sábado, dezembro 23, 2006

auschwitz no quintal de casa



por algum motivo acho que essa versão moderna da lista de schindler não vai ganhar aqueles óscares todos. Mas me fez botar o link da anistia internacional aí no canto da página. De vez em quando um soquinho no estômago faz bem. Pena que tenha estreado com ridículas 15 cópias lá na terra dos klingons e tenha desaparecido da programação do cinema por aqui tão rápido quanto entrou. Suponho que a assessoria de imprensa dos judeus deva ser melhor do que a dos paquistaneses. De qualquer maneira, não custa clicar no link da anistia. Funcionando ou não, é sempre divertido mandar e-mails pra endereços tipo f_castro@cuba.gov.

terça-feira, dezembro 19, 2006

breviário de uma ponte aérea comprida

todos os posts que eu teria colocado anteontem se já tivesse internet na estratosfera

(a) agradecimentos à Organização Mundial do Comércio e às Leis de Propriedade Intelectual
pela oportunidade única de ver as economias de pessoas doentes serem revertidas para entreter o meu vôo de San Francisco pra Miami com anúncios televisivos de homens de meia idade felizes recomendando remédios pro colesterol, antialérgicos e descongestionantes nasais. Era exatamente o que eu queria ter de volta por toda a grana que já gastei em Claritin D na vida. Sério, como diabos o mundo pode ter sido convencida de que a grana que se gasta em remédio serve pra fazer ciência?

(b) frases que eu gostaria de ter dito mas deixei a oportunidade pra alguém mais (i)
“If you’re a creative doctor, someone dies and you get sued”
(um certo Miles Beckett, ex-residente de cirurgia plástica e atual co-criador do bizarro fenômeno pop chamado Lonelygirl15).

(c) gestos brilhantes de autopromoção gratuita (i)
se algum dia eu for grande o suficiente em qualquer coisa pra despertar a ira dos críticos, eu juro que quero fazer igualzinho a esse cara. A história tá na “wired” desse mês.

(d) aliás
você sabe que o mundo anda estranho quando as tuas fontes sobre cultura pop passam a ser as revistas de informática.

(e) e por fim, um último comentário sobre idiotas correndo atrás duma bola do outro lado do mundo
tal como eu disse na alfândega, tão logo terminei de assistir o jogo no desembarque internacional, nada a declarar.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

américa, essa puta

digam o que queiram, o fato é que os Estados Unidos são uma puta. Uma puta fazida, é bem verdade. Fazem um charminho aqui e ali e vivem se fingindo de difíceis, feito na hora de te deixar tomando chuva na calçada enquanto espera pra pegar visto (pra alegria dos camelôs vendendo guarda-chuva a vinte reais), ou na cara cada vez mais mal-humorada dos funcionários da imigração. Mas no fim das contas, em menor ou menor grau, a América acaba dando pra todo mundo. Verdade que a qualidade do sexo varia conforme a grana do cliente. Pra alguns ela se entrega de fato, bundinha e tudo; pra maioria, por outro lado, sobra só um carinho de vez em quando, um cafuné aqui e ali, uma rapidinha num banheiro público. Mas qualidade do sexo à parte, todo mundo nesse país vai te contar que alguma vez teve uma de suas maiores fantasias realizada pela América.
Como uma meretriz da melhor qualidade, os Estados Unidos conseguem atender a todos os tipos de demandas, desejos e fetiches. Porque independentemente das possibilidades e expectativas do cliente, sempre haverá algo a ser conquistado aqui. Uma casa de subúrbio pra molhar o jardim depois de quarenta anos de dedicação à empresa? Got it. Internet sem fio com um emprego part time numa república de estudantes? Também tem. Educação razoável pros filhos que ficam em casa enquanto você carrega sofás? You bet. Maconha importada do Afeganistão via tele-entrega? Quando quiser, é só ligar.
É foda ter de admitir, mas essa ainda é a terra das oportunidades pra muita gente. E numa idade em que a minha geração está no momento de se agarrar nelas com unhas e dentes isso só se faz mais claro. E em cada cidade por que passo eu encontro alguém que de alguma maneira foi seduzido pelo fascínio da Grande Puta e conta que anda comendo ela de um jeito ou de outro. Uns são imigrantes clandestinos, outros são importados com méritos, outros estiveram aqui desde que se conhecem por gente. Mas todos parecem ir atrás de alguma coisa, e parecem encontrá-la. Sejam eles mexicanos de inglês porco trabalhando no McDonald’s, jovens empresários promissores em empregos de quatorze horas por dia, pseudointelectuais que acabaram a universidade e relaxam trabalhando como baby sitters ou surfistas brasileiros subempregados na Califórnia. Todos se aproveitando dos Estados Unidos, cada um pros seus próprios fins.
E ainda assim, mesmo com a genitália assada de tanta gente pra satisfazer, a América segue se comportando como uma profissional do sexo por excelência. E como as melhores prostitutas, ela jamais se deixa apaixonar por nenhum dos seus clientes. Por mais que trepe com montes de gentes nos mais diferentes níveis e posições, ela nunca se entrega de fato, e o seu cerne permanece intocado e inalterado. Porque independentemente do uso que se faça do sistema, o pressuposto básico da vida aqui é que o sistema em si permaneça imutável, e que sua lógica fundamental não seja questionada. Paga-se uma quantia e se recebe por um serviço, de maneira geralmente mais regular e previsível do que em qualquer outro lugar. Os Big Macs são sempre iguais, como são os Whoppers, como são as highways, como são os shoppings de beira de estrada, como são as lojas de souvenirs. As ruas são sinalizadas, os correios funcionam, os garçons são gentis, e os Republicanos e Democratas se alternarão eternamente no poder pelo resto dos dias. Mudar o mundo e fazer revolução já saíram de moda há uns 40 anos, e mesmo mudar o país não parece um discurso particularmente efetivo. Até porque quem ia alimentar os mendigos se o Mc Donald’s fosse embora?
E o que me deixa meio perplexo, de vez em quando, é tentar entender como diabos a máquina continua rodando tão vigorosamente e sem acidentes quando a vida é fácil mesmo pra quem se mantém à parte dela. É fácil entender que a galera estrebuche trabalhando no Brasil, em que mesmo com uma jornada de doze horas muita gente mal consegue pagar as contas. Mas quando qualquer um se sustenta mais ou menos tranqüilo trabalhando de entregador de pizza, às vezes parece paradoxal que o sistema não entre em colapso. Mas suponho que o grande mérito da América seja exatamente o de saber seduzir as pessoas pra continuarem correndo. As cenouras na frente dos cães são inúmeras, elas brilham nas vitrines da Quinta Avenida enquanto o pessoal faz as compras de natal, elas se escondem atrás da parede de clubes lotados em que seguranças expulsam arbitrariamente as pessoas da fila, elas escorregam entre as celebridades nas revistas de fofocas. E mais do que qualquer outra coisa, talvez a maior das cenouras que mantêm a máquina girando seja a própria indiferença da Grande Puta. Porque como qualquer mulher esperta, ao nunca se entregar por inteiro, ela sempre deixa entrever alguma coisa a mais. E enquanto houver alguém que parecer estar comendo ela dum jeito diferente, é quase certo que todo mundo vai continuar tentando melhorar.
E assim, independentemente da gente, das eleições, do Iraque, do aquecimento global ou de quem quer que seja, a América segue andando em frente como um monolito imutável, proporcionando a satisfação garantida, imediata e previsível do consumo, contanto que se tenha grana. E ao mesmo tempo em que nunca pareceu tão fácil mudar o mundo (pelo menos se você for o dono do Google), nunca pareceu tão improvável que alguém consiga mudar os Estados Unidos, que vão continuar botando gasolina nos carros, comendo fast food, comprando nachos em jogos de baseball e enrolando copos de plástico em sacos plásticos pra servir drinks de plástico. O sistema é simples e direto demais pra aceitar sutilezas, e é exatamente isso que torna ele acessível pra tanta gente. E os detratores não se dão conta que o que faz o fascínio da América é justamente a sua previsibilidade.
Vá lá, pra quem quer virar o mundo de cabeça pra baixo, pode parecer péssimo. Mas a maior parte das pessoas está mais preocupada com a certeza do sustento em troca duma quantidade pré-estabelecida de suor e de grana. E pra isso, feliz ou infelizmente, continua não havendo lugar melhor no mundo. Pouco poético? Sim, e certamente em alguma outra terra os poetas hão de continuar sonhando com pássaros revoando e fontes murmurantes de água fresca. Mas em resposta a eles, os americanos hão de perguntar, perplexos, por que diabos se precisa de água fresca quando o Gatorade é mais barato. E não deixarão de ter alguma razão.

você sabe que a sua anorexia está ficando séria quando...

... até as placas de trânsito começam a rir da sua cara.















(Big Sur, 14/12/06)

segunda-feira, dezembro 11, 2006

este blog orgulhosamente anuncia

que já é o sexto hit do google para os termos de procura "bebendo+própria+porra". Agradecimentos ao extreme tracker pela estupefaciente notícia. Aparentemente o meu hábito de usar a palavra "porra" pra qualquer porra finalmente anda rendendo frutos.

duas imagens pra ficar com um pé atrás em relação à tal de esperança


duas imagens pra se ter esperança no mundo
















(Utah, 10/12/06)

sábado, dezembro 09, 2006

uma razão pra perder a esperança no mundo

Discotecas que tocam hip hop nos EUA. Algo assim tipo um baile funk em que ninguém come ninguém.

uma razão pra ter esperança no mundo



depois de cruzar com incontáveis cinemas que viraram igrejas pelo mundo, eu finalmente encontrei uma igreja que virou uma discoteca. OK, pode ser só uma gota no oceano, ou só um gol de honra numa goleada contra. Mas mesmo que seja, ainda assim é uma bicicleta de fora da área.

