sábado, dezembro 29, 2007

evidência indireta em favor da última frase do post abaixo

atabalhoantes noventa por cento dos visitantes que entraram neste blog via google nos últimos dias têm passado por aqui atrás de "frases pra botar no perfil do orkut" ou variantes sobre este tema. Suponho que pra preencher o quesito "quem sou eu". É sério. Confiram a estatística aqui.

da série "grandes verdades sobre a existência feitas em casa" (# 28 - para uso em mesas de bar, formaturas e mensagens de fim de ano)

no fundo a vida é que nem um fliperama. Todo mundo tá jogando o tempo todo, mas o cara do teu lado nunca tá jogando o mesmo jogo que tu.
parece óbvio, mas tem um monte de gente que demora à beça pra se dar conta disso.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

ciência é dispensável, couro é fundamental


antes tarde do que nunca, gostaria de manifestar minhas saudações à câmara de vereadores de Florianópolis pelos imensos esforços para manter viva a milenar tradição gaúcha de fazer chacota com o QI médio dos habitantes da Ilha de Santa Catarina. Proibir a experimentação animal com uma lei municipal já é um ato risível por si só, por uma penca de razões expostas uns dois ou três posts abaixo deste. Fazê-lo com base num projeto de lei proposto por um empresário do ramo do couro (proprietário da nobre Indústria e Comércio Artefatos de Couro Deglaber Goulart, Ltda.) é ainda mais risível: suponho que a mensagem aí seja a de que "ciência é dispensável, mas coleira de cachorro feita de couro é fundamental pra civilização." Mas ouvir esse pessoal falando mentiras escabrosas e obviamente absurdas no ar praticamente não tem preço. Agora tiraram o arquivo de áudio com a entrevista do cara do site do clicrbs, mas eu cheguei a ouvir e era um troço tipo "Como não existe alternativa para o uso de animais? Nós temos dois computadores na universidade! (...) Noutros países, como os Estados Unidos, e até em alguns da Europa, isso já foi abolido há anos. Teremos que submeter os animais ao sofrimento, utilizando um modelo ultrapassado, da Idade Média?". Não sei se isso representa uma mentira deliberada ou um grau assustador de desinformação. Mas consegue ser engraçado das duas formas.
em todo caso, mesmo chegando tarde à discussão, gostaria de agradecer sinceramente aos vereadores de Floripa por essa singular maneira de divertir um cientista no exílio. Afinal, tais demonstrações raras de apreço pelos preconceitos da população dos estados vizinhos hão de permitir que o pessoal no Rio Grande do Sul continue tendo motivo pra rir à beça do vosso estado pro resto da vida. Espero que vocês continuem sempre assim, colocando o humor dos gaúchos em primeiro lugar em suas decisões. E espero também que a mania não pegue, e que alguém com um mínimo de bom senso lá em Brasília resolva cortar esse tipo de iniciativa estúpida rapidinho.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

não achei a madeleine, mas...


... o saldo da arrumação do porta-malas e interior do meu carro (Monza 95 GLS "Pol Pot", aquele que carrega não só um cadáver mas um genocídio inteiro no porta-malas) após dez anos de uso consiste no seguinte inventário:

- 1 página de roteiro de animação
- 1 guia de conversação em francês
- 1 comprovante de estacionamento do Grêmio
- 1 colar
- 10 CDs
- 3 tesourinhas de unhas fechadas na embalagem (esse é o item mais incompreensível de todos)
- 4 canetas
- 1 lanterna em miniatura
- 1 capa para iPod
- 1 pilha palito, possivelmente usada
- 1 estilete na embalagem
- 1 etiqueta de preço do lançamento do meu livro há dois anos atrás
- 2 fronhas de travesseiro mofadas
- 1 par de meias sujas
- 4 malas tipo sacola
- 1 sacola de roupas da minha namorada, contendo:
- 1 casaco
- 3 calças
- 3 blusinhas
- 2 calcinhas
- 1 par de meias
- 1 manta
- 1 blusão de lã meu
- 1 calça de origem desconhecida
- 12 exemplares do meu livro de contos
- 4 livros de outros autores
- 1 cola superbonder na embalagem
- 2 sacolas de papelão
- 2 sacolas plásticas
- 1 colchonete
- 1 exemplar da revista "Nome & Sobrenome"
- 2 seringas
- 1 componente de gaiola para roedores
- 1 HD externo não funcionante
- 1 lençol sujo
- 1 lençol novo, na embalagem
- 3 prendedores de roupa
- 2 tigelas plásticas
- 6 fitas VHS contendo filmagens de ratos epilépticos
- 1 exemplar encadernado de tese de doutorado
- 1 saco contendo rascunho da mesma tese
- 1 pacote de algodão
- 1 par de anteninhas de marciano de cor rosa
- 1 guarda-chuva
- 1 daruma
- 2 pares de chinelo
- 1 sundown fator 15
- 4 chaves
- 1 lápis ridículo de borracha
- 1 garrafa de água mineral com gás meio cheia, com canudinho
- 80 centavos em moedas
- Uns 50 laudos de ecografia abdominal
- Pelo menos um ano da história do mundo em jornais

em resumo, somando tudo, acho que vale bem mais do que uma pirralha inglesa seqüestrada.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

últimos dias de porto alegre

na real sempre achei essa coisa de postar clipes de música um ato ridículo de tietagem. Mas é um pouquinho como se o espírito do Tom Waits tivesse feito uma música sobre o meu último mês de vida e encarnado num corpinho mais desejável só pra cantar ela pra mim. Então eu simplesmente não tinha nada melhor pra dizer sobre esses dias de verão.

sexta-feira, novembro 30, 2007

terça-feira, novembro 27, 2007

frases para botar no perfil do orkut depois que uma bomba de nêutrons tiver varrido todos os gerentes de RH da superfície do planeta (i)

até uns tempos atrás volta e meia alguém batia na porta desse blog digitando a pergunta "frases para botar no orkut" no google. Suspeito que esse pessoal procure algo pra responder àquela incômoda perguntinha "quem sou eu?" que fica do lado da fotinho. Bem, amigos adolescentes, se vocês querem respostas prontas, aqui vai a minha sugestão do dia, para o delírio dos setores de recursos humanos de todo o mundo...
"Já exerci quase todos os misteres deste mundo, desde o de deputado até o de cáften profissional, mas ainda me falta encontrar aquele que assente como uma luva ao meu temperamento profundamente humano e que talvez ainda esteja por inventar: algo assim como o de um descobridor de terras e de mares que não fosse obrigado a sair da cama, já que o ócio me parece ser a primeira das virtudes teologais." (Campos de Carvalho, A lua vem da Ásia)

sexta-feira, novembro 23, 2007

considerações sobre o almoço de fim de ano da empresa em que você trabalha


o ímpeto infantil de brincar é um dos grandes mistérios do mundo. Como é que um troço que faz com que uma criança gaste milhares de quilocalorias correndo dum lado pro outro, se perca, se suje, suma da vista dos pais, coma terra, minhocas, tênias, caia tombos, esfole os joelhos e bata a cabeça em quinas de mesa a cada meia hora (e isso tudo num ambiente zilhões de vezes mais protegido do que aquele em que a nossa espécie evoluiu originalmente), pode ter sido selecionado tão fortemente na evolução a ponto de estar invariavelmente presente em qualquer criança (pra não falar em cachorros, leões, golfinhos e mamíferos evoluídos em geral). E sentado na mesa do almoço enquanto os pirralhos sobem em cima dela, fico pensando que se a idéia é a de que a vontade de brincar faz com que a criança explore o mundo e por isso fique mais inteligente, o troço há de realmente funcionar. Caso contrário não justificava tanto tombo.
enfim, era só pra dizer que no fim das contas não é de se estranhar que as pessoas emburreçam tanto quando param de brincar. E os que conseguem envelhecer sem perder o jeito da coisa sejam os gênios de verdade. Longa vida ao homo ludens.

mais divulgação com amplo conflito de interesse


e era isso, na verdade. A primeira vez que eu assisti foi num porão do Julinho, e foi absolutamente claustrofóbico. Depois vi numa noite escura e fria no teatrinho minúsculo do Museu do Trabalho, com uns barulhos angustiantes e um espaço um pouquinho maior, mas não muito. Agora tá no Câmara. Assistam logo antes que chegue no Sesi ou no Madison Square Garden, porque é o tipo da coisa que funciona bem melhor em lugares pequenos e hostis.

segunda-feira, novembro 19, 2007

comentários derradeiros sobre homens e ratos


bom, depois de ter deixado um comentário verdadeiramente puto nesse blog, e de através de e-mails e cartinhas ter dado minha contribuição pro circo das cobaias pegar fogo (às vezes demais), resolvi que talvez fosse melhor me acalmar um pouco e, nem que seja só dessa vez, escrever que nem adulto pra tentar expressar um ponto de vista racional a respeito de experimentação animal. Acho que assim talvez a gente possa levar adiante um debate menos passional e mais passível de resolver pela razão. Então aí vai a minha melhor tentativa.

em primeiro lugar: sim, o sacrifício de animais de outras espécies, contra a vontade dos mesmos, em benefício da nossa própria é cruel. Isso é óbvio, e acho difícil que mesmo o mais ardoroso defensor da experimentação animal conseguisse negá-lo.

o problema todo, no entanto, é que não é só o uso de cobaias que é cruel. A natureza, ao contrário do ideário romântico de algumas pessoas, é extremamente cruel. A condição humana, de nascer, envelhecer, morrer e apodrecer é igualmente cruel. E se a gente explora os ratos em nosso benefício é em larga parte pra evitar que as bactérias, vírus, parasitas e células tumorais explorem os nossos corpos em benefício deles. Então sim, sacrificar cobaias é uma crueldade, mas é uma crueldade racionalmente escolhida e assumida pra evitar outras formas de crueldade que nos atingem mais diretamente.

em segundo lugar: concedo que a decisão por esta forma de crueldade em detrimento das outras é inargumentavelmente arbitrária. E que o ponto de vista oposto, de que o sofrimento de um indivíduo, não importa de que espécie, seja equivalente, e portanto não se justifica sacrificar milhões de ratos pra tentar prolongar as nossas próprias vidas em alguns anos é igualmente válido. E sou da opinião de que a discussão entre um e outro ponto de vista é inútil, posto que são duas posições eticamente concebíveis que dependem de valores pessoais que cada um, e apenas cada um, pode determinar para si. Então não existe argumentação lógica possível que possa resolver essa questão.

apesar disso, no entanto, me parece que existe uma diferença muito grande entre as pessoas que defendem cada um desses pontos de vista, que é a coerência dos atos de cada lado em relação à posição assumida. As pessoas que defendem a experimentação animal geralmente encaram tal fato como um mal necessário, e esforçam-se para conviver com a crueldade inflingida aos animais ao saber que essa se converte na diminuição do sofrimento humano. Isso me parece uma escolha consciente e uma postura racionalmente assumida. Já aqueles que defendem a abolição da experimentação animal, por uma questão de coerência, deveriam por definição:

a) estarem dispostos eles mesmos a servirem de cobaias para quaisquer novos tratamentos médicos, farmacológicos ou de outra natureza, mesmo sabendo que os riscos de consumir um produto químico nunca antes testado num organismo vivo, no estado atual da ciência, são grosseiramente semelhantes aos de consumir um dejeto industrial qualquer, o que certamente implica no sacrifício de milhares de seres humanos.

ou

b) estarem dispostos a abdicar completamente da medicina moderna como um todo, já que ela não surgirá de um passe de mágica, um programa de computador ou uma revelação divina se não se puder experimentar e testar hipóteses e terapêuticas novas.

não surpreendentemente, apesar de inúmeros e ruidosos protestos em favor dos ratos de laboratório, sinceramente não conheço ninguém que de fato assuma os riscos acima em nome dos animais, que me parecem os requisitos mínimos para que essas pessoas sejam coerentes com o seu discurso. Pelo contrário, a grande maioria dessas pessoas sai tomando comprimidos pra menor dor de cabeça que surja. E tenho razoável certeza (e fico feliz com isso, porque me parece indicar um certo grau do que eu ao menos chamo de "humanidade") que pouquíssimos abolicionistas (ou quiçá nenhum) deixariam um filho seu morrer de uma leucemia facilmente curável "porque a quimioterapia foi testada em animais".

então me parece que esse lado da discussão atua só da boca pra fora. Seja por ingenuidade, desinformação, hipocrisia, pra eximir-se de culpa ou simplesmente pra aparecer, a quase totalidade das pessoas que defendem a abolição da experimentação animal reproduz um discurso que é absolutamente incoerente com seus atos. Então no fim das contas a idéia que fica é que sim, a discussão moral a respeito do tema é insolúvel. Mas que a humanidade em peso - incluindo aí os defensores da experimentação animal, os críticos da mesma idéia e a grande massa silenciosa entre os dois - já fez uma escolha moral ativa em prol do uso de animais em pesquisa e reitera essa escolha todos os dias através de seus atos. E tentar argumentar que não devesse ser assim, quando ninguém parece disposto a assumir as conseqüências, me parece simplesmente jogar conversa fora.

talvez por isso nós cientistas pareçamos tão irritados de vez em quando com o discurso "pró-animais". Não é que ele não nos pareça válido. É simplesmente porque ninguém está disposto a sustentá-lo na prática. Discutir questões deste porte significa arcar com as conseqüências do que se defende, e só parece haver um lado da discussão que parece ser capaz disso. O resto é conversa fiada. Que, se não for devidamente identificada e denunciada como tal, pode colocar em risco a vidae o bem-estar de um monte de gente.

era isso, espero que eu tenha sido claro. E estou aberto a discussão, como vários outros. Contanto que ela seja sustentada por posturas coerentes, e não apenas por palavras vazias.

segunda-feira, novembro 12, 2007

comam arroz e banhem-se no ganges, mas deixem o resto da humanidade em paz!


(o coelhinho vai bem, já a criança...)
eu achei que a situação era complicada quando li que o prefeito César Maia tinha sancionado uma lei que efetivamente proibia a experimentação animal no estado do Rio de Janeiro (meio por engano, é verdade, mas isso não nega o fato de que o cara que tá segurando o coelhinho redigiu aquele texto com essa intenção). Mas o debate que tem se seguido mostra que a situação é, pelo menos em alguns casos, muito mais escabrosa do que parecia a princípio. Com todo o respeito às pessoas razoáveis e coerentes que defendem os direitos dos animais e a regulamentação da pesquisa em cobaias (que não são poucas, aliás), o grau de ignorância e obscurantismo de boa parte dessa gente é chocante.
abaixo segue um ponto de vista (reproduzido com orgulho, diga-se de passagem, no site do democratas - vulgo o pêefeéle com vergonha do próprio nome - partido da anta que criou o tal projeto de lei) publicado no jornal mais importante do país por uma professora universitária. O descalabro é tamanho que eu fiz questão de comentar frase a frase. E estimulo todo mundo que se encontra igualmente perplexo a escrever pro tal deputado ou pra autora do estrupício reproduzido abaixo pra xingar, discordar educadamente ou contar alguns fatos básicos sobre a saúde no século XX que a maioria das pessoas aprendeu na quinta série. Ou ainda a escrever protestando pra reitoria da UFSC , que afinal é quem paga essa pessoa (com o nosso dinheiro, aliás) pra falar essas bobagens.
anyway, a situação só não é tão escabrosa porque eu tenho a convicção que esses radicais são a absoluta minoria, mesmo entre quem se preocupa com os direitos dos animais. O problema é que, como todo fanático, eles são muito mais vocais do que os moderados. Então façamos algum barulho. Ou pelo menos aproveitemos que o debate está aberto pra responder a altura. Se essas pessoas querem se curar com arroz e banhos no Rio Ganges, que o façam (ainda que aposto sem medo que a maioria delas preferirá a quimioterapia quando o problema for com elas). Mas que deixem o resto da humanidade em paz. A maioria já decidiu e segue decidindo (ainda que silenciosamente) em favor da experimentação animal, por uma decisão de colocar as pessoas em primeiro lugar. E não tem nada de errado nisso, é apenas o jeito da maioria ver o mundo. Então, queridos fanáticos, se quiserem "fazer a sua parte" não usufruindo da ciência e recusando-se a utilizar a medicina moderna, go ahead. Mas deixem o resto da humanidade em paz pra se governar como bem entender.
anyway, lá vai o descalabro inteiro:

"AS INVESTIGAÇÕES científicas mais relevantes para a preservação da saúde e da vida humanas resultaram de estudos feitos com base na clínica, na observação e no mapeamento das doenças que mais incidem sobre a população humana ou de estudos voltados para a prevenção das doenças, não exclusivamente para o combate de seus sintomas.
(OK, a afirmativa que “a prevenção é mais importante do que o combate dos sintomas” pode até estar certa. Só que esquece que (a) estudos animais são obviamente importantes pra estratégias de prevenção primária e secundária (vide estudos de vacinas ou métodos diagnósticos) e (b) a oposição “prevenção vs. combate dos sintomas” é completamente esdrúxula. A importância de prevenir não diminui em nada a importância de saber remediar ou controlar os sintomas com a doença instalada. Não há nada de errado agir exclusivamente no combate dos sintomas quando o resto falha. Negar isso seria recusar analgésico pra paciente com câncer terminal, o que é uma idéia completamente sádica e vil)
"As descobertas científicas que mais contribuíram para prolongar a vida humana resultaram basicamente de estudos e observações clínicos, e não de testes feitos em animais vivos de outras espécies."
(sim, e os estudos clínicos se baseiam no quê, querida? Como essa pessoa acha que as pessoas desenvolvem não só as drogas a serem testada, mas toda a base de conhecimento de fisiologia, genética, bioquímica e patologia que permite construir modelos teóricos pra interpretar as observações clínicas de maneira que elas sirvam pra alguma coisa?)
Via de regra, estudos baseados no modelo animal vivo (vivissecção) servem apenas para desenvolver a habilidade dos cientistas na construção de modelos que terão de ser, mais tarde, redesenhados para a aplicação em estudos destinados à investigação de possíveis terapêuticas para doenças humanas.
(pra começar, não entendi lhufas dessa frase mal escrita. Mas me parece que jogar esse “desenvolver a habilidade” ali no meio parece uma tentativa de sugerir, falsamente, que os cientistas usam animais pra “treinar habilidades”, o que é absolutamente falso. Eles os usam pra construir conhecimento. Aliás, o próprio uso do termo “vivissecção” pelos “abolicionistas” da experimentação animal pra denominar experimentação animal é um erro de utilização da palavra (que a rigor significa “o ato de examinar internamente um ser enquanto ele ainda está propriamente vivo”, o que é o destino de uma porcentagem ínfima de cobaias sacrificadas no mundo – eu chutaria menos de 1%), que me parece querer evocar cientistas mutilando animais e confundir a questão (válida, a meu ver, pelo menos como debate) da necessidade da vivissecção para o ensino com a questão (completamente descabida, a meu ver) da necessidade da experimentação animal para a pesquisa científica e para a saúde humana)
Após todo esse esforço, as drogas não funcionam como prometido. Muitas delas são retiradas do mercado após constatada sua letalidade para humanos
(esse argumento é completamente idiota. A lógica aqui é (a) “a ciência utiliza animais”. (b) “a ciência tem fracassos e produz drogas que tem que ser retiradas do mercado”. Logo (c) “a culpa é da experimentação animal. Excuse me, qual é o sentido que isso faz? Pense um pouquinho, meu doce. Se a ciência já erra e produz drogas inefetivas e perigosas usando milhares de cobaias, imagine o cenário dantesco que se produziria se ela testasse elas direto em gente).
A ciência usa o dinheiro e investe o tempo de seus operadores se perdendo nos labirintos da vivissecção. Seu investimento nesse único método de pesquisa é diretamente proporcional ao seu fracasso em responder satisfatoriamente às questões às quais se propõe responder com a investigação.
(mesma lógica, mesma bobagem)
Enquanto gerações e gerações de jovens cientistas são transformadas em vivisseccionistas sob a imposição hegemônica de uma ideologia claramente fracassada, outras tantas gerações de jovens, bebês e adultos morrem a cada ano daquelas mesmas doenças que o cientista há mais de cinco ou seis décadas promete curar ao buscar em organismos de ratos e camundongos a resposta para males que afetam cada vez mais devastadoramente organismos de indivíduos humanos.
(de novo o mesmo argumento: (a)“a ciência tem fracassos”, logo (b) “ela não funciona e a culpa da experimentação animal”. De novo, se depois de décadas de pesquisa as pessoas continuam morrendo das mesmas doenças – ainda que geralmente menos – isso só quer dizer que a gente precisa do máximo de ferramentas possíveis)
A ciência vivisseccionista não tem feito nenhum progresso na busca da cura dos grandes males que produzem as doenças crônicas, dolorosas e letais mais comuns em organismos humanos: câncer, acidentes vasculares, diabetes, hipertensão, mal de Alzheimer, mal de Parkinson. Além do fracasso evidente de todas as drogas até hoje empregues para a "cura" dessas doenças, é preciso contabilizar o fracasso de outras inventadas a partir do modelo vivisseccionista para o tratamento das demais doenças que afligem os seres humanos, a exemplo da depressão e de outras formas de sofrimento psíquico
(me dêem licença pra ser um pouco sarcástico, mas isso é um completo atentado contra o bom senso, e um insulto blatante a milhões de cientistas bem-intencionados. Eu não vou citar exemplos de por que isso está errado porque me parece que não precisa, qualquer pessoa que tenha passado do jardim da infância consegue reconhecer o absurdo total das frases acima. Em todo caso, se alguma referência é necessária recomendo à autora que dê uma olhadinha em qualquer estatística de expectativa de vida ou mortalidade por doenças específicas de qualquer lugar do mundo desse século. Falar que a ciência não tem feito nenhum progresso na busca da cura das doenças mencionadas é um descalabro completo e total, e é simplesmente insultante pra humanidade em geral)
(notem que a autora insiste no conceito de “cura” de maneira a enganar o leitor: de fato, a maior parte das doenças citadas permanecem incuráveis (com a honrosa exceção do câncer, que vou discutir abaixo). No entanto, é completamente inegável que o controle, a mortalidade, a morbidade e o sofrimento associado a coisas como diabetes, hipertensão, doenças vasculares cerebrais e Parkinson foi imensamente afetado pela medicina moderna e pela farmacologia, em grande parte devido ao suporte de experimentos animais. O tratamento correto da diabetes faz a diferença entre décadas vividas com qualidade de vida semelhante a um indivíduo saudável e a cegueira, a amputação, a insuficiência renal e a morte precoce por um infarto. Dizer que a doença “não foi curada” pode até ser uma verdade relativa, mas tentar sugerir através daí que a vida dos diabéticos não foi vastamente melhorada pela ciência é um insulto a milhares de cientistas que pesquisam na área e a milhões de pessoas doentes que tem que ouvir uma estultície tamanha)
(ainda no parágrafo acima, gostaria de destacar que também sou um puta crítico da “invenção” (ou pelo menos da diagnostização de sintomas) por parte da psiquiatria moderna. Agora, puta que o pariu, o que diabos isso tem a ver com os pobres dos ratos. É o típico argumento de um observador tosco que coloca a ciência toda dentro dum saco plástico pra jogar dentro do rio)
Ao adotar o organismo de camundongos, ratos, cães, gatos, porcos, cavalos, aves e primatas não humanos como referência para a investigação, a ciência deixa de estudar e conhecer o organismo e o psiquismo dos seres da espécie humana, a destinatária de seus resultados.
(esse é o outro argumento freqüentemente usado que também é completamente idiota. É claro que seres humanos são diferentes de porcos e camundongos, qualquer criança retardada sabe disso. A questão é que é a melhor maneira que a gente tem pra se aproximar. O que a autora pretende defender, que a gente injete células tumorais nos nossos filhos e depois abra a barriga deles pra implantar capsulazinhas de remédio? Ou será que ela acha que um programa de computador ou uma escultura de argila são mais próximos das pessoas do que um camundongo?)
O que o cientista vivisseccionista faz é estudar a fisiologia dessas doenças em organismos que, via de regra, nem sequer as produzem naturalmente. É preciso "fabricar" um camundongo com câncer para testar nele as drogas prometidas para curar o câncer em organismos que não foram "fabricados" com câncer, mas que o desenvolvem.
(sim, e qual é o problema disso? Um engenheiro que quer estudar um cinto de segurança que funcione tem que modelar um acidente de carro, seja no computador, no papel ou numa demonstração ao vivo. O acidente (e o carro) não são intrínsecos ao computador e o papel. O acidente do carro batido ao vivo também é fabricado. Mas a demonstração funciona e produz conhecimento válido e útil. A “naturalidade” ou “inaturalidade” do câncer no camundongo pouco tem a ver com a importância do conhecimento gerado)
A morte por câncer continua a ser praticamente previsível, apesar das drogas às quais o paciente humano é submetido na "luta contra" ele.
(ô sua ignorante, dá uma olhada nisso aqui. Atente particularmente para números como “sobrevivência em cinco anos de câncer de tireóide: 94,6%; testículo: 93,3%; melanoma: 85,1%; útero: 83,2%; mama: 80,4%. Dizer que “a morte por câncer continua a ser praticamente previsível” denota um grau de desinformação grotesco e é um desserviço enorme à saúde pública e ao bem-estar de um monte de gente)
Adiar a morte não cura.
(OK, vá lá, esse é um ponto de vista válido. Que por sinal, se adotado, significa “joguemos fora toda a ciência médica, o sistema de saúde, os profissionais de saúde e por aí afora”. Afinal, tudo que a gente sempre fez em termos de aumentar sobrevivência foi “adiar a morte”. Que eu saiba, nem a medicina nem ciência nenhuma fez ninguém imortal até hoje. Por outro lado, ela provavelmente aumentou a expectativa de vida média da população numa escala de décadas e, ainda que eu (e provavelmente ninguém) possa dizer ao certo o quanto isso se deve à experimentação animal, certamente dá pra dizer que foi um bom naco (uma vez ouvi uma estimativa de dez anos, mas como não sei daonde veio, não vou usar de argumento). Se a autora quiser botar os seus anos a mais de vida fora, sinta-se à vontade e pule dum prédio. Mas deixe os meus pra mim e pros outros, por favor, por favor)
Essa ciência pode abrir mão do uso de animais vivos, pois, embora ela tenha produzido uma quantidade incalculável de drogas para combater os sintomas de tais males, ao sustentar sua investigação no vivisseccionismo, não produz resultados que garantem a "cura" de nenhum daqueles males mais freqüentes que afetam crônica ou agudamente a saúde e destroem a vida humana
(de novo o mesmo argumento tosco. As minhas perguntas que ficam, no fim das contas, são as seguintes: (a) se essa pessoa fosse diagnosticada com diabetes ou hipertensão ou HIV amanhã, será que ela não se trataria porque “o tratamento não cura”, mesmo sabendo que ganharia talvez dez ou vinte anos de vida com isso? (b) Se ela tivesse câncer terminal, será que ela não tomaria analgésico pra tratar sua dor excruciante porque “o tratamento não cura”? (c) Se ela tivesse gastado ridículos cinco minutos da carreira acadêmica dela cruzando “taxa de mortalidade” e “câncer” no google, será que ela teria descoberto que câncer se cura sim?)
(e no fim das contas, deixo o mesmo apelo à autora que costumo deixar a todo defensor da abolição da experimentação animal: NÃO SUBMETA SEU FILHO A NENHUM TRATAMENTO MÉDICO! Deixe a criança arder em febre ao ser consumida por uma pneumonia. Deixe ele urrar de dor quando quebrar a clavícula. Deixe ele ficar seqüelado pra vida inteira porque não tratou uma meningite. É o mínimo que se pode esperar, em termos de coerência.
Espero que eu tenha sido claro.)

SÔNIA TERESINHA FELIPE, 53, doutora em filosofia moral e teoria política pela Universidade de Konstanz (Alemanha) com pós-doutorado em bioética-ética animal pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (Portugal)
(alguns cientistas pró-experimentação diriam que filósofo não tem nada que se meter em assunto do qual não entende; eu discordo absolutamente: acho que o assunto não é dos cientistas que fazem experimentação, é da humanidade em geral. Mas um mínimo de estudo e conhecimento do assunto, do qual a autora obviamente não dispõe seria, digamos assim, útil, antes de escrever prum jornal de circulação nacional)
é professora da graduação e da pós-graduação
em filosofia e do doutorado interdisciplinar em ciências humanas da Universidade Federal de Santa Catarina
(ou seja, esse descalabro desvairado foi sustentado com grana do meu bolso. Super legal).

(Folha de S. Paulo, 10/11/07, seção "Debates": "A ciência pode abrir mão de fazer experiências com animais?")

sábado, novembro 10, 2007

melhor frase que eu li no jornal nos últimos tempos

tava na zero hora esses dias:
"- O que eu vejo de b... na internet. É gente que está emporcalhando a profissão, é gente que não leu. Blog é depósito de lixo... - disparou o colunista da revista Caras." ("De Olho nos Mestres, ZH 7/11/07). (negrito do autor deste blog)
se aquela história de "literatura é saber o que deixar no subtexto" (conforme o assis brasil disse na mesma reportagem) é verdade, o cara que escreveu a matéria certamente tem as bases. Eu é que não vou dizer pra ele que jornalista não sabe escrever.

ícones pop natimortos (i)

o barulhinho de conexão discada (trrrrrrrrrrrrrr - tum dum - tum dum - taaaaaah - shhhhhhhh). tadinho, passou de símbolo de modernidade a artefato retrô sem nem saber o que aconteceu.

sexta-feira, novembro 02, 2007

aviso de utilidade pública

se você, leitor, puder aceitar um conselho na vida a respeito de avisos de utilidade pública, aceite esse, que o meu pai me deu pouco antes de morrer:
"meu filho (suspiro apertado pelo câncer de esôfago)... se eu não estiver aqui, eu peço que você me prometa que (tosse com escarro purulento) , não importa o que acontecer, você vai desconfiar seriamente de qualquer coisa que junte as palavras "flanelinha" e "ácido muriático" na mesma frase antes de repassar um e-mail. Ah, e se der tempo cuide bem da sua mãe tamb... (gasp, glup, acesso de tosse e parada respiratória)."

quinta-feira, outubro 25, 2007

comedores de criancinhas da contemporaneidade (i): computadores e jogos eletrônicos


é quase paranormal. O tempo passa, o tempo voa, e as pessoas continuam achando que videogame e computador são coisa do demônio. E isso inclui acadêmicos supostamente respeitados. Ou pelo menos é o que se depreende dessa pesquisa da American Psychological Association que acabou de aparecer no yahoo notícias (cujo release oficial tá aqui e diz a mesma merda). Chocantemente, nas conclusões da pesquisa lê-se o seguinte:

"While Americans deal with high levels of stress on a daily basis, the health consequences are most serious when that stress is managed poorly. Four in ten Americans (43 percent) say they overeat or eat unhealthy foods to manage stress, while one-third (36 percent) skipped a meal in the last month because of stress. Those who drink (39 percent) or smoke cigarettes (19 percent) were also more likely to engage in these unhealthy behaviors during periods of high stress. Significant numbers of Americans report watching TV for more than two hours a day (43 percent) and playing video games or surfing the Internet (39 percent).Healthy behaviors used to manage stress included: listening to music (54 percent); reading (52 percent); exercising or walking (50 percent); spending time with family and friends (40 percent); and praying (34 percent)."

a pergunta que me perpassa, óbvia, é "como diabos jogar videogame e surfar na internet foram parar no grupo de "comer excessivamente, fumar, e beber álcool", ao invés do grupo "ler, ouvir música, etc."" É absolutamente bizarro que em 2007 existam psicólogos profissionais da associação oficial da classe no país mais poderoso e evoluído do mundo dizendo que "ler texto num livro" seja uma atividade saudável e "ler texto na tela do computador" seja uma atividade insalubre. Quem é o idiota que concluiu isso? Qual foi o crime que as vidas passadas do videogame cometeram pra que ele tenha um karma tão incrivelmente negativo.
sério, pra qualquer pessoa nascida na era da informática, o fato de que o conceito de que "surfar na internet faz mal à saúde" ainda exista é atabalhoante. Vá lá, claro que excessos existem. Mas jogar videogame em excesso existe assim como fazer exercício em excesso, ler em excesso, ouvir música em excesso e rezar em excesso, e nenhum deles é saudável. Particularmente o último. Mas o preconceito ainda continua existindo, e ele parte de gente que define políticas de saúde do país mais influente do mundo.
explicações, só tenho duas:
(a) psicólogos e psiquiatras importantes tendem a ser um bando de velhos conservadores que, como a maioria dos pobres seres humanos, morrem de medo daquilo que não conseguem entender e conseqüentemente olham feio pra tudo que não compreendem.
(b) a tal pesquisa faz parte de uma campanha chamada "Mind/Body Health: For a Healthy Mind and Body, Talk to a Psychologist". E o press kit inclui até um telefone pra agendar uma consulta com um psicólogo pra manejar o stress. Hã, alguém aí na platéia sussurrou "conflito de interesse"? Putz, isso é quase pior do que a indústria farmacêutica.
e pra cada uma delas, só tenho uma sugestão
(a) lembrem do aviso do velho bob, ainda atual 44 anos depois.
(b) quite simply put, fodam-se todos e enfiem o dinheiro da consulta vocês sabem aonde.
e por enquanto é só. Outra hora escrevo um pouco mais sobre "como o mundo inteiro foi tornado doente mental pela psiquiatria moderna". Agora eu tenho que vomitar.

eu na feira (ii)

achei, tá aqui o anúncio oficial. Como pode ser constatado, eu tentei trocar a idade pelo ano de nascença na minha biografia pra ver se conseguia disfarçar o fato de ser o mais velho da trupe. Mas não sei se vai colar.

quinta-feira, outubro 18, 2007

eu na feira

a programação da feira do livro de porto alegre hesita em divulgar isso abertamente (seria medo do influxo excessivo de fãs?), mas aparentemente eu vou estar participando de um "encontro de jovens escritores" a ser realizado no dia de abertura da feira (26 de outubro) às 15h30 da tarde. A história vai contar com a mediação do Paulo Scott e com a participação de um pessoal novo e interessante da literatura de POA, incluindo este que vos fala. É pra acontecer na área juvenil da feira (talvez porque sejamos jovens, mas sabe-se lá...), na sala "Casa do Pensamento", Armazém A do Cais do Porto. Se vocês olharem direitinho na tal programação, verão que o evento de fato existe, ainda que o meu nome (e o dos outros participantes) não conste da lista.
se o convite acima não parece suficiente pra convencê-los a ir, repasso a convocação enviada a minha pessoa pelo Antônio Xerxenesky (que também vai estar por lá).

"Ei, vocês que participarão d'O Debate n'A Feira.
Espalhai a Palavra.
Se vocês não convidarem pessoas, ninguém irá. Não criemos ilusões, as pessoas não ficam caminhando pela feira do livro e "ó, está tendo um debate de jovens escritores, vou entrar!", ainda mais quando ela é situada na seção INFANTO-JUVENIL da feira (é no auditório que tem lá no Cais). Então convidem. Façam uma mega-divulgação. Ameacem castrar os amigos que não forem com uma foice enfurrajada que com certeza porta tétano em cada átomo. O espaço, se não me engano, é bem grande, cabe uma platéia de umas 200 pessoas. Enfim. Chamem mãe, chamem pai, chamem tia-avó, prima em terceiro grau, cachorro do vizinho. Acho que fui enfático o suficiente.
Forte abraço a todos e até dia 26."

enfim, acho que dá pra captar a mensagem. Ou pelo menos pra perceber que o pessoal é criativo.

quarta-feira, outubro 10, 2007

emos protestam contra fábrica de picles

"estamos cansados de rótulos", afirmam.

notícias da colméia em tempos de DSM-IV


a abelhinha foi ao médico se queixando de um zumbido no ouvido e acabou internada na ala psiquiátrica. Disseram que estaria ouvindo vozes.

quinta-feira, outubro 04, 2007

pra quem acha que a história anda pra frente


cada vez mais eu me convenço que ela é muito mais parecida com um desses gráficos da bolsa que vão e vem cheios de tremeliques. A longo prazo o "progresso científico" (definam como queiram, mas alguma coisa do gênero existe) até empurra a coisa toda pruma tendência de alta, mas as oscilações do meio do caminho são bizarras. E todo dia aparece algo sugerindo nitidamente que nos últimos tempos algum especulador divino anda aproveitando pra realizar os lucros e jogar a merda pra baixo.

domingo, setembro 30, 2007

mais publicidade abjetamente parcial pros amigos















but i can't do otherwise, naturalmente. Apareçam.

sábado, setembro 29, 2007

pequena nota afetuosa sobre a vida cultural em porto alegre, baseada em fatos reais


você suspeita que está numa província quando entra num cinema pra ver um filme relativamente chique e falado na mídia na semana de estréia, depois que os trailers já começaram, e descobre que é a única pessoa ali dentro. Mas você só tem certeza que está na província quando uma segunda pessoa entra na sala, e você constata pasmo que ela é o seu cunhado.

terça-feira, setembro 25, 2007

clipagem (quaseauto)promocional


minha primeira incursão no fascinante mundo dos créditos de cinema (na inédita função de "pitacos tri especiais") ganhou as bê erres da vida no fim-de-semana. E aparentemente teve pelo menos alguém que gostou. Agora é esperar um pouquinho mais pra chegar no resto do universo. Por enquanto, em todo caso, parabéns pra todo mundo que trabalhou de fato no filme. Ao contrário deste que vos fala, cuja cômoda participação foi basicamente ler uns troços e ficar dizendo que não tava bom.

quinta-feira, setembro 13, 2007

transparente como um muro de concreto

o mais engraçado de tudo não é nem o fato do Senado ter absolvido o Renan (o link de fato vai pra página dele, entre e deixe o seu spam). O que é mais engraçado é ver que essa gente patética não tem nem sequer a coragem de assumir que o fez. Bizarramente, num levantamento de ontem da Folha, mais da metade dos senadores (41 deles, listados no jornal, exatamente o que era preciso pra aprovar o processo) dizia que votaria a favor da cassação . Pior do que isso, mesmo depois da sessão tinham pelo menos 38 caras (vide reportagem do Terra) dizendo que tinham feito o mesmo. E bizarramente a contagem oficial da sessão são 35 votos a favor. Ou seja, seis senadores mentiram (e continuam mentindo) deslavadamente pra população a respeito do seu voto. Isso pra não falar nos 20 e poucos que "não abriram o voto" (alguém tem alguma dúvida de pra que lado eles votaram, aliás?), numa linda demonstração de prestação de contas idônea para os seus eleitores. E assim, depois de uma memorável sessão em que 40 senadores votaram pela absolvição da figura, só 10 (dez, X, raiz quadrada de 100) de fato admitem tê-lo feito. Sério, quase dá vontade de bater palmas nesses caras por pelo menos terem um pouco de coragem (ou cara dura mesmo). E a triste conclusão é que o destino do país vai sendo definido em pleno Congresso Nacional e a gente não sabe por quem. Tipo assim, quem é que a gente pode cobrar pela decisão agora? Não tem alguma coisa, hã, digamos assim, vagamente errada (leia-se "completamente estapafúrdia") com uma democracia representativa onde os representantes não tem que prestar conta do que fazem? Quem foi a mula que introduziu a idéia de voto secreto no Congresso Nacional? Bom, se bobear isso também foi aprovado em voto secreto, então a gente é capaz de jamais ficar sabendo.
em todo caso, eu pessoalmente desisti de fazer campanha contra o Renan, porque já perdeu a graça, e porque no fim das contas o cara tem o grupo Abril inteiro mais meio mundo atrás dele, então mais cedo ou mais tarde ele vai acabar se fodendo igual, nem que seja pra servir de bode expiatório e livrar os outros tantos. A essa altura, eu tô mais interessado em saber quem foram os filhos da puta que livraram a cara dele e não admitiram. Os meios, ainda que tão efetivos quanto jogar balde d'água em incêndio, tão aí: escreva pra esses sujeitos que não abriram o voto na página do Senado e cobre deles pelo menos um pouquinho de coragem, hombridade, ou como queira chamar pra admitir pra população o que eles fazem em nome dela. E em relação aos seis mentirosos, se algum dia a lista aparecer, vamos contratar os seguranças do Senado pra bater neles dessa vez.

segunda-feira, setembro 03, 2007

eu DISSE que era um derivado do petróleo

já era hora. Depois de uns doze anos de internet, pela primeira vez chegou na minha caixa de correio uma corrente de e-mails paranóides trazendo pelo menos uma informação prazerosa. Sim, pasmem, depois de vários milhares de mails dizendo pra eu não comer hambúrguer no mcdonald's (porque era feito de minhoca), não beber coca-cola (porque mata criancinhas no iraque), não ir no cinema (porque eu posso ser seqüestrado ou sentar numa seringa contaminada com HIV), não abrir mail de pornografia (porque pode ter vírus, óbvio) e por aí afora, finalmente alguém se prestou a escrever algo minimamente otimista e positivo e alertar a população mundial a não comer produtos feitos de soja. Aleluia, indeed. Parece quase um milagre.

naturalmente eu não sei se nada que tá escrito nesse troço tem algum fundamento. Agora, que o bom senso faz suspeitar fortemente de que alguma coisa que é capaz de gerar leite, queijo, bifes, óleo, proteína, shoyu e salsicha só pode ser um derivado secundário do petróleo, isso sempre me pareceu meio óbvio. Em algum momento eu cheguei até a montar uma comunidade no orkut a respeito (muito possivelmente a única que eu criei na vida), que aliás mais de um ano depois de sua criação conta com gloriosos três membros – já que, mesmo que num momento de fraqueza eu possa ter caído na tentação de tê-la criado, eu jamais teria a falta de senso crítico necessária pra ficar enchendo o saco das outras pessoas pra entrarem nela. Mas depois resolvi guardar a convicção pra mim, até receber radiantemente esse mail lindo hoje de tarde e decidir que tava na hora de um post catártico.

aliás, se por acaso houver algum fundo de verdade nesse troço, isso não confirma só a minha convicção de que um troço repulsivo e sem gosto chamado “proteína de soja”, com um aspecto cujo correspondente mais visualmente próximo na natureza é cocô de galinha, não pode concebivelmente fazer bem pra saúde. Isso também confirma uma convicção ainda muito mais arraigada na minha mente: o bom e velho ditado sumério de que “não existe nada mais fácil do que enganar um natureba”.

sério, pouca coisa me deixa mais perplexo no mundo moderno do que o fato de que pessoas que se acham ultraespertas, descoladas, críticas e esclarecidas a respeito das pérfidas mentiras que o capitalismo e a sociedade de consumo nos impõem são capazes de acreditar docilmente em gurus barbudos de aspecto psicótico e livros picaretas de cultura macrobiótica comprados em sebos, cujos argumentos megacientíficos pra apoiar o consumo de alimentos naturais variados geralmente são coisas tipo “os chineses fazem isso há cinco mil anos” (assim como acreditam em horóscopo, lêem o futuro em folhas de chá, exploram o trabalho infantil e traficam órgãos) ou “o que é orgânico e vem da natureza não pode te prejudicar” (vide estricnina, urtiga, chá de dama da noite e o vibrião da cólera), ou ainda “fulano foi pra índia comer só arroz e curou sua leucemia em cinco dias” (e, curiosamente, isso passou tão desapercebido que depois de milhares de anos milhões de pessoas continuam gastando bilhões de dólares tentando fazer algo tão simples). Tudo meio baseado na crença primordial neorousseauniana de que a natureza era um lugar inocente e fofo em que ninguém nunca morria nem ficava doente até que a civilização malvada veio tocar o horror. Sem jamais imaginar que talvez a razão pra não existir doença crônica na pré-história é que não tinha comida tampouco, e todo mundo morria com vinte e poucos anos da primeira infecção que aparecesse.

pessoalmente,em termos de coisas naturais e orgânicas sou mais a opinião do Werner Herzog no “Homem Urso”, de que "the common denominator in the universe is not harmony, but chaos, hostility, and murder", como pode facilmente constatar qualquer um que tenha assistido o Discovery Channel ou seus congêneres amadores. Vá lá, eu concedo que o denominador comum da civilização não é muito melhor do que o da natureza nesse aspecto. Mas o