingança contra o transporte público). Da caixa da farmácia que cheira o sabonete com um sorriso antes de me vender, sem que isso resulte em demissão sumária como em qualquer lugar civilizado (meu melhor motivo de orgulho nacional). E dos urubus que pairam permanentemente sobre a cidade, numa altura imensa e sem sentido que evolução nenhuma me explica. Não consigo dormir, são seis da manhã num sábado de carnaval. E vou pra rua de novo, abraçar uma vez mais o que é apenas o lugar certo pros meus tempos mais estranhos.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

consideração a ser feita antes que eu comece a reclamar demais da vida

um emprego de adjunto na universidade pública por 35 anos equivale a mais ou menos 3,4 MacArthur awards. Sem contar a aposentadoria. Pra um pouco menos de liberdade e uma que outra aula pra dar de vez em quando, talvez eu tenha que admitir que não é de todo mau.

a premonição é um prato que se come frio

a antecipação premonitória da literatura (e da arte em geral) é sempre algo que me surpreende. Não é uma nem duas vezes que eu leio ou ouço algo por anos a fio, até que o sentido que se ensaiava ali por todo aquele tempo finalmente se concretiza em algo palpável. Vide a Gal jogando tudo num verso intitulado mal secreto e essas coisas assim. Mas mais estranho do que desvendar profecias alheias é às vezes sentir que o que eu mesmo escrevo tem poderes de premonição. Esse domingo resolvi meio do nada ler as primeiras (e únicas) quinze páginas de uma novela sobre um professor universitário frustrado, que eu tinha começado a escrever há mais de um ano pra logo abortar e nunca mais botar o olho. E de queixo caído constatei que, sem ter como saber de quase nada do que viria a se passar de lá pra cá, eu tinha previsto quase todo o meu momento presente, no que ele tem de melhor e pior. E no que ele tem de mais pessoal e inacessível a alguém que olhasse de fora. E mesmo que ter previsto os fatos (inclusive o não-desprezível acontecimento de virar professor) tenha sido mera adivinhação, a presciência do meu estado de espírito depois deles acontecidos é exata demais pra ser por acaso. O que talvez não seja de se surpreender. Porque ainda que sejam os fatos que determinam o rumo da vida, a nossa reação aos fatos é sempre a ficção pessoal que a gente cria pra lidar com eles. E isso talvez não seja tão diferente assim de escrever ficção. No papel ou na vida, nosso repertório de personagens possíveis é algo limitado. E quando os acontecimentos do papel por acaso vão de encontro aos da vida real, a convergência desses personagens chega a ser chocante. Mesmo pra quem escreve literatura fantástica, a vida acaba no fim das contas imitando a arte. Ainda que com um pouco menos de vacas esquartejadas e bolhas protoplásmicas.

domingo, janeiro 10, 2010

sábado, janeiro 09, 2010

fotocomposição












































por que o travesseiro insiste em cair pra direita?

quarta-feira, janeiro 06, 2010

circo armado



















quando começamos a brigar o circo já está todo armado, o público sentado esperando o espetáculo: crianças em roupas de festa, pais com cara de pouca paciência, pipoqueiros e vendedores de algodão doce disputando espaço entre as filas. E nem sei dizer de quem parte a primeira acusação, estamos os dois prestes a entrar em cena, uniformes postos, e aí começam as farpas, quem é tu pra me dizer isso, caralho?, e em resposta eu chuto as grades da jaula e digo então entra, vai!, ouvindo a vibração do metal abafar os rugidos dos leões. Mas já é tarde, a música toca forte nos alto-falantes, as portas do camarim se abrem e os membros da trupe vão saindo um a um, bailarinas rodando varinhas e palhaços correndo em coreografias destrambelhadas. E ao ouvirmos as risadas das crianças e sentirmos os empurrões atrás de nós sabemos que não temos opção senão adentrar o picadeiro, mesmo que estejas mais preocupada no momento em esmurrar minha cabeça com um fagote roubado dos meninos da banda. Então nos colocamos em fila junto aos acrobatas e agradecemos a ovação do público, enquanto eu roubo as bolas dos malabaristas e as arremesso contra o teu peito, te obrigando a buscar refúgio atrás dos halterofilistas musculosos. O palco roda à nossa volta e nos perseguimos com furor, mas nada disso parece perturbar o número dos palhaços, que correm dos esguichos de água e esbarram em nós, me jogando contra o globo da morte em que aceleras com a motocicleta apontada na minha direção. Pra minha sorte, no entanto, o mágico encapuzado e sua assistente logo aparecem pra te levar como voluntária, e eu me coloco em pé sobre os pôneis pra assistir enquanto te debates amarrada na mesa e me lanças olhares furiosos. Mas ao ver a serra se aproximar do teu corpo minha euforia vai se transformando em ansiedade, tuas pernas se separam do tronco e batem desesperadas até pararem, e conhecer o truque não me impede de me aproximar correndo, tropeçando entre os obstáculos dos cachorros amestrados, até sentir uma dor aguda no peito quando surges do fundo falso e me acertas em cheio com a barra do trapézio. E enquanto o mágico colhe os aplausos eu sou levantado do chão e balanço cada vez mais alto, tu te equilibras com graça no trapézio ao lado e nos gritamos insultos inflamados que ouvimos só no breve momento em que nos cruzamos, “...lho da put...” e já subimos novamente, “...isso de novo eu te mat...” e mais uma volta, a platéia um borrão de rostos sorridentes embaixo de nós. Até que eu não aguento a raiva e me arremesso contra ti, derrubando-nos sobre a rede de segurança pela qual rolamos até o monte de alfafa, sob o olhar apático dos elefantes. E enquanto te levantas entre as trombas eu apanho o chicote e o estalo histérico contra o chão, fazendo a manada dispersar e chamando a atenção dos assistentes do domador, que em seus maiôs cheios de penachos aparecem pra me conduzir sob intensos aplausos para a jaula dos leões. “Mas eu sou contorcionista”, grito histérico sem que ninguém ouça, cada vez mais perto do cadafalso enquanto acenas para os felinos com um bife e apontas pra minha cabeça. E ao ouvir a porta fechar atrás de mim te vejo do outro lado das grades e avanço na tua direção sem dar importância a jubas e dentes, chicoteando o chão em todas as direções num bailado espantoso, que faz os animais dispersarem e subirem pelas paredes enquanto eu comprimo o corpo contra as barras de ferro pra me aproximar de ti, nós dois separados pelo metal e ainda assim conseguindo nos tocar nos excessos de gordura das coxas e barrigas salientes. E já quase vou me esquecendo da razão da briga quando de súbito a respiração úmida no meu pescoço se converte em rugido e depois em pânico, pra em seguida ser substituída pelo calor do jato do engolidor de fogo, que passando rente ao meu corpo afasta os leões e permite aos acrobatas entrarem na jaula pra me resgatar. E enquanto eles pulam e me arremessam de um lado a outro como se eu fosse mais uma peça de seus malabares eu rodo pelo picadeiro, e tonto de vertigem vejo que também rodas, carregada pelos braços musculosos dos atletas. E rodando vamos chegando ao grand finale, com bailarinas, acrobatas, trapezistas, leões, equilibristas, motocicletas, mulheres barbadas, caminhões gigantes, mágicos, cachorros amestrados e palhaços girando infernalmente sob a lona colorida para o delírio da platéia. E tenho a impressão de que enquanto somos arrastados pelo cortejo ainda gritas algo contra mim, mas já não faz diferença, porque o espetáculo não para, porque ninguém nos enxerga, porque enquanto rodamos e nos odiamos o público inteiro apenas aplaude loucamente o enorme circo armado ao nosso redor, ao som da marcha nupcial, sem sequer tomar conhecimento de que existimos.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

o segredo do mundo é saber até onde ler

a foto tá rolando no twitter há horas, eu sei. Em todo caso, achei que se tentasse não teria uma mensagem de natal melhor do que essa. Como já dizia o mestre supremo,
just to dig it all and not to wonder that's just fine
and i'll be satisfied not to read in between the lines
.
entendam o que quiserem, mas acho que as camisetas infantis devem ter algo de sabedoria. Feliz natal.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

da cultura como um grande arroto

acabei de voltar duma exposição foda do Wilfredo Lam na Caixa Cultural aqui do Rio. Depois de dois meses me enrolando, arranjei tempo, saí mais cedo do trabalho numa quarta-feira e fui ver o troço, abrigado no prédio da Caixa em pleno Largo da Carioca, num dos vários epicentros do furacão do centro do Rio.
lá fora o caos, calor e multidão indo do metrô pro ônibus, do escritório pro bar, ou qualquer trajeto combinando esses elementos. Lá dentro ar-condicionado, e eu sozinho. Passei quase uma hora do final da tarde num enorme salão vazio olhando gravuras, sem companhia além de uma única senhora curiosa (que não parecia entender muito bem a história toda, a julgar pelo papo dela com a facilitadora de plantão, e saiu dali meio rápido). Na saída, olhei o livro de assinaturas. Devia ter umas dez no dia de hoje.
não sei o custo de trazer aquelas 140 gravuras pro Brasil. Nem o de montar a exposição toda, manter uma sala enorme pra abrigá-las em pleno centro do Rio, pagar as dezenas de funcionários do complexo, e assim por diante. Mas se a gente for calcular o preço que uma brincadeira dessas (ou de um longa-metragem nacional, espetáculo de dança ou concerto da Osesp) sai por pessoa que usufrui, suspeito que dificilmente vá chegar à conclusão de que vale a pena.
não, isso não é mais uma lenga-lenga sobre o desinteresse do público pela arte. E nem é mais uma crítica ao financiamento público da cultura ou à isenção total de impostos via Lei Rouanet.
isso é apenas a constatação de que a maneira de produzir o que se chama de “arte” ou “cultura” no país, e talvez no mundo, é em larga parte um fracasso retumbante, simplesmente porque quase ninguém está ouvindo o que se diz. E não é porque falte dinheiro. É só porque falta todo o resto.
bem ou mal o fato é que a arte na era contemporânea virou uma espécie de subproduto supérfluo do capitalismo. O povo trabalha, a economia cresce, as engrenagens giram, o dinheiro aparece, a isenção de impostos existe. Então lá pelas tantas a máquina é capaz de gerar um centro cultural aqui, uma peça aqui, um filme acolá. Uma sobra das entranhas do sistema, que não contribui nem prejudica o seu funcionamento. Algo assim como um peido ou um arroto, só que com cheiro bom e ar condicionado.
o único problema é que as únicas coisas que o sistema é capaz de fornecer à cultura são (a) dinheiro e (b) uma minúscula elite intelectualizada capaz de produzir e usufruir da arte. Porque o capitalismo que financia o teatro ou a literatura também soterra debaixo de sua realidade inegável e avessa a ficções a idéia de que teatro ou literatura podem ser algo importante. Se não tem ninguém numa exposição massa às seis da tarde na Caixa Cultural, não é por culpa da exposição, nem do público. É porque ninguém tem tempo pra ir em exposição às seis da tarde. Afinal, neguinho tem que trabalhar. Até porque tem que pagar os juros do empréstimo que fez na Caixa pra comprar o carro no início do ano.
claro, sempre haverá a exceção a regra, a meia dúzia privilegiada que tem tempo, paciência, educação e um quê de esnobismo pra assistir o Ciclo de Cinema da Geórgia (isso não é uma metáfora, é de fato a programação atual do CCBB). E diz o discurso pró-cultura que se a arte conseguir influenciar alguma dessas pessoas a iniciativa valeu a pena. O único problema é que influenciar alguma dessas pessoas provavelmente não vai fazer com que ela mude o mundo. No máximo, vai fazer com que ela mude a si mesma, e talvez com que ela escreva ou filme ou pinte alguma coisa que no fim das contas também vai ser visto por meia dúzia. E o que é pior, provavelmente pela mesma meia dúzia. E no fim das contas essa meia dúzia vai formar a tal nata da sociedade. Que como dizia o meu ex-chefe pros alunos de medicina do primeiro semestre, “é aquela coisa gordurenta que fica em cima do leite”, tão fácil de coar e jogar fora.
e enquanto isso o mundo ruge lá fora na Almirante Barroso, alheio a tudo isso. E coa a nata sem grandes problemas ao tomar o café com leite de todos os dias.
e a idéia de que lucro de banco por si só pode gerar cultura é provavelmente uma grande falácia. Não que eu tenha nada contra a existência da Lei Rouanet, na verdade: se não houvesse dinheiro a situação provavelmente seria ainda pior. Mas o problema todo é que cultura não depende só de grana. E nem só de artista falando, escrevendo ou pintando. Cultura depende de quem ouça o que se fala. E pra ouvir se precisa de tempo. Pra ouvir se precisa de fé. E se precisa de um puta silêncio. Coisas que o mundo contemporâneo infelizmente não tem isenção fiscal pra produzir.
todo o dinheiro do mundo não é capaz de comprar o silêncio necessário pra se criar alguma forma de arte que ainda importe.
e a verdade é que o mesmo mundo que tão orgulhosamente canaliza parte dos seus impostos pra sustentar o cinema brasileiro ou a metropolitan opera house ou o que quer que seja raramente tem tempo, fé ou silêncio pra de fato tomar parte na troca que deveria se estabelecer a partir disso. Não que não tente ou finja, comprando livros e botando na estante, indo à FLIP assistir a autores que nunca leu, ou frequentando um que outro concerto porque afinal é chique. Mas a porcentagem das pessoas que muda a sua vida de trajeto um milímetro com a arte que consome (e infelizmente a patética expressão “consumir arte” não poderia ser mais adequada) é ínfima.
e isso é o lado de cima da pirâmide, que ainda é o menos problemático. Porque o lado de baixo simplesmente segue caminhando no largo da Carioca pra pegar o metrô antes que o movimento aperte.
a verdadeira crise da arte contemporânea não tem a ver com a forma nem com o conteúdo. Na verdade, a crise da arte contemporânea tem muito pouco a ver com a arte, e muito mais a ver com o mundo. A crise da arte contemporânea é o fato de ter se tornado inócua, um brinquedinho colorido gerado pelo capitalismo que distrai alguns, entretém outros, e eventualmente até consegue se tornar uma parte vital da existência de um pequeno punhado de gente. Mas que não move o mundo um milímetro. É uma merda dizer isso, mas os dois nerds que criaram o Google, ou até mesmo o pirralho do Facebook, têm um impacto maior em criar novas idéias e formas de existir (o que deveria ser o objetivo da arte) do que toda a produção artística da década. E do jeito que a tecnologia anda, não existe a menor evidência de que a maré vá mudar.
sempre se disse que o dinheiro é importante pra financiar a arte. E há tempos é moda se dizer que se usa a tecnologia pra criar novas formas de arte. Ambas as afirmações são bobagens. Porque se a arte é o que move o mundo, o dinheiro e a tecnologia são a arte. O que se faz com eles pra chamar de arte, como todo o resto, é só um arroto colorido e cheiroso.

terça-feira, dezembro 15, 2009

das lágrimas na faixa de segurança

caminhar é o que me mantém inteiro
desabo a cada vez que paro, esperando verde
e em cada esquina da nossa senhora fica um pouco de mim

sábado, novembro 28, 2009

cosmética da fome

esses dias voltei de carro do Fundão, ao invés de encarar o tradicional sacolejo do quatro oito cinco lotado. Era um fim de tarde, a gente ia com o ar condicionado ligado e música clássica tocando alto no som. E pela primeira vez depois de mais de um mês de Rio eu consegui reparar na poesia da Linha Vermelha. A solidão dos vendedores de água pisando o asfalto. O insólito parquinho de diversões iluminado na beira da estrada, ao lado do campo de futebol da favela. A solidão do castelinho da Fiocruz ao fundo. E a imensidão de casas de tijolo empilhadas a perder de vista, com o dia caindo e as luzes começando a se acender. Sério, por um momento pareceu lindo. E aí eu acordei do transe quando o carro empacou no engarrafamento.
do outro lado do vidro fechado, qualquer coisa vira poesia. Difícil é achar graça quando se está no palco, ao invés de na cadeira estofada da platéia.

terça-feira, novembro 24, 2009

afundado até o pescoço no conflito de interesse

mas se eu não fizer propaganda dos seres amados, vou fazer de quem? (ainda que tenha chegado meio em cima da hora dessa vez).
É sexta-feira dia 4, às 19h na Livraria Cultura de Porto Alegre (Bourbon Country). Apareçam.

segunda-feira, novembro 23, 2009

da arte como bala perdida

minha sensação ao passear na bienal do mercosul desse ano, como quase sempre, foi parecida com a de quem mora na favela quando o Comando Vermelho resolve brigar com os Amigos dos Amigos. A de ser um bystander confuso em meio a um tiroteio que não tem nada a ver comigo. E olhando em volta, devo dizer que praticamente todos os curiosos no cais do porto pareciam estar na mesma situação. A de ser um espectador assistindo um filme em húngaro, sem legendas.
não devo, não quero e não vou entrar na discussão mais do que gasta de se um monte de galhos queimados cercados por uma cortina preta em um galpão do cais do porto são arte ou não são. Os objetos são o que são. “Arte” é só um conceito que a gente cria pra entendê-los. E qualquer um que se diga artista tem pleno direito de estender o conceito pra onde bem entender.
eu só gostaria que eles pensassem pra quem eles estão falando quando o fazem.
por que, francamente, me parece que a imensa maioria da arte contemporânea, que tanto usa substantivos abstratos bonitos como “interatividade” e “diálogo” nos cartazes ao lado das obras, quase nunca interage e dialoga de fato com o público que vai vê-la. Claro, há inúmeras honrosas e geniais exceções. Mas a grande maior parte do que se vê nesses armazéns de cais do porto pelo mundo afora parece trabalhar com conceitos herméticos que se remetem a outros artistas, aos curadores, e a críticos de arte. Mas quase nunca ao público, que definitivamente não fala a mesma língua dessa gente.
o que é apenas natural. Qualquer campo da atividade humana compartilha paradigmas próprios, e não haveria porque ser diferente nas artes plásticas. Críticos, curadores e artistas estudam nos mesmos lugares, circulam pelos mesmos meios e acabam criando critérios de valor compartilhados, Nada mais normal, assim, do que artistas tentarem agradar aos curadores falando nessa linguagem própria quando submetem projetos a uma bienal. E não haveria nada de errado nisso. Não fosse o fato de quem paga a história toda é o pobre contribuinte que olha com ar perdido pra um diálogo que pra ele geralmente soa como eslovaco ou mandarim.
e me parece que o tão discutido fracasso da arte contemporânea comunicar com o indivíduo médio não é culpa nem da falta de talento dos artistas nem da falta de preparação do público. Analisando de uma perspectiva friamente capitalista, o fracasso é simplesmente esperado. Curadores distribuem grana. Artistas tem que pagar as próprias contas e querem impressionar curadores. Ambos aprenderam a mesma cartilha hermética e tem uma linguagem particular. E o cidadão médio não entra na equação em nenhum momento. Exceto na hora de pagar.
pensando dessa maneira, também parece natural que o tal cidadão comum se sinta no direito de achar aquilo tudo uma merda. Mas o establishment cultural não dá a ele sequer o direito de reclamar, sob a pena de parecer inculto e tosco. Então ele fica quieto, olhando com um ar de incompreensão. E o circo todo segue funcionando da mesma maneira.
a mesma lógica vale pra música clássica, videoarte, dança ou quase qualquer forma de arte que seja sustentada na ausência de mercado. É fácil falar mal da influência da grana na cultura, citando exemplos como blockbusters de Hollywood ou boy bands de plástico. Mas a ausência total de feedback do mercado é capaz de criar aberrações quase tão nefastas. Exceto que no caso destas não é culto e fashion reclamar. E então todos nós ficamos quietinhos enquanto o rei está nu. Mas cá pra nós, de vez em quando um pouquinho de superego mercadológico não faz mal a ninguém.
querem soluções? Por que diabos não se faz a bienal do povo? Da próxima vez, peguemos gente a esmo no centro da cidade (a esquina é democrática, afinal) pra servir de curadores. E mais do que isso, avisemos os artistas que os projetos serão escolhidos pelo público em geral (que afinal de contas é quem paga a brincadeira, porra). Artistas são espertos, ou pelo menos alguns deles são. E eu particularmente duvido que eles não se saiam com algo muito mais divertido do que apresentariam pros curadores. E que certamente precisaria de bem menos discurso enlatado e substantivos abstratos pra justificar.
querem diálogo? Então guardem os dicionários e manuais de instruções. E gritem numa língua que eu consiga escutar.

quinta-feira, novembro 19, 2009

filosofia de bar

considerando-se que (a) estar um pouco bêbado quase sempre é mais agradável do que estar muito bêbado, mas que (b) festas com gente muito bêbada quase sempre são bem mais legais do que festas com gente pouco bêbada, seria (c) embebedar-se um gesto altruísta de responsabilidade social?

quinta-feira, novembro 12, 2009

dentro do mundo, longe de mim

a cidade me encara feito um ogro, quimera dos milhões de olhares passivos que me cercam nas filas do bancos, no chão dos coletivos, atrás das bancas de suco e dos isopores de cerveja, formando a massa indistinta em que flutuam as ilhas nas quais busco superfície. Quarenta e tantos graus ao sol, botecos lotados de noite, a calçada vibra de batuque em batuque em estereótipos eufóricos: mulheres de raças estranhas dançam, machos se esfregam sôfregos e playboys americanos pulam como se pertencessem ao cenário, alheios ao risco ou gozando a intensidade que dele provém. A vida parece urgente e tênue, ônibus atravessados contra os postes, delegacias em frente aos bares, casas afundando no mangue, motoristas se xingando no sinal vermelho com os olhos ardendo de poluição e raiva, repletos da neurose que a cidade vomita junto com o cheiro da baía. Em meio a tudo isso a publicidade impera, saturada de outdoors coloridos, corpos malhados e otimismo imbecil, slogans positivistas, datas futuras e promessas de que qualquer coisa ainda possa mudar. E afundado no caos e da correria, nos curtos tempos ociosos que o trânsito me permite alcançar, eu vou sem sequer perceber consentindo que o mundo cresça, infle, fascine e abra meus olhos ao abandono, à ansiedade e ao desejo, até que ele pese demais sobre os meus ombros e eu me deixe esmagar feito um atlas vencido. Porque nessa terra de volumes máximos não existe silêncio, não existe solidão e por conseqüência não existo eu. Existe apenas cerveja, zumbido, fumaça, petiscos, maresia, gastrite, calor, cabelos brancos e todas essas coisas que de tão grudadas à pele vão me invadindo até devorar todo o espaço. E ainda assim eu sei que é apenas mais um de tantos fins do mundo como a gente conhece, mas dessa vez também é um estranho começo. Outsider de mim mesmo, eu envelheço no Rio de Janeiro, dentro do mundo e longe de mim.

terça-feira, outubro 27, 2009

quem gosta de miséria é intelectual

pobre gosta é de luxo, já dizia Joãosinho Trinta. Talvez isso explique porque o vendedor de balas e bombons embarque no ônibus aqui do Rio anunciando a promoção “Luxo, Qualidade e Confiança”: dois bombons Serenata de Amor a um real, dez balas de menta a um e cinquenta, e outras coisas que não ouvi porque estava anotando o slogan da promoção. E esse tipo de coisa por sua vez talvez explique porque no mesmo Rio haja gente que reclame que já não existem luxo e glamour como antigamente. O povo sequestrou o luxo e o estendeu a absolutamente tudo. Inclusive promoção de bala no ônibus. E se promoção de bala no ônibus pode ser luxo, então tudo pode. O que, pessoalmente, me parece o maior de todos os luxos.

quarta-feira, outubro 21, 2009

comentários sobre as suas frases no perfil do orkut quando o avaliador do seu estágio probatório resolve entrar pra dar uma olhada

tudo brincadeirinha, tio. Só pra ver se tu tava prestando atenção.
e também não deixa de ser uma desculpa pra ver se recupero meus leitores. Desde que alguns aproveitadores e oportunistas diversos roubaram meu filão de mercado e me passaram no ranking do google pra "frases pra botar no perfil do orkut", o movimento desse blog caiu pela metade. Então resolvi escrever isso várias vezes, pra ver se consigo voltar aos tempos de glória. De repente funciona. Não que importe, em todo caso.

a única necessidade é sobreviver

o resto é imposição da mídia.
e por isso vou passar o dia inteiro na cama, só em protesto. Sem fazer nada além de trabalhar o mínimo possível em alguma tarefa fútil e banal que me sustente e não ocupe o meu cérebro de maneira alguma. Nada que perturbe a delicada tarefa de existir, um minuto de cada vez. Nada que seja capaz de quebrar o silêncio com o fel da responsabilidade e da culpa. Existimos apenas, e a coisa alguma se destina. E mesmo os meus escritos serão apenas ejaculações sem esforço, desprovidas de planejamento ou atenção. E se no futuro algum Max Brodt tiver saco de encontrá-las no baú e torná-las apresentáveis apreciarei, mas se ele não aparecer suponho ninguém vá se importar. Eu certamente não vou. Mais do que tudo, cansei da labuta besta de manter uma imagem pros outros: nenhuma das pessoas que eu poderia impressionar com isso realmente vale o esforço de fazê-lo. Minhas vaidades caíram todas por terra, simplesmente porque dava trabalho mantê-las em dia. E com esse exemplo em mente como a melhor das jurisprudências, continuarei a levantar a bandeira da preguiça e a levarei ao colchão mais alto, como justificativa de cada um dos meus atos daqui pra frente. Porque ela é o melhor dos filtros: nada que realmente valha a pena conseguirá me tirar da cama, e isso fará ao natural que tudo que reste na vida sejam cama, cobertores e as coisas realmente do caralho que me façam levantar. E isso será ao mesmo tempo a metafísica de um sistema e a grande verdade do meu poema. Ou apenas mais uma frase pra botar no perfil do Orkut quando você ganha um emprego estável.

segunda-feira, outubro 05, 2009

ainda orangotangos, mas desta vez menorzinhos

só pra dar o toque pra quem ainda não viu (e isso significa vocês, 179 milhões 900 e vários mil brasileiros, ou pelo menos os que tem TV a cabo), o Ainda Orangotangos, filme do caríssimo Gustavo Spolidoro em que eu tive a honra de fazer uma "ponta roteirística" (ou seja lá como se chama falar mal do roteiro), passa na quarta-feira dia 7 de outubro às 22 horas no Canal Brasil. Apareçam por lá.

sábado, setembro 26, 2009

chega de vaidade

enchi o saco da ditadura do bom gosto. Da tentativa desesperada de todo mundo à minha volta de tentar construir uma identidade pra si através do que ouve, lê, diz ou faz. Chega de gente com noções apropriadas do que é cool e fashion. Cansei de roqueiros com capas de disco retrô e guitarras toscas copiando os Strokes. De fãs do Arctic Monkeys em 2006, do LCD Soundsystem em 2007, do MGMT em 2008 e de seja lá que porra é legal agora. Cansei de leitores ávidos do Roberto Bolaño, de qualquer gente metida a entendido em literatura russa. De gente que migrou do Second Life pro Twitter e do Orkut pro Facebook. De gente fazendo trabalho voluntário em países de terceiro mundo, de militantes ecológicos e de vegetarianos. De torcidas que cantam em espanhol . De gente que consome clipes bregas no youtube, reality shows da Record e funk carioca pra tirar onda de irônico. Cansei do Lonely Planet, cansei de mochila, cansei de ouvir falar em turismo ecológico e em respeitar costumes e se integrar na comunidade local. Quero é ouvir José José cantarolando alto sem deboche como o motorista do ônibus. Quero assistir jogo da seleção em boteco de Copacabana com o Galvão narrando no último volume. Quero entrar num navio de cruzeiro cheio de gente gorda que zarpe de Mobile, A-la-ba-ma (como dizia a mãe do Forrest), e pisotear ruínas maias em solo mexicano com uma capa de chuva extra large cobrindo a barriga. Pra mim, chega de vaidade. Vou me embora pra Cancún. E sem a menor ironia. OK, talvez com um pouquinho.

domingo, setembro 20, 2009

cada qual com a nostalgia que lhe toca

adoro fuçar em ruínas maias. Não que tenha qualquer interesse particular pelos maias. Mas tenho horrores de interesse pelo Indiana Jones.

segunda-feira, setembro 14, 2009

sincretismos (i)

San Cristóbal de las Casas exala sincretismo por todos os poros. Na frente da igreja, jovens bichos-grilos estilo acampamento do fórum social mundial vendem documentários produzidos em Hollywood em DVDs pirateados, dizendo que usam o dinheiro pra sustentar brigadas de alfabetização em povoados pobres de Chiapas. Cafés zapatista-chic dirigidos por europeus servem café orgânico pra seus clientes ficarem acordados enquanto surfam na internet sem fio em seus laptops, cercados por retratos do subcomandante Marcos e lojas de artesanato de indígenas simpatizantes. Bares com nomes tipo “Revolution Café” com bandeiras de Cuba nas paredes expõe menus nitidamente inspirados no McDonald’s em suas portas, anunciando pratos como a “Baguete Viva Villa” e outros. E assim por diante.
mas em termos de sincretismo pós-moderno, nada, absolutamente nada, pode superar o momento em que se entra na igreja central de San Juan Chamula. Sentados no chão sobre ramos de pinheiro, índios Tzotzil cantam rezas estranhas em um dialeto maia, enquanto curandeiros passam galinhas pretas sobre os corpos dos doentes. Milhares de velas acesas e uma melodia melancólica e repetitiva tocada por músicos vestidos com um traje de lã preta lembrando um disfarce de urubu dão um ar surreal à cena. Santos católicos vestidos com roupas vagamente carnavalescas adornam as paredes, com São João Batista acima de Jesus Cristo no altar. E, como não poderia deixar de ser, tudo é regado a centenas de garrafas de Coca-Cola, Pepsi e Fanta Laranja espalhadas por todos os lados. Supostamente pra ajudarem os fiéis a arrotarem os maus espíritos. Não, eu também não teria acreditado se não estivesse lá.
amo muito tudo isso.

sexta-feira, setembro 11, 2009

hecho en hollywood

minha última viagem de ônibus no México durou quatro horas. Suficiente pra dois filmes dublados de Hollywood, provavelmente em DVDs piratas comprados a cinco pesos. O primeiro é uma clássica (e péssima) comédia romântico-dramática de sonho americano, em que um imigrante mexicano viaja pra LA e começa vendendo tacos pra no fim das contas formar uma banda de boleros e ficar famoso. O filme começa com uma narração em off que diz algo como “nascí en un pueblo en una tierra em que la gente por veces no sabe se está despierta o soñando”, com umas casas coloridas e um pessoal tocando música. Me lembra vagamente o que eu vi no pavilhão do México no Epcot Center quando era pequeno.
o filme seguinte parece mais chique, ainda que com muito menos pé e/ou cabeça. Tem o Nicolas Cage e o Harvey Keitel no elenco, e trata de um bando de arqueólogos que desvendam uma teoria da conspiração que gira em torno do assassinato de Abraham Lincoln, pra no fim das contas descobrir um uma cidade Olmeca cheia de ouro, ou algo assim, esquizofrenicamente perdida embaixo do monte Rushmore (afinal, o México não poderia ter nada que os Estados Unidos não sejam capaz de ter).
antes dos filmes, a TV desse ônibus (e de todos os outros) também passa um vídeo turístico mostrando standards mexicanos como Teotihuacán, Cancún, tacos com queijo e Acapulco, que acaba com um slogan tipicamente melodramático que diz “así que digalo a todos: “Vive, México!””, com uma voz tipo a do Cid Moreira narrando o evangelho.
eu, meio desinteressado dos filmes todos, vou espiando eles de cinco em cinco minutos (mais do que suficiente pra complexidade dos mesmos) enquanto escuto no iPod um troço chamado “March of the Zapotec”, do Beirut (um pirralho novaiorquino fissurado em música da Europa Oriental), que nesse EP em particular parece tentar soar meio mexicano, sem muito sucesso (pra mim, continua emanando diretamente da Bósnia, mesmo que eu nunca tenha estado lá).
e o que os elementos acima tem em comum? Bem, (a) todos eles falam do México. (b) Todos eles são feitos no exterior (com a exceção do filminho turístico, que é pra gringo ver de qualquer maneira). E (c) todos parecem evocar um lugar que sinceramente tem muito pouco a ver com o que se vê da janela. Que consiste basicamente, pelo menos nesse trajeto entre Puebla e Oaxaca, em montes de montanhas áridas com umas casinhas meio pobres e bares de beira de estrada no meio do caminho.
minha pergunta é: será que essa gente realmente acredita na sua própria imagem do jeito que lhe é vendida pelos outros?
não tenho certeza, mas não duvido que às vezes sim. Afinal, deve ser meio difícil manter uma autoimagem com uma superpotência olhando pra ti do outro lado da cerca como um grande mercado a ser conquistado. E sabendo que a maneira mais fácil de fazê-lo é determinar o que as pessoas devem querer e, por tabela, devem ser. E então dá-lhe exportar o estereótipo latino pra própria América latina através de ídolos processados em Miami tipo Ricky Martin ou Alejandro Sanz. Pra não falar em transmissões diárias do “Latin American Idol” na TV y otras cositas del género.
e como o México também tem que ser vendido pros americanos, afinal, também dá-lhe guias turísticos alardeando civilizações pré-colombianas, pirâmides a serem pisoteadas por turistas, praias paradisíacas, locas noches de amor, camisetas dizendo “one tequila, two tequila, three tequila, floor”. Ou, pros mais aculturados, socialmente culpados, ou simplesmente descolados carregando seus Lonely Planets, românticas e sofridas comunidades indígenas maias em Chiapas ou artesãos dedicados em vilas zapotecas.
e estará algum desses estereótipos certos? Suponho que sim. Na verdade acho que se uma conspiração coletiva quer determinar que um lugar existe, certamente ele acaba existindo. Com certeza é a impressão que eu e qualquer outro de fora acabamos tendo: o mundo lá fora de fato se parece com o guia turístico, pelo menos na maior parte das vezes. Mas se era aquilo que fomos condicionados a ver (e todo mundo parece estar aqui para ver as mesmas coisas, pois as rotas de viagem são sempre as que estão no guia), como raios poderia ser diferente?
mas ao longo do caminho eu vejo os rostos da gente ao meu redor, e tenho a impressão de que eles olham tudo isso apenas como mais um filme babaca de Hollywood. Que assistem passivamente, talvez não se reconhecendo de verdade. E provavelmente não dando a mínima pra essa coisa de herança asteca, calendário maia, e talvez muito menos com o exército nacional zapatista a mil quilômetros de distância. Que vivem a mesma vida pacata e alheia ao que diz o lonely planet, tão desprovida de pitoresquice quanto qualquer cidadezinha do nordeste do Brasil. E acompanha, a seleção nacional nas eliminatórias da copa, as novelas na televisão, a luta livre na sexta de noite e os palhaços fazendo shows na praças em tardes de domingo. Geralmente com um sorriso no rosto, e com uma simplicidade desprovida de ironia, intelectualidade blasé ou malícia que frequentemente me espanta.
moral da história? Ainda é cedo pra dizer. Mas se alguém quiser conhecer a essência do México, fica a minha dica provisória. Esqueçam ensaios de Octavio Paz. Esqueçam o calendário maia. Esqueçam o guia turístico. Simplesmente cheguem mais cedo em casa, liguem no SBT, e torçam pra que ainda passe o seriado do Chaves (o original, com “s”, não o paspalho de boina vermelha que assumiu o nome no inconsciente coletivo). E se quiserem realmente ir fundo, dêem seguimento à imersão assistindo Marisol, Chispita (ai minha anacronice...) ou seja lá que novela mexicana a Record possa estar passando.
e o mais importante de tudo, esqueçam definitivamente idéias idiotas como vir até aqui. O Chaves é muito mais México do que qualquer coisa que esse lugar possa oferecer.

quinta-feira, setembro 03, 2009

backwards is the new forward

depois de uns seis meses de resistência, finalmente acabei entrando no twitter. Na verdade não entrei, fui cadastrado quase à força por outrem depois de algumas cervejas. Mas enfim, dá na mesma.
em todo caso (e ainda que talvez tenha pego a onda já na fase de virar espuma), confesso que até simpatizei. Fundamentalmente pela exigência de brevidade. Não sou nenhum acadêmico da área, mas me parece que o twitter é o primeiro grande hit da era da informática que se define por uma negativa. Ele não se baseia em nenhum avanço tecnológico, senão no absoluto retrocesso: não dá pra fazer nada nele, exceto escrever os tais 140 caracteres. E eu confesso que aceito o paradoxo com alívio.
porque deve ser algo sintomático que, como história midiática do momento, a ascensão do twitter suceda a decadência do second life, uma rede social em que se podia andar, vestir-se, falar, trabalhar, ganhar dinheiro, ir no cinema, construir casas, trepar com prostitutas e deus sabe o que mais (eu não sei, porque no meu laptop antigo o troço sempre dava pau). E isso talvez seja o primeiro indício que pelo menos a geração mais adulta já não dá conta da oferta de opções e informação. E dá boas vindas às restrições pela porta da frente, porque a única maneira de ir em frente é resumir.
e não me surpreenderia em nada se o próximo hit da internet fosse um flickr de uma foto só, ou algo do gênero (aliás, só não é, porque isso já existe: é a foto que se põe no msn). Afinal, um monte de gente tem saco pra botar um álbum de fotos inteiros no orkut ou no facebook, mas ninguém tem mais tempo ou paciência pra olhar mais que isso. O paradoxo de Kalakow reina supremo.
claro, a julgar pelo número de gente seguindo centenas de pessoas no twitter, eu posso muito possivelmente estar errado, porque por puro efeito de massa ele também acaba se tornando um excesso de informação inapreensível, algo como um zapping anencéfalo por centenas de canais que não te interessam na TV a cabo. Mas pelo menos o proof of principle de que menos tecnologia de vez em quando pode ser uma grande idéia está dado. E se a moda de que “não precisamos de mais” pegar, talvez isso abra alguma avenida interessante pro mundo. Ainda acho que a gente anda muito longe do dia em que todo mundo que hoje olha pra frente vá começar a olhar pros lados. Mas talvez o twitter seja um passinho pra frente. Digo, pra trás.