(Denver, 8/10/06)

seja artificial, mas seja sincero















(num McDonald's no meio do kansas, 7/12/06)

terça-feira, dezembro 05, 2006

brinque você também de robin hood

nunca fui muito com a cara desses filhos da puta da indústria farmacêutica. Mas já que eles querem expiar a sua parcela de culpa pelo sofrimento do mundo e melhorar a sua imagem, não custa entrar no site da Bristol-Myers Squibb e doar um dólar deles pro National Aids Fund. Dinheiro fora do bolso dos outros é colírio.

todos os caminhos levam a Roma


a) New York é o centro do mundo
b) O Times Square é o centro de New York
c) No centro do Times Square tem um centro de recrutamento das forças armadas norte-americanas
não sei o que isso quer dizer, mas na dúvida não parece muito bom. Ainda mais quando botaram o posto das forças armadas exatamente no lugar aonde costumava ter uma barraquinha que vendia ingresso com desconto pro teatro.

breve agradecimento a deus pela existência de Kurt Cobain

na real nunca gostei muito do Nirvana. Mas depois de ver o Sebastian Bach com quarenta e poucos anos abrindo um show do Guns n’ Roses e gritando uns troços tipo “are you ready to fuckin’ rock n’roll with guns n’ fuckin’ roses” pruns gordos cabeludos de quarenta anos, deu pra ter um feeling tipo aquele de “o que teria sido do mundo se os nazistas tivessem ganhado a segunda guerra”. E enfim, um pouquinho de gratidão eterna não faz mal pra ninguém.

terça-feira, novembro 28, 2006

confissões de um ex-cidadão do mundo

nunca me senti tão estrangeiro. E não são os Estados Unidos da América que fazem isso comigo. Verdade que a cara dos funcionários da alfândega não colabora muito pra eu me sentir em casa. Como não colabora a proibição de levar pasta de dente no avião a não ser que seja num saco plástico transparente (alguém me explica?) E como definitivamente não colaboram as placas que dizem que fazer piadas sobre bombas pros fiscais da alfândega é passível de punição por lei (tristes aqueles que perdem a capacidade de rir de si mesmos, aliás). Não surpreendentemente, um fiscal da alfândega me cutucou quando fui tirar uma foto da placa e eu tive que enfiar a câmera na mochila às pressas (o registro fora de foco tá aí em cima).
Mas não, não é isso que incomoda. A verdade é que já ontem, ainda no Salgado Filho, eu já tinha me dado conta que não me sentia mais tão cidadão do mundo como em outros tempos. E não sei bem se a culpa é minha ou do mundo. Mas como me disseram um escritor deveria ser acima de tudo “humano”, vou tomar a atitude mais humana de todas, que é botar a culpa nos outros. E partir do princípio que foi o mundo que começou a briga, quebrou a xícara e deu laxante pro cachorrinho.
Foi em algum ponto ao longo desse ano que eu senti que o filho da puta do mundo tinha fugido definitivamente do meu controle de acompanhá-lo. É verdade que um pouco disso é circunstância. Depois que eu passei a morar num lugar sem assinatura do jornal nem TV a cabo e o google virou a forma predominante de informação na minha vida, eu passei a receber só a informação que ativamente procuro. Pelo menos na maior parte do tempo. E aí nos restritos momentos em que a mídia não-interativa se intromete na minha vida (geralmente uns dois almoços semanais de cerca de hora e meia na casa dos meus pais, ou alguma noite solitária em que eu perambulo além dos cinco ou seis sites de sempre na internet), eu tenho a impressão de que não tenho mais como dar conta do ritmo em que as coisas acontecem. E o problema não é mais simplesmente não conseguir entender o mundo. O problema é não ter mais certeza se o jeito em que eu vivo nele ainda faz algum sentido.
Eu sei que vinte e sete anos parece cedo pra estar se queixando que a vida anda rápido demais. Mas é sincero, mesmo que seja exagerado. Até porque o pior de tudo é pensar que a situação só tende a piorar. Porque hoje, por mais que me queixe, a verdade é que eu represento a nata intelectual da sociedade. Pelo menos em termo de faixa etária. Afinal, ainda faço parte do estreito grupinho que consegue lidar com o transbordamento de informação e ao mesmo tempo ter idade e educação suficiente pra conseguir fazer algum sentido dele. Mas esperem uns cinco anos, e aí vejam se vocês vão conseguir acompanhar esses adolescentes que cresceram no MSN quando eles entrarem na pós-graduação.
O que mais me incomoda, no fundo, é que as formas de comunicação se renovam muito rápido, e aquelas que foram minhas (e da humanidade) até agora parecem se esvair. E isso não é o futuro, é o presente. Mesmo postar isso aqui nesse exato momento (por mais simples que pareça) já parece ocupar com atraso um espaço e um formato e uma linguagem que já foram colonizados e determinados por outrem. Verdade que isso é uma frustração eterna do artista, mas ao contrário de coisas como “a língua portuguesa”, ou “o livro”, que pareciam imemoriais, blogs, youtubes e congêneres estão sendo inventados por caras da minha idade do outro lado da rua. Pela primeira vez na história, mudar o mundo sem sair do sofá de casa é uma possibilidade factível (pensem em quantos milhares de relacionamentos o tal Orkut Seiláoquê destruiu pela idiossincrática invenção de uma página de recados que todo mundo podia enxergar). Mas pros noventa e nove vírgula nove por cento que chegam atrasados, a frustração de não conseguir só se torna maior.
E na mesma linha de raciocínio, se a infelicidade das pessoas no mundo moderno de fato era fruto de não poder ser ou ter o que elas vêem na TV, a web só há de piorar as coisas cada vez mais. Porque, sem exagero, a oferta de coisas para se ter, ver, fazer e viver é bilhões de vezes maior (eu, por exemplo, ainda não consegui superar o trauma de saber que de alguém financiou esse cara). Então fechem as portas e as janelas, maidarlins, e protejam-se dos rumores da rua. Ou então deixem entrar todos os insetos, e preparem-se para a grande depressão.
Não me parece que eu seja uma voz de consenso, no entanto. Pelo contrário, a reação natural da maior parte da minha geração a tudo isso, como a de todas as outras antes dela, parece ser feita de frases tipo “ah, isso é modismo, vai passar”, “isso é tudo uma grande bobagem”, “bons mesmos eram os velhos tempos”, e outras variantes nessa linha. E de fato eu ando ouvindo isso cada vez mais ao meu redor, e de gente que não tem sessenta, e sim vinte e poucos anos. Mas por experiência própria, tipo lembrar de professores meus no início da faculdade me pedindo pra procurar artigos porque “ah, eu não gosto dessas coisas de internet, não me dou bem com o computador, sabe”, não me parece que a opção de aderir ou não à modernidade seja completamente verdadeira. O mundo não dá opção, o mundo engole a tecnologia e é transformado por ela, fazendo que não seja possível viver dentro dele e ignorá-la. Mesmo que a gente opte por não dirigir, a gente ainda assim tem que aprender a atravessar a rua cheia de carros pra não ser atropelado. E ao ver que em pleno ano de 2006 a gente continua pensando em lançar livros, gravar discos e fazer filmes em 35 mm, isso às vezes me parece um frenesi riponga quase tão bizarro viver sem luz elétrica. Ou pior do que isso, parece simplesmente tentar ignorar os carros e atravessar a rua sem olhar pros lados.
E o mais bizarro de tudo isso, no fim das contas, é saber que, no meio desse tsunami todo, os fatos fundamentais da condição humana não mudaram um milímetro. O mundo em volta pode ser um troço completamente diferente do século passado, da década passada, do ano passado, mas a porra do DNA não deve ter mudado mais do que uns poucos pares de bases. E os hard facts de estar vivo e preso a um corpo que come, dorme, fode, defeca e apodrece continuam exatamente os mesmos. Então a aeromoça pode até dar o aviso de “desliguem os seus wi-fis” antes da decolagem, mas isso não disfarça o fato de que se a porra do avião cair a morte vai ser a mesma de sempre. E tentar equilibrar a condição humana de sempre com o mundo nunca dantes visto é um troço que dá um nó na cabeça. Porque o aumento exponencial das escolhas e opções disponíveis não é capaz de mudar o fato inexorável de que elas continuam todas únicas, intransferíveis e sem precedentes.
E é assim confuso, modesto, com a dimensão da própria pequeneza e com os pés mais fincados no meu próprio nicho, que eu rumo humildemente pro centro do mundo uma vez mais. Nunca antes tão livre pra andar pelo mundo, e nunca antes tão preso ao que eu já sou e não posso mudar. Porque no fim das contas dizer que foi o mundo que quebrou a xícara é só uma maneira de esconder que quem envelhece é a gente. E, por mais que tente evitar, a gente vai se tornando cada vez mais parte do próprio nicho, da própria casa, da própria vida. Todo gesto é uma escolha, toda escolha é uma porta que se fecha, toda porta que se fecha é uma morte pequenininha. E isso não é necessariamente ruim, os nossos neurônios também morrem numa velocidade astronômica a partir do nascimento e nem por isso a gente fica mais burro. Limar, refinar, podar, esse trabalho de ourives todo é necessário, e é intrínseco a estar no mundo. Mas que dói um pouquinho, ah dói.
E enquanto as portas do mundo se abrem e as nossas se fecham, por mais devagar que aconteça, estrangeiro é aquilo que a gente vai se tornando. Coincidência ou não, da última vez que eu tinha vindo pra essas bandas, uns meses antes do Bin Laden mudar tudo, o fiscal da alfândega olhou pro montão de entradas e saídas no passaporte e disse “Welcome back, Sir”. Hoje, seja por causa do passaporte novo, do buraco no sul de New York ou por alguma coisa transparecendo no meu rosto, tudo o que o cara que me botou pra dentro do país me disse ao fazê-lo foi “Take care”. Por mais estúpidos que sejam, às vezes esses americanos acertam na mosca.

quarta-feira, novembro 15, 2006

das incômodas fontes de perplexidade na era digital

olha, não que eu tenha grandes ânsias de popularidade. Mas o fato de que a gata morta duma amiga minha tenha 4 vezes mais amigos, 7 vezes mais fãs e (pasmem) 11 vezes mais recados do que eu no orkut me perpassa. Vá lá que esses gatos mortos tendem a se comunicar bastante, mas isso chega a ser meio constrangedor.

terça-feira, novembro 14, 2006

mais um maldito livro que eu queria ter escrito













mais placas legais no site do lonely planet. Não sou muito de fazer marketing de graça, mas esses filhos da puta são dos poucos merecem.

quarta-feira, novembro 08, 2006

pra quem tinha medo da pastorinha do youtube...


...tremble in fear! jesus... digo, pelo amor de deus... digo, goddamnit... digo, damn god...

segunda-feira, novembro 06, 2006

cinco minutos para salvar o mundo

licenciei essa porra no creative commons hoje. Como "uso liberado, contanto que não comercial e igualmente compartilhado, citando a fonte", ou alguma coisa assim. Me levou uns cinco minutos, e parece um gesto de civilidade tão óbvia que eu não sei como eu não fiz antes. E ao contrário dessa brincadeira de votar e tantas outras coisas duvidosas, essa não tem como vir pra mal. More on this to come. E espelhem-se, please.

domingo, outubro 29, 2006

foi comprar cigarros e nunca mais voltou

não sei porque diabos eu não fumo também.

terça-feira, outubro 03, 2006

nunca foi tão fácil


alguém tá a fim de uma boquinha no Congresso Nacional? Hein? Ouvi alguém dizer “sim”?
Então porra, galera, mexam-se! Sério, acho que se lançar na vida pública nunca foi uma barbada tão grande. Basta ter menos de quarenta anos e um mínimo de carisma. Tipo, a tal da Manuela fez uns duzentos e tantos mil votos simplesmente sendo jovem. O cara do tempo fez uns outros cento e tantos mil. O Mano Changes se elegeu com um slogan que dizia “chega dos falcatrua” (além de ter quatro vezes mais amigos do que o pessoal do orkut deixa). Pra não falar no Clodovil, obviamente. Sei lá, acho que é o enfado da população com a classe política. Mas nunca foi tão fácil se eleger sem outra arma que não seja a própria juventude. Se combinada com ausência total de experiência, então, acho que é melhor ainda.
Sério, olhando a propaganda política na TV, onde todos os candidatos a deputado falam exatamente a mesma coisa, sempre me vem à cabeça o fato de que não pode ser tão difícil. Tipo assim:
1. Arranje uma causa pop que ninguém ou quase ninguém assumiu de bandeira, tipo a defesa dos animaizinhos perdidos.
2. Arranje um trejeito que te identifique, tipo um jeito engraçado de falar, um chapéu esquisito, ou algo assim.
3. Mostre o quão jovem e cheio de hormônios vicejantes você é, e o quanto você não tem absolutamente nada a ver com política.
4. Mostre um mínimo de senso de humor. É incrível como ninguém consegue fazer isso em campanha eleitoral.
5. Diga que você vai militar pelos jovens, patatipatatá.
6. E, sei lá, acho que tá feito.
Sério, se tem alguma coisa que me deixa otimista nessa eleição é que parece que a classe política dominante, que na prática me parece mais ou menos a mesma desde que acabou a ditadura (ou seja, desde que eu me conheço por gente), nunca pareceu mais desgastada. Ao mesmo tempo que, pelo outro lado, nunca foi tão fácil conseguir exposição nos Orkuts e youtubes da vida. Sério, alguém aí duvida que a velhinha do Tapa na Pantera se elegeria? Ou a Cicarelli? Ou talvez até o Astronauta Roger, pelo menos enquanto ainda era famoso?
E se alguém aí acha que eu tô sendo irônico e ridicularizando a situação, estão redondamente errados. Sério, se as Manuelas da vida não entrarem na política, sobra quem? Nelson Marchezan Júnior? Mendes Ribeiro Filho? ACM Netto? Sinceramente, eu não conheço pessoalmente nenhum dos três. Mas só pelo adendo depois do nome, já sou mil vezes o Mano Changes.
Só resta achar quem tenha saco de ser deputado no meu círculo mais próximo. Se alguém se dispuser, tô lançando candidatura pra dois mil e dez amanhã. Lembrem, comparsas dos vinte pra cima e quarenta pra baixo, que pelo menos por um tempinho a gente ainda pertence à restrita elite cultural que consegue ter diploma universitário, pagar as contas e ser proficiente no MSN. É a nossa hora. Aproveitem porque não dura muito. Mas enquanto dura, vamo patrolá.

segunda-feira, outubro 02, 2006

e onde andará a veia que salta?


o Chico é foda. De tão profeta, previu até o seu próprio destino.

“...Muito bem, Jasão. Você é poeta, perigoso, porque de repente está dando às palavras a intenção que interessa a você. Só que essa ansiedade que você diz não é coisa minha, não. É do infeliz do teu povo, ele sim, que anda aos trancos, pendurado na quina dos barrancos. Seu povo é que é urgente, força cega, coração aos pulos, pois carrega um vulcão amarrado pelo umbigo. Ele então como não tem tempo, nem amigo, nem futuro, e uma simples piada pode dar em risada ou punhalada como a mesma garrafa de cachaça acaba em carnaval ou desgraça. É seu povo que vive de repente porque não sabe o que vem pela frente, então ele costura fantasia, sai fazendo fé na loteria, se apinhando, se esgoelando no estádio, bebendo no gargalo, pondo no rádio sua própria tragédia a todo volume, morrendo por amor e por ciúme, matando por um maço de cigarros e se atirando debaixo de carro. Se você não agüenta essa barra, tem mais é que se mandar. Se agarra na barra do manto do poderoso Creonte, e fica lá em pleno gozo de sossego, dinheiro e posição, com aquela mulherzinha... Mas Jasão, já lhe digo o que vai acontecer: tem uma coisa que você vai perder, que é a ligação que você tem com a sua gente, saber o cheiro dela, o cheiro da rua. Você pode dar banquete, Jasão, mas samba é que você não faz mais não. Não faz! E aí é que você se atocha, porque vai tentar, e sai samba ruim. Essa é a minha maldição! Gota d’Água nunca mais! Samba aqui, ó! Você não engana ninguém! Gota d’Água nunca mais!...”
(Monólogo de Joana, em Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, 1975)

e de fato, eu ao menos não consigo achar explicação melhor pro fato da maior parte da obra musical recente do Chico parecer trilha sonora pra ficar tomando uísque numa cobertura do Leblon. Porque porra, quando o país te idolatra, as mulheres te amam, a crítica te unta continuamente de creminhos, e tu é provavelmente o maior cidadão brasileiro vivo, em algum lugar há de se perder a veia que salta. E, junto com ela, a ligação com um povo de cuja angústia já não se compartilha. E o que resta então é ficar enfileirando harmonias e enfeitando com letrinhas líricas. Ou então aprender húngaro e tentar se expressar na língua nova. Pensando bem, o Chico continua foda.

segunda-feira, setembro 25, 2006

o incrível mundo dos typos falhos

ô vocês da psiquiatralha, alguém sabe se algum psicanalista atinado já se prestou a estudar os atos falhos cometidos no teclado? Sério, esses "typos falhos" (acabo de criar o termo, o google registra zero ocorrências anteriores - um dia serei citado nos compêndios de psicanálise, vocês verão!) são uma das coisas mais doidas do processo criativo. Acabei de abrir o rascunho da minha coluna do argumento nessa semana e onde deveria ler-se "contemplem minhas pernas" eu tinha escrito "contemplem minhas perdas". E não tem como explicar sem meter o inconsciente no meio, pois tem umas boas 4 ou 5 teclas entre o "n" e o "d" no teclado. Lembro também uma vez de ter escrito um troço tipo "apanho o microfone e falho", e assim por diante, quase sempre coisas nessa linha, frustrações recalcadas se infiltrando no texto onde não deviam. E o mais doente é que não precisa nem de analista pra apontar, porque esse é um pedacinho particular da tua história psicanalítica fica salvo nos meus documentos.
enfim, só uma sugestão. Se alguém criar um teste projetivo em cima disso, fico feliz com um reles depósito de 1% da renda obtido com ele na minha conta bancária. Aceito cheque pré-datado, também.

domingo, setembro 24, 2006

do impacto do vestibular sobre a comunicação escrita

pra aproveitar o link do último post, é incrível como múltipla escolha faz parte do nosso inconsciente coletivo. Aliás, acho que quase daria pra construir toda uma obra literária escrevendo só em múltipla escolha. Tava até pensando em começar, mas morro de medo de procurar no google e descobrir que alguém já fez isso. Melhor guardar como carta na manga e não me dar o desgosto, por enquanto.

presságios funestos (manhê, eles tão dentro do meu quarto!)















quando você começa a enxergar e fotografar monstros como o da imagem acima nas tomadas do seu quarto, isso deve ser um aviso. Mas do quê?
a) é hora de dar uma ligada pro psiquiatra
b) é mais do que tempo de sair do quarto
c) talvez comprar um estabilizador de voltagem não fosse uma idéia tão ruim assim
d) talvez você esteja ficando meio dependente de aparelhos elétricos demais
e) cadê aquele anúncio de seguro contra incêndio da semana passada mesmo?

quinta-feira, setembro 07, 2006

pequenas atrocidades pra se ouvir de 4 em 4 anos


dum candidato obscuro do PRONA a algum cargo de deputado, no horário eleitoral:
"Direitos humanos? Direitos humanos são pra você e pra sua família! Vote PRONA, deus, pátria e família"
(ou seja, a humanidade termina na sua família, pelo que dá pra entender)
a gente sempre teve fodido, na real. Mas às vezes a gente só se dá conta em ano de eleição.

quarta-feira, setembro 06, 2006

panapaná














a minha singela e básica coluna do argumento não aceita figuras. Mas deu uma puta vontade de botar uma ilustração pra acompanhar, então resolvi jogar aqui mesmo. Os leitores que se virem com o hipertexto.
p. s. devo mais uma pro scott por ter trazido essa palavra massa à minha atenção.

(do arquivo, Xingu, 6/2005)

quinta-feira, agosto 31, 2006

não bebo, não fumo, não cheiro, não minto, só ligo o som meio alto...

...e ainda assim o mundo me enche o saco












(do patético "Caderno Equilíbrio" da Folha de São Paulo, 31/8/06, reportagem "Chega de Barulho"):
" Exposição constante a sons altos, música inclusive, aumenta produção de endorfina e pode levar à dependência...
... A endorfina é analgésica, suprime a dor, suprime a punição que a pessoa sofre, e isso é condicionante de comportamento. Quanto à noradrenalina, ela é prazerosa, o que leva a pessoa a repetir esse tipo de comportamento. Esses mediadores químicos provocam uma ativação cerebral e combatem a depressão nervosa...."
Conclusão natural do parágrafo acima: "vá ouvir música alta", certo?
Não! Não para o Caderno Equilíbrio, porque aparentemente a liberação de substâncias prazerosas no corpo parece ser muito perigosa. Como explica um psiquiatra mais adiante, "tudo que é prazeroso pode levar ao vício." Ah, bom.
Ou seja, agora que meter o pau no tabaco e no álcool já nem tem mais graça, resolveram que a gente tem que ter muito cuidado com música alta. E não porque ela deixe surdo, ou algo assim, mas porque... ela causa prazer. Puta que o pariu, que medo.
(sinceramente, só me resta lamentar por um mundo que envereda pra esse lado. E mandar esses ridículos psiquiatras equilibrados irem comer biscoito de arroz integral com fluoxetina e deixarem os seres humanos em paz. Ou então que irem tomar uns porres e vomitar no meio-fio, sei lá. Faria um bem danado pra eles)
(e, bom, já que música alta não pode, talvez eu tente a cocaína)

quase um haicai (i)


Bahia, aquela puta
deu pra Todos os Santos
e hoje vive das pensões

terça-feira, agosto 29, 2006

roam seus ridículos negativos de 35 mm


Da Folha, sobre o festival de curtas de São Paulo
"... o curta, justamente por sua duração, se adapta bem para exibição em espaços que há alguns anos eram estranhos ao cinema: a internet e os telefones celulares. E a mostra dialoga com tais mídias: serão exibidos 18 trabalhos do Fluxus, festival de cinema na internet, e também o filme brasileiro "Tapa na Pantera", visto mais de 1 milhão de vezes no http://www.youtube.com/..."

Com licença? 1 milhão de pessoas? Desculpem, mas isso não é tipo, a segunda ou terceira bilheteria do cinema nacional esse ano?
(bom, checando no youtube o número ali presente é 590.087. E crescendo. Ainda assim, puta que o pariu)

Algumas considerações:
a) o pior é que, pelo menos pra quem tá de cara, o filme nem tem muita graça.
b) mas a questão não é essa.
c) A pergunta que não quer calar é "o que raios a gente ainda tá fazendo em festival de cinema?"
d) Tipo, o curta-metragem mais bem sucedido na história do cinema brasileiro não deve ter tido essa audiência toda em anos. Quanto mais em semanas.
e) Em todo caso, é mais ou menos o mesmo fenômeno que faz com que editar um livro fuleiro com uma tiragem de uns mil exemplares (dos quais quinhentos vão pro teus amigos e quinhentos vão encalhar) seja pra quem escreve o passo posterior a botar um blog no ar que vai estar disponível instantaneamente pra uns dois bilhões de pessoas (cerca de dois milhões de vezes mais)
f) o que no fim das contas deve ser só reserva de mercado. No momento em que qualquer adolescente espinhento pode montar um blog ou filmar alguma merda numa câmera digital e montar em casa, quem se diz "escritor", "cineasta", essas coisas pomposas, tem que se defender de algum jeito. E aí, como bons capitalistas, se apela como sempre pro grande fator de exclusão e estratificação universal
g) o dinheiro, óbvio.
h) e subitamente se declara que cineasta é quem filma em 35 mm, escritor é quem tem editora, fotógrafo é quem tem sabe-se lá que câmera, e assim por diante.
i) e assim se mantém os adolescentes longe do campinho.
j) vá lá, um pouco disso também é porque a gente ainda não aprendeu a se fazer ouvido nesse mar lamacento de informação. Ou não parou pra estudar uma estratégia.
k) mas puta que o pariu, que a gente tem que reformular urgentemente algumas idéias, ah tem.
l) porque a mentira que arte é uma coisa cara de fazer simplesmente não tem como perdurar por tanto tempo assim. Graças a deus, aliás.

domingo, agosto 20, 2006

o mundo ruge lá fora


e a gente atrás de portas fechadas discute koffs de enzimas e medidas do baço. Quando diabos a gente aprendeu a tapar os olhos pro mistério?

sábado, agosto 12, 2006

desculpa por coisas eventualmente óbvias como o post abaixo

a historinha abaixo é óbvia, mas bem ou mal é um troço que começou a fazer um puta sentido de um temo pra cá. Provavelmente porque o óbvio nem sempre é uma concepção instintiva. Entender um troço racionalmente, às vezes, é um tanto diferente de se dar conta de algo, de fato. Tipo quando a minha turma da faculdade passou no estágio de Ginecologia e um amigo meu comentou, meio perplexo, algo como "cara, tu já fez toque vaginal no estágio? É igual a meter o dedo numa buceta". Na hora eu fiz a minha cara de "óbvio, por definição um toque vaginal é mais ou menos isso". Mas naquele dia mesmo eu me dei conta que se dar conta de fato disso era diferente. Aliás, a figura que disse isso ganhou algumas estrelinhas de admiração naquele dia por ter dito aquilo. A maioria das pessoas raramente tá aberta a se dar conta das coisas. Ainda mais do que é óbvio.

sabedoria zen feita em casa (com forno a lenha)

o homem que anda pela estrada nunca a enxerga inteira. mas o homem que enxerga a estrada de cima da montanha nunca a enxerga de fato.

sexta-feira, julho 28, 2006

aposentadoria o caralho

"FORTUNE magazine's 2005 Retirement Guide selects Boquete as one of the 5 best places in the world to retire..."
aposentadoria o caralho. já tô lá. esses americanos não têm a menor noção de hormônios. vou me empregar de assessor de marketing e montar slogans escrotos pra imobiliária, tipo "um lugar que escorre pela boca". ou "sinta um aperto de felicidade na garganta." esses americanos também não têm a menor noção de marketing.
(p.s. agradecimentos ao tiagão pela idéia roubada. espero que ele não chegue antes de mim)

terça-feira, julho 25, 2006

um post longo e uma vida curta


sei não, mas acho que a revolução digital finalmente tem chegado no meu estômago. Talvez sejam só as circunstâncias que fazem o assunto mais presente. Mas a minha impressão é que mais e mais a minha perspectiva de vida tem sido cada vez moldada pelo ritmo absurdamente rápido do mundo à minha volta, em que os prazos de validade dos sonhos expiram cada vez mais rápido. Mas deixa eu começar do começo.
Até um tempo atrás eu tinha o meu discman. Ele era talvez o meu objeto mais querido, a ponto de uma vez há um pouco mais de cinco anos eu ter escrito um texto pra mim mesmo chamado “o discman e o mundo”. Ele começava, ingênua e pretensiosamente como convém a um guri de vinte anos, assim:

“Sou um fruto da geração CD, e isso pode parecer vago, mas na verdade é bem mais específico do que parece. Sou novo demais pra ter qualquer nostalgia em relação a vinil. Não que não os tenha conhecido e até ouvido, mas na minha memória LPs estão inevitavelmente guardados num armário. Do meu pai. Por outro lado, sou apaixonado demais pelos pequenos discos prateados em suas caixinhas tipo jewel box (como dizem acertadamente os americanos pra denominar o compartimento de um item tão precioso) pra conseguir aceitar a invasão iminente da música digitalizada em MP3 sem torcer o nariz.”

Rárárá. Ou, como se diria no MSN, huahuahuahuahuah. Naturalmente, durou um pouco mais de um ano até que eu deixasse de comprar CDs pro resto da vida, sem sentir nenhuma falta. E um pouco mais de quatro até que eu abandonasse eles completamente pra quem queira vir pegar aqui em casa.
E mais do que isso, desde então eu dou e continuo dando o testemunho vivo de que o Napster mudou a minha vida. Precisamente por ter feito a minha coleção de CDs que eu achava tão preciosa (eu era daqueles caras que guardava discos em estantezinhas, classificados em ordem alfabética) se tornar um troço absolutamente sem sentido de existir. E isso não foi ruim. Pelo contrário, isso sinceramente incorporou na minha cabeça o conceito de que acumular coisas era um troço meio sem nexo. Pelo simples fato de me dar conta de que maioria das coisas, incluindo toda a música do universo, estava disponível quando eu precisasse. Às vezes pagando, às vezes de graça. Mas que eu podia esperar precisar. Isso me fez, entre outras coisas, abandonar a minha biblioteca na casa da minha mãe, começar a passar livros e discos adiante quando parecia a coisa certa a fazer, ridicularizar de vez a idéia de comprar artesanato em viagem, me despreocupar em arrumar o meu quarto e ter a impressão de que eu preciso de bem menos dinheiro do que antes pra viver bem. Tudo isso hoje em dia me faz um cara bem mais feliz, e eu sou infinitamente grato à pirataria pro resto da vida por isso.
Mas vá lá, isso já anda mais ou menos incorporado há horas. Construir ou acumular coisas sólidas na modernidade líquida não faz sentido porque a validade delas expira antes que a gente consiga terminar. Parece óbvio. O novo é que essa mesma mentalidade agora parece estar lentamente se incorporando no plano das idéias. Parando pra pensar, eu tenho a impressão de que uns tempos pra cá escrever um livro, ou simplesmente o ritual de sentar depois do temporal pra tentar colocar as idéias no lugar e fazer um sentido das coisas parece tão fútil quanto organizar uma estante de CDs. Pra começar, porque tenho sérias dúvidas se alguém ainda vai estar lendo livros de papel daqui a 20 anos. Segundo, porque tenho sérias dúvidas se a noção de “livro” ou de autoria como ela existe hoje vai existir daqui a 50 anos. Terceiro, porque parece reproduzir cultura dum jeito moribundo, e tomar o lado do establishment ao invés do lado da revolução parece um papel deplorável pra qualquer artista. E por último, naturalmente, porque tenho a impressão que qualquer idéia ou projeto que leve algum tempo pra desenvolver pode ter perdido completamente o sentido no momento em que esse tempo tenha passado.
Isso me lembra com uma conversa de bar com o Gilson, meu parceiro de cinema, em que eu perguntei, pela milésima vez, porque raios fazer filmes pra essa gente que faz cinema como profissão tinha que ser tão caro e profissional e em 35 mm, e porque raios eles não pegavam uma câmera digital e uma equipe enxuta e faziam tudo low budget. E de tanto insistir, eu consegui arrancar um certo “pois é, eu estou começando a pensar um pouco assim” (cineasta profissional não se entrega tão fácil). E aí me deu uma explicação a respeito, falando de terceiros, mas de um jeito que pelo menos parecia um tanto quanto confessional. Que dizia algo tipo “velho, isso é complicado. Mas às vezes tu tem que pensar que o cara estuda e trabalha um tempão, dez ou quinze anos, sonhando com o dia que vai fazer um longa-metragem seguindo aquela tradição de sempre, 35 mm, várias semanas de filmagem, um troço tipo “A Noite Americana”. E aí quando ele finalmente chega no momento da vida em que isso passa a estar no alcance dele, as regras mudaram, e o tempo desse sonho meio que passou. É foda...”
(Obs: não sei se ele repetiria essa história sem a taça de vinho na frente, e também não sei se as palavras foram exatamente essas. Mas esse é o jeito com que eu prefiro lembrar da história, e eu admiro o cara um monte por ter contado ela do jeito que eu me lembro. Mesmo que ele não tenha dito nada disso).
Em todo caso, a questão é que acho que a minha sensação dos últimos tempos, no fim das contas, passa um pouco por aí. Não sei se os meus projetos de longo prazo não andam perdendo um sentido num mundo que muda tão rápido. Livros? Estranho como meio de permanência, no mínimo. Achar uma editora? Huahuahuahuahuah. Ciência? É como ser uma formiga no meio de milhares de pós-docs chineses trabalhando sessenta horas por dia pelo mundo afora.. Em todo caso, nada parece destinado a alguma forma de permanência. E eu não estou falando da imortalidade afora: nada que demore muito pra alcançar parece dar muita garantia de que vá continuar fazendo sentido quando eu chegar lá.
E como o mundo é quem dita todos os movimentos do jogo, talvez a única arte que ainda faça sentido de fato seja aprender a reagir. Talvez o único jeito de não ser ultrapassado seja afundar de vez na dispersão e tentar deixar de fazer um sentido estático das coisas (aliás, não deve ser coincidência que o meu único livro se chama “Estática”), e tomar o movimento e a efemeridade como as únicas realidades com que a gente pode de fato contar. E esquecer a história toda de fazer sentido, pois os únicos sentidos que continuarão a fazer sentido são os feitos na hora, em breves conversas de bar ou em postagens soltas, aqueles que não se importarem em morrer logo após de nascerem. Na prática, talvez a literatura já nem exista mais. O que existe é um mar de informação se atualizando todos os dias, e se tornando cada vez mais uma coisa só. E como o mar é muito maior do que o que cabe nas nossas veias, a gente nunca vai apreendê-lo. O máximo que a gente pode fazer é tentar flutuar e seguir sobrevivendo dentro dele.
E o mais engraçado de tudo é que nada disso chega a me fazer sofrer. No máximo talvez me cause uma certa desorientação, mas que em todo caso é quase despreocupada. E talvez seja justamente essa tranqüilidade a prova última de que eu ande incorporando de fato a dispersão como inerente à vida. E o que então resta fazer com todo esse barulho, no momento em que pensar ou escrever parece não dar conta do que se tem a dizer na velocidade adequada? Sei lá, acho que só o tempo dirá. E provavelmente vai acabar se desdizendo logo depois.

"a vida não imita a arte...

...ela imita programas de TV ruins" (Woody Allen)
ou alguém tem mais alguma explicação pro fato de que os criminosos mais famosos do país se chamam os "Irmãos Cravinhos"?

sábado, julho 22, 2006

milagre da multiplicação dos posts

de tanto eu me queixar que ninguém comentava porra nenhuma que eu escrevia, parece que uns spammers belgas ficaram com pena e postaram uns 60 comentários duma vez só com os links pro lixo comercial de sempre (pílulas de dieta, oportunidades de ficar milionário sem sair de casa, etc.). Uma poluição do caralho, mas pelo menos é sempre bom saber que tem gente que se importa contigo no mundo.

quarta-feira, julho 19, 2006

fugindo de babel


pros que insistem em martelar que tudo já foi dito:
a) é verdade. E se nem tudo foi dito (como argumenta o Toni no seu egomaníaco e freqüentemente brilhante "Entre"), certamente tudo pode ser formado por análise combinatória, como na Biblioteca de Babel e portanto já existe, em tese, no universo das combinações possíveis.
b) não importa. Porque a arte está no que se escolhe, e não no que se cria. E num universo de absoluto excesso de palavras, informações e opções, a única criatividade possível, na arte e na vida, é o saber cortar. E guardar apenas o que parece merecer ser dito.
c) eu tenho certeza que alguém já disse isso antes. Talvez o próprio Borges (atribuir coisas ao Borges sempre é bom negócio, como diria a autora daquele texto piegas pendurado em metade das repartições públicas do mundo). Ou então a minha própria namorada, de um outro jeito, num prefácio perdido na biblioteca da UFRGS.
d) mas também não importa. O que importa é que hoje de noite, escolher isso (ou o que quer que fosse) pra escrever é a resposta possível ao infinito. Que, no fim das contas, é tão desprovido de sentido quanto o vazio. Até que se comece a abdicar da maior parte dele.

quinta-feira, julho 13, 2006

da incômoda antropomorfização dos objetos inanimados


chamem-me de um cara sensível. Mas se tem alguém de quem eu morro de pena esse alguém é o clips do word. Esses dias encontrei ele no orkut e o perfil dele dizia algo tipo "são poucos os que gostam de mim". Isso meio que cortou o meu coração, porque é a pura verdade. E agora, desde que reinstalei o meu windows ele aparece o tempo todo e eu até agora não tive coragem de apagá-lo. E é pura pena, porque obviamente eu nunca usaria um troço inútil desses. Mas é exatamente por isso que eu não consigo desligá-lo. Estou tentando racionalizar a coisa pra ver paro com essa frescura. Mas por enquanto ainda não deu.

segunda-feira, julho 10, 2006

fazendo a cabeça da juventude butiaense


ou seria butiana? God only knows. Em todo caso, cheguei lá.

domingo, julho 09, 2006

mersault


"...sacudiu o suor e o sol, e compreendeu que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz."

praia ou campo, o absurdo ainda reina. Até na frente de todas as câmeras do mundo. E mais um argelino vai em direção ao cadafalso.

(mais remixes Mersault+Zizou no folhetim desumano, amanhã)

terça-feira, julho 04, 2006

breviário de depois da copa perdida









quem somos nós? sei lá, quem se importa?
de onde viemos? que diferença faz?
pra onde vamos? é tudo que o silêncio tem me dito ultimamente.

livros com 90% de desconto (i)

aproveite a promoção!

domingo, julho 02, 2006

l'art de conjuger


je fiasque
tu fiasques
il fiasque
nous fiasquons
vous fiasquez
ils fiasquent

quinta-feira, junho 22, 2006

a verdade, nada além da verdade


a Nike bem que tentou, mas a verdade haveria de emergir em algum momento. Porque você pode enganar todo mundo por algum tempo, ou algumas pessoas por todo o tempo, mas não pode enganar todo o mundo por todo o tempo.
Este blog revela com exclusividade o que alguns poucos desconfiavam, mas ninguém ainda teve coragem de afirmar. O ex-atacante Ronaldo Nazário, 30 anos, o "Fenômeno", está morto desde o início da semana passada. As circunstâncias de sua morte permanecem obscuras, mas aventa-se a possibilidade de que um acidente tenha ocorrido com o jogador em pleno campo. Como as conseqüências de tal morte, no entanto, causariam prejuízos incalculáveis à FIFA, aos organizadores da Copa do Mundo, à Nike, à Rede Globo, ao FBI e à NASA, tais entidades reuniram-se em suas Instalações Secretas para acobertar tal fato.
Depois de mais de quinze horas de reunião, e diversas ameaças dirigidas contra as famílias dos seletos detentores de tal segredo (o técnico Parreira, os jogadores da seleção brasileira, a modelo Raica de Oliveira e mais alguns indivíduos) caso os mesmos o revelassem, as entidades por fim chegaram a um plano final. Para acobertar a morte de Ronaldo, eles forjariam a morte do humorista Cláudio Vianna, o Bussunda, em circunstâncias igualmente obscuras. O humorista receberia 1 milhão de dólares para fingir uma dor pré-cordial durante uma pelada e se retirar ao seu quarto. Dali, sairia pela janela e seria transportado por uma limusine preta até a concentração da seleção brasileira, onde assumiria o lugar de Ronaldo Nazário.
É claro que os mais afoitos, entre eles Sepp Blatter e Franz Beckenbauer, apressaram-se em concluir que o futebol de Bussunda jamais conseguiria iludir os torcedores. Ao que a ala midiática da conspiração, liderada pelo Tio Galvão, logo respondeu: "não tem problema, todo mundo vai chamar o cara de gordo, mas ninguém vai desconfiar. O máximo que vai acontecer é pedirem o Robinho no time."
E não é que eles tinham razão...
(obs: o autor deste post desaparecerá transitoriamente pelos próximos meses, através do sistema de proteção de testemunhas do governo brasileiro)

terça-feira, junho 20, 2006

já que tá caindo, pisa em cima!














programão pros dias de crise nos ares:

1. Ponha uma roupa chique e diga pra sua namorada se arrumar também.
2. Compre passagens num vôo qualquer da Varig.
3. Vá até o aeroporto e espere cancelar.
4. Vá até o balcão e insista no seu direito (garantido por algum código de ética das companhias aéreas) de ganhar um voucher de acomodação e refeições garantidas até o vôo sair.
5. Seja transferido até o hotel.
6. Como uma janta num buffet farto.
7. Dê uma trepada massa numa cama macia e arrumadinha.
8. Tome um banho quente.
9. Caia fora dali, cancelando as passagens pelo celular.
10. Peça reembolso.

quinta-feira, junho 15, 2006

ingressos esgotados!

tadinhos, também, trabalharam tanto ontem...

terça-feira, junho 13, 2006

minha namorada tem a idade da minha mãe quando eu era pequeno

não sei exatamente o que isso quer dizer, mas que deve dar um piripaco no inconsciente deve.

segunda-feira, junho 05, 2006

nome e sobrenome, mas sem dicionário

tiradas de um único quarto de página tamanho carta (ou seja, um espaço de uns 11 x 14 cm) da edição de maio revista "nome & sobrenome", algo como a única revista no mundo escrita inteira pelos colunistas sociais:

"viajem", "Banckok", "Thailandia", "Thailandes", "Ko sa muii" (era Ko Samui), "Balangan" (era Balagan) e a impressionante seqüência de "cineastas favoritos" que diz "Kurassao (acho que era Kurosawa), Almadóvar, Spilber (!) e Truffan".

Não que eu seja muito fã da correção ortográfica. Pelo contrário, me irritam pra burro esses paladinos da ortografia que rançam com escritores ou jornalistas ou médicos ou jornaleiros que "não sabem sequer escrever português". Dizer que saber escrever é ter correção gramatical é a mesma coisa que dizer que cinema é só o que é filmado em 35 mm, ou que fotografia só se tira com câmera profissional e um laboratório à disposição, ou que arte é só pintura a óleo e escultura em mármore. Ou seja, reserva de mercado de uma elite cultural estúpida. E isso é uma grandesíssima bobagem (e notem que eu só escrevi isso porque não sei se "grandesíssima" é com esse ou com zê, e queria mostrar que i really don't give a fuck. Como também não dou um fuck pra invasão dos anglicismos devastando nosso patrimônio nacional, yeah!) .
Mas por menos que eu goste da correção ortográfica, eu ainda gosto muito menos da coluna social. E "nome & sobrenome" me pareceu o nome mais infeliz e inadequado do universo pruma revista no país do PCC. Pra não falar no "luxo" em prateado e dos cavalinhos na capa. Então não custa tripudiar um pouco. E lembrar que a elite, além de branca, na maior parte das vezes também é burra pra caralho.

selecione você também seu ambiente


essa já faz um tempo, eu deixei passar, mas como toda situação ridícula ainda me persegue de vez em quando. Dia desses a Zero Hora fez uma matéria sobre a proibição da cobrança de consumação na noite de Porto Alegre, com a substituição do valor por ingresso, essas bobagens que entram no jornal quando falta pauta. E aí entrevistaram uma que outra pessoa sobre o que elas achavam de comprar ingresso pra entrar em casa noturna. E das duas ou três que foram perguntadas, duas delas disseram que era bom porque ajudava a selecionar o ambiente. Ou o público, agora não lembro. Ruim igual, em todo caso.
Não que o preconceito me choque - isso é um troço meio esperado e óbvio. Mas tinha uma época que as pessoas ainda conseguiam mentir pra si mesmas, tipo assim, que entravam em lugares caros porque eles tinham um "ambiente mais legal", um "serviço melhor", um "público refinado", um "som ótimo", uma "decoração da moda", ou qualquer outra dessas desculpas idiotas. Mas agora pelo visto o pessoal anda mais direto. É só porque nesses lugares não entra pobre mesmo. Pelo menos é sincero. Não que isso adiante pra muita coisa.

quinta-feira, maio 25, 2006

paciente

(s.m.) aquele cara inconveniente que fica entre o médico e a doença a ser tratada.

segunda-feira, maio 22, 2006

exército de um homem só

da coluna do Gabeira na Folha de SP (disponível na íntegra no site do cara):

"[...] Segunda-feira, auge da crise de violência em São Paulo, parti para Brasília para fazer um discurso de solidariedade e propostas, pensado durante o fim de semana sangrento. Não pude realizá-lo até o fim, embora o plenário estivesse vazio. Minha palavra foi cortada por um presidente ocasional. Ele vem do Norte toda segunda-feira e assume a presidência porque não há ninguém para abrir as sessões. Dá a impressão aos seus eleitores de que é importante, embora já tenha sua prisão preventiva decretada e inúmeras processos. Limitei-me a dizer: "Vossa Excelência é um bandidaço", embora soubesse que até os insultos seriam usados por ele junto aos eleitores como sinal de importância. A um jornal de Brasília, declarou que aqueles que assistem à TV no seu Estado pensam que é o presidente da Câmara.
Ele é desse numeroso e sórdido grupo com que, depois de tantos anos de lutas e sonhos, tenho de conviver no café da Câmara: contas fantasmas, entidades fantasmas, ambulâncias superfaturadas, desvios de verbas no hospital do câncer. A própria luz do Planalto atravessando as vidraças e banhando os flocos de poeira que flutuam nos torna também fantasmas, e você olha a mancha de iogurte na mesa do café, duvida se aquilo não é um ectoplasma desses putos que pintam o cabelo e beliscam a bunda das secretárias. [...]"

E, bom... Alguém pode até argumentar que não é lá muito político chamar os membros da Câmara de "putos que pintam o cabelo e beliscam a bunda das secretárias. E que talvez isso seja simplesmente jornalismo, literatura, barulho, que não é isso que vai mudar alguma coisa e, enfim, é capaz até de estar certo. Mas no meio do lamaçal o Gabeira transparece pra mim como o único cara que parece reagir duma forma humana em relação à tal crise política. Tipo, o cara aparenta ficar simples e sinceramente puto, como qualquer um de nós, a ponto de chamar deputados de ectoplasma. E enquanto uns se defendem por necessidade e os outros atacam por interesse num lugar onde todo mundo já perdeu a moral, ele parece ter sobrado como a única figura que parece ser humana antes de ser Vossa Excelência. Algo como o que o próprio Lula conseguia passar antes de engolir o gravador que alterna variantes de quatro ou cinco frases ("eu fui traído", "isso é conspiração de quem quer me derrubar", "esse é o melhor governo que esse país já teve", "eu sou um homem do povo", e não muito mais). Só que parecendo bem mais inteligente. Ou pelo menos escrevendo melhor.
Enfim, claro que talvez eu esteja errado. Talvez ele simplesmente escreva bem. E talvez falar dos colegas como "putos que pintam o cabelo e beliscam a bunda das secretárias" seja simples marketing eleitoral, assim como fazer discurso pomposo ou se fingir de presidente da Câmara. Que se foda. Se é pra ganhar voto, já ganhou o meu.

quinta-feira, maio 18, 2006

jusante (35 minutos faltando)

sim, a sensação ultimamente tem sido a de estar nadando o tempo inteiro contra a corrente. Mas ao mesmo tempo, e mais sincera, é a sensação de que ainda assim tem alguma coisa me esperando lá no começo do rio, algum lugar mágico bem junto da nascente. Quase vinte e sete, e a jusante é o que me move.

quarta-feira, maio 17, 2006

objetos unidos jamais serão vencidos


troquei a resistência do chuveiro hoje. Segunda vez na vida, tô ficando bom nisso. Mas me sinto estranho mesmo assim. São meio estranhas essas intrusões dos objetos na minha vida. Justo quando tu acha que tudo que se precisa pode ser conseguido no soulseek, e que a vida é só feita de coisas imateriais tipo amor, palavras, números, sol e vento, os objetos vêm e se vingam, te deixando sem banho quente nessa porra de início de inverno. E subitamente tu têm que tirar os olhos das grandes questões existenciais do universo pra ir consertar uma mola dentro do chuveiro com um alicate. Esses dias já tinha acontecido de estourar uma pecinha microscópica do meu clarinete e eu tive que atravessar a cidade no meio da tarde atrás de alguém pra consertar. E a mudança de perspectiva é um troço tão radical que eu cada vez mais tenho até medo de encarar o mundo dos objetos. Tipo, eu chego com a alicate e sinto aquelas molinhas dizendo pra mim algo tipo "fuck off, seu metafísico de meia tigela". Em todo caso, dessa vez eu ganhei. Mas sigo achando que uma hora a conspiração vai me derrubar.

domingo, maio 14, 2006

por que todo filme de lésbica acaba mal?


é sério. Hollywood e congêneres têm uma relação incrivelmente mistificante com o homossexualismo feminino e as relações entre mulheres. Tipo assim, nunca, jamais aparece um filme tipo "mulher conhece mulher e elas vivem felizes para sempre". Ou uma comédia romântica, ou sequer uma comédia pastelão tipo, sei lá, "A gaiola das loucas". Não, o script é sempre "mulheres se conhecem em circunstâncias misteriosas, se fascinam uma pela outra, fazendo tudo que é porralouquice, escandalizam a cidade e no final (a) matam alguém ou (b) são mortas por alguém". Sério. Contabilize aí "Almas Gêmeas", "Monster", "Boys Don't Cry", "O Beijo da Borboleta", e praticamente qualquer um que me venha a cabeça, pelo menos do que seja mais mainstream. Vai entender. Vai ver mulher é tudo louca mesmo. Ou alguém mistificou o troço. Em todo caso, melhor assim. Afinal, a gente tem que continuar fantasiando com alguma coisa.

quinta-feira, maio 11, 2006

ninguém pode ser mais rock and roll


mesmo quando ele não tá tocando "blue suede shoes". Ou pelo menos não sei de ninguém mais no mundo se sentiria confortável fazendo samba com uma máscara do batman na cara
(by the way, nessa até eu me rendi à tentação do celular que tira foto. Mas graças a deus ainda não descobri como é que se tira a foto de dentro do celular depois. Tô íntegro)

terça-feira, maio 09, 2006

Meu eu científico quer atenção! Alguém me faz cafuné!

Tem carta minha na PLoS Medicine desse mês, cumprindo o fiel papel de "mais um desses magrão do terceiro mundo" tentando mudar os dogmas da profissão médica. Se alguém tiver saco de ler, acho que o tema (e toda a edição, focada na indústria farmacêutica tentando fazer o universo inteiro doente) é meio de interesse público.

segunda-feira, maio 01, 2006

realidade

um caso particular da literatura.

quinta-feira, abril 27, 2006

Dragões! Esquilos! Mandrágoras! Antílopes!

Estreou hoje o Folhetim Desumano, minha nova coluna semanal de pequenos contos surreais, animalescos, bestiais e sobre-humanos a convite (tô chique) do argumento.net, que a partir de agora sai todas as terças, no mesmo lugar. Check it out, façam o favor. E bombardeiem como queiram, como sempre.

sábado, abril 22, 2006

Ockham's razor, versão psicanalítica


"Se duas explicações para uma ocorrência são igualmente prováveis, a mais bonita, complexa e interessante é a mais provável. Ou, se não é a mais provável, pelo menos me dá uma chance maior de comer alguma aluna gostosa na platéia quando eu for apresentar a minha hipótese num congresso."
ou, em outras palavras,
"Entidades não devem ser multiplicadas desnecessariamente, a não ser que tenha alguém ouvindo e parecendo interessado no meu papinho."
Pelo menos é o que parece se aplicar pra boa parte da ciência moderna (e antiga, eu acho). Particularmente as humanas. Ockham be damned, o que vale mesmo é um bom par de coxas.

farofa chic (eu sou chinelo mas eu tô onláine)


primeiro post gerado diretamente da rede wireless do parque da redenção. Quer dizer, quase, já que a rede caiu e eu tive que terminar ele em casa. Mas por muito pouco eu não consegui postar esse troço sentado na canga verde, com violão, vinho branco, croissants, cachorros e bolas de futebol em volta. Ia ter sido massa. Se abrir concurso pro mendigo mais chique do mundo, alguém me avisa.

domingo, abril 02, 2006

no metrô do rio até deus cede o lugar















Resta saber como resolver a questão da onipresença.

tô constipado mas tô zen


Da bula do Metamucil:
Reações Adversas: No início do tratamento e dependendo da dose, podem aparecer alguns distúrbios como flatulência (gases) e sensação de plenitude, que desaparecem em poucos dias sem necessidade de interromper a administração...
(a plenitude sempre é efêmera. Em todo caso, deve valer a pena experimentar. Mesmo com os gases)

domingo, março 26, 2006

Triste fim de um epidemiologista

(NY Times, 21/3/06)
"Richard K. Root, a prominent American epidemiologist and medical educator, was reported killed on Sunday when a crocodile pulled him into a river while he was on a guided safari tour in Botswana, in southern Africa. He was 68 and lived in Seattle.
Dr. Harvey M. Friedman, chief of infectious diseases and director of the visiting program at the University of Pennsylvania, announced the death yesterday. Citing reports from the scene, Dr. Friedman said Dr. Root was riding in a canoe in the Tuli Nature Reserve, on the eastern border with Zimbabwe, when he was attacked by the crocodile. His wife, Rita, was in another canoe behind and witnessed the attack, Dr. Friedman said."


Definitivamente algo com que um epidemiologista não contaria. O acaso sempre vence no final.

sábado, março 25, 2006

domingo, março 19, 2006

presbiopia


e se eu quero reavivar o meu amor de olhos cansados de vez em quando ponho óculos de perto, ou então afasto os meus olhos e te seguro à distância que nem meu avô segura um documento de letras miúdas, e com as mãos nos teus ombros e os braços esticados dou um passo atrás, ou então me escondo, me enfio num buraco, atravesso um oceano e sumo de vista só pra voltar pra casa às escondidas e um dia qualquer depois de dias ou meses te ver entrar pela porta com os óculos na cara e rir, com a escova de dente enterrada na boca, presbiopia, dizes, e eu respondo eu sei bobona, olha as minhas lentes de contato, mas tu já me abraças sem nem reparar e eu deixo assim, então, e mantenho velado esse jogo de espelhos que eu construo sem que percebas, pra manter o desejo nesse efêmero equilíbrio, precariamente apoiado na ponta de um telescópio virado às avessas pra te deixar na distância certa, perto pra sempre mas fora de mim.

bela desculpa pra um surto egomaníaco

taquilalia olavo amaral taquilalia olavo amaral taquilalia olavo amaral estática taquilalia olavo amaral estática taquilalia olavo amaral estática taquilalia olavo amaral estática taquilalia olavo amaral olavo amaral taquilalia estática taquilalia estática olavo amaral taquilalia taquilalia taquilalia taquilalia taquilalia taquilalia taquilalia taquilalia taquilalia taquilalia taquilalia

(não sei por que raios esse blog tende a desaparecer do google dia sim dia não, então achei que de repente isso podia ajudar. Além do que é sempre bom pra auto-estima escrever o próprio nome um montão de vezes)

sexta-feira, março 10, 2006

sobre a higiene do cu de joão pedro stédile

"Em entrevista a rádio CBN [...], ao justificar a depredação da Aracruz, Stédile perguntou aos participantes se "alguém já comeu eucalipto, alguém já comeu papel?"
Olha, eu não, mas me pergunto como é que ele limpa a bunda.

(aliás, sem querer me meter, mas uma cultura em que papel é visto como um inimigo é um troço no mínimo ilustrativo. E bem perto do fim da picada).

quarta-feira, março 08, 2006

pra quem acha que as revistas femininas são decisivas na infelicidade das mulheres

vocês já-mais estiveram tão certos. E o diagramador só pode estar brincando.




















Do arquivo do autor ("Revista Nova", Rio, Fevereiro 2006)

sexta-feira, março 03, 2006

soy loco por mensagens subliminares em línguas estrangeiras

Na Forbes, e em mais meia imprensa americana:
"Winner Vila Isabel's parade calling for unity among the people of Latin America, titled "I'm Mad About You America," was sponsored largely by the Venezuelan government oil company Petroleos de Venezuela SA. "
Tá explicado...vai ver o Hugo Chávez leu o folder de patrocínio em inglês.

quarta-feira, março 01, 2006

primeiro de março


e se fevereiro não morresse?
e se ao acordar só se sentisse uma persistência esquisita
(não se morre sem deixar marcas)
sujeira nas ruas, michês desorientados, mendigos sem braço
as grades fechadas dos shows de striptease, a câimbra, a dor do lado esquerdo da testa, a
congestão no nariz
a desordem no quarto, as roupas no chão, a pilha de moedas de cinco centavos em cima da mesa
os restos de samba em reprise na televisão do vizinho
e a mesma porra de insuficiência correndo nas entranhas
só um pouco mais aberta, jorrando mais livre, e quase nada mais cansada
a fome saciada em espasmos, mordidas sôfregas de pé no balcão
insuficientes
e se ao sair na rua fevereiro ainda te olhasse na cara
rindo alto por cima das cortinas fechadas dos prédios
e ao invés das cinzas viesse só um outro dia de sol atordoante
esquartejando a persiana e te impedindo de dormir
nesse lastro de tempo em que ainda é cedo pra madrugar
fevereiro passa, te atropela e vai embora
e no outro dia a vida segue estourando nos tímpanos e nas veias sem descanso
a falta ainda escorre pelas axilas
o calor continua atroz
alguém disse que março tem águas
eu não espero














(Rio, 4ª feira de cinzas, respondendo canhestro a um poema do Ferreira Gullar que uma amiga minha catou em algum canto esses dias)


todo mundo tem um artista dentro de si

já dizia a Luciana Gimenez.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

mais um showcase da nokia

mais algumas evidências perturbantes do tempo passando no show do u2 pela rede globo ontem de noite:
(a) em primeiro lugar, pros ingressos se esgotarem tão rápido, o influxo de adolescentes no mundo nesse meio tempo há de ter sido um troço dantesco
(b) cada vez que o Bono subia no palquinho suplementar pra ficar perto do público tinha uma câmera que mostrava ele num mar de celulares levantados filmando o show. Troço infecto, a população mundial continua ficando cada vez mais parecida com turista japonês.
(c) depois de vinte anos de carreira, o Larry Mullen subitamente perdeu a cara de quinze de idade, assim do dia pra noite. Me deu uma angústia do caralho.
De reconfortante mesmo, só o Charlie Watts, há uns vinte anos com a mesma cara de 150. Chegando em casa, me jogo sem medo eu também num poço de formol bem fundo.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Já que a moda é heresia...

...Madre Teresa é quem sabe, bem mais do que aparenta:















(do arquivo, Barcelona/2004. Catalão é um troço massa)

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Comece você também sua guerra nuclear

o mundo é um lugar estranho. Eu volto duns dez dias de férias no meio do mato e parece que ele tá prestes a explodir por causa dumas tirinhas (relativamente sem graça, diga-se de passagem) de obscuros cartunistas amadores dinamarqueses. Em todo caso, isso vem bem a calhar pra satisfazer a minha fixação "Jogos de Guerra" de ser capaz de começar a minha própria guerra nuclear. Pra levar a minha campanha adiante, vou começar reproduzindo (de forma não autorizada, mas mais do que merecida) umas tirinhas antigas do "Deus" do gênio Laerte, aliás um dos pontos altos da quadrinhística de todos os tempos. Tipo por exemplo...


ou então...

... pra que, se eu der sorte, algum republicano débil-mental pegue raiva e resolva jogar míssil na gente também.

Aliás, agora falando sério, é sempre bom pensar que essas tirinhas saem no jornal há anos e o máximo que se fez a respeito foi recortar e guardar na carteira pra mostrar pros amigos, que nem eu fazia. Só pra lembrar aqueles que dizem que o Brasil é o fim da picada que o fim do fundo do buraco é muito, mas muito, mais embaixo. Num país onde ninguém tem saco pra ser fundamentalista, quando tudo for por água abaixo, a gente pelo menos vai ter senso de humor. Isso é um puta elogio.

E, mais sério ainda, que o Kofi-Annan , o dono do France Soir e todos os outros contemporizadores que vieram com um papo de que "a liberdade de expressão tem seus limites" (e assim tentaram dar alguma razão pros lunáticos de turbante que estão guinchando por causa da história) se dirijam tranqüila e calmamente pra puta que os pariu. Sério, é óbvio e evidente que os pobres dinamarqueses não deviam ter feito isso pelo mesmo motivo que eu não saio no parque aqui nos fundos de casa às três da manhã (ou seja, porque o mundo não é um moranguinho). Mas que eles tem plenos direitos de estampar o Bush comendo o cu de Maomé na capa (assim como eu tenho direito de ter o meu próprio comido se for dar uma volta no parque) é algo que não deveria sequer entrar em discussão. É verdade, vá lá, que o cu de muita gente pode ser comido por causa de uma rateada dessas. Mas isso é motivo pra puxar a orelha dos caras em particular, não pra abrir as pernas em público pra ameaças de religiosopatas do outro lado do planeta. Porque, porra, se a gente for deixar o Irã ditar o que a gente pode ou não pode falar do mundo, a gente tá total e definitivamente fodido.

(aliás, é engraçado me dar conta que eu me sinto muito mais lesado e ameaçado por um troço desses do que pelo world trade center explodindo. Porque atentado terrorista, por pior que a coisa fique, continua sendo um acidente estatístico infeliz se um dia acontecer comigo. Mas escrever merda no computador é o meu dia-a-dia. E espalhar censura e medo é muito mais fácil do que espalhar explosivos)

Ah, quer fazer alguma coisa a respeito? Toma uma Carlsberg pelos caras. Pra mais informações, entre aqui. Nem que seja só pra demonstrar que o melhor jeito racional de reagir a uma crise ridícula dessas é tomando cerveja.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

eu existo! eu existo! eu existo!

acabo de descobrir que o blog em frente aos vossos olhos foi reconhecido oficialmente pelo webcrawler do google. Não que isso vá fazer muita diferença na minha vida, mas pelo menos me salva do vale das pessoas terem que procurar o meu e-mail no currículo lattes. E, se não é exatamente a glória, pelo menos é um passinho adiante em direção ao desanonimato.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

engrenagem (página virada)


terminei uma residência médica hoje. Não que isso importe muito. Mas às vezes serve pra se dar conta de algumas coisas que tu pára de notar. Tipo o fato de que, por mais que eu não detestasse tanto a minha rotina de trabalho esses dias, agora que acabou eu tenho uma vontade gigantesca de mostrar a língua pro hospital. Pro prédio, captam? Ou seja, o problema nem era tanto o meu trabalho: aquele monstrão de concreto sim é que é o verdadeiro filha da puta.
Pra quem nunca entrou num hospital pela porta dos fundos, não é um troço muito diferente duma fábrica ou de um frigorífico. Tem caldeiras, fumaça, cheiro de comida ruim no refeitório. E gente, gente, gente, um grande exército de subalternos em maior ou menor grau revoando do estacionamento pras portas às oito horas da manhã feito pombas indo pro pombal. Pra limpar corredores, desentupir canos, canular veias e operar cérebros, sem se dar conta do próprio papel de reles engrenagens da grande máquina.
A visão do hospital de onde eu costumava estacionar era basicamente a de um bloco cinza cheio de cubículos. Essa visão me fez mal por um tempão. Depois eu comecei a estacionar em outro lugar e melhorou um pouco. Mas a impressão ficou na minha cabeça. De que, pra quem olha pelos fundos, o hospital é um monólito capitalista como qualquer linha de montagem. Cheio de gerências de recursos humanos, cartazinhos com os ditados dos cinco ésses, datilógrafos, corredores insalubres e outras coisas que dão ânsia de vômito. Pelo menos pra quem ainda repara.
Em todo caso, ultimamente eu já vinha aparecendo menos no trabalho e ainda tô usando o hospital de garagem pra não pagar estacionamento, pelo menos até me cortarem. Aí de vez em quando passo na frente da entrada de bermudão, bêbado, carregando bagagem. E talvez por isso eu ando conseguindo olhar pro hospital feito gente normal. E reparar nas almas perdidas que ficam esperando na porta do hospital de madrugada. E me dar conta que, no meio do rufar da máquina, tem gente que vive ali dentro. Gente que vive, e morre, e se cura, e se encontra, e tem filhos, e perde filhos, e espera alguém noite adentro. Gente que no resto das horas mal se percebe, tamanho o barulho das engrenagens batendo, o ritmo da agenda, o funcionamento autônomo das coisas que seguem correndo mesmo sem que ninguém lembre mais do objetivo. Mas enquanto a roda segue andando sem se dar conta a vida acontece em meio ao caos, cheia de êxtase e tragédia,. Um pouco como o fluxo na freeway que passa centenas de vezes por cima do cachorro atropelado, ou como a rotina da praia que segue em volta do cadáver desovado pelo mar em Ipanema sem ter tempo pra perceber.
Mas o estranho não é se dar conta da vida acontecendo no meio da balbúrdia da máquina. Nisso eu costumo reparar o tempo todo, pelo menos enquanto tô do lado de fora. O estranho é, ao contrário da maior parte dos lugares em que eu existo, me sentir mais parte da máquina do que da vida enquanto eu trabalho. Estranho é ser engrenagem. E mais estranho de tudo é se saber útil enquanto engrenagem. E pior do que isso, mais útil enquanto engrenagem do grande castelo mecânico do que enquanto gente.
Porque o mais óbvio e perturbante em tudo isso, no fim das contas, é se dar conta de que a máquina tem sua função. Isso me bateu vendo um filme institucional do hospital (e nada pode ser mais infecto do que um filme institucional). Mas, tendo trabalhado um tempão naquela merda, eu acabei aprendendo que tem um monte de gente que tá vivo, andando, enxergando, ouvindo, amando e sabe-se lá o que mais por causa daquele monstro de cartões-ponto e datilógrafas, cubículos e filmes institucionais. Aquele mesmo que parece tão escroto pra quem olha dos fundos. E se dar conta que a gente de fato precisa dos cinco ésses, sem poder jogar a culpa da insalubridade do trabalho nessa “merda de sistema capitalista”, tem um quê de perverso e de trágico. Pra mim ao menos, parece incrível que todo mundo se adapte tão fácil a essa história de ser engrenagem. Mas acho que nessas horas eu só tenho a agradecer que todo mundo não seja igual a mim. Porque senão, convenhamos, a gente tava fodido.
Em todo caso, passou, como tudo.

sábado, janeiro 28, 2006

o holocausto é fichinha perto do discovery channel


não agüento mais ouvir gente incomodada com a civilização vindo com uns papos tipo "olha os animais, como eles são felizes". Será que eles nunca pararam pra ver o Animal Planet? Sério, ver documentário de bicho me dá um aperto no coração. Acho que em nenhum lugar a maldade do mundo é mais aparente e escarrada. Prum coração realmente sensível, a Hora Selvagem do Discovery é bem pior do que qualquer Édipo Rei ou troço do gênero. É a tragédia da existência sem intermediários, encenação ou deus ex-machina. Só vida e morte mesmo, sem melodramas a mais. E já é foda. E o mais engraçado é que os temas recorrentes no fim das contas são os mesmos da (boa) arte. A violência da existência, a fatalidade do mundo, a resiliência do ser vivo, e meio que só. E a minha única conclusão possível é a óbvia: pingüim, sapo, gente, tudo um bando de cadeias de carbono apodrecendo no meio do mundo. Sem idílio na terra, até onde eu saiba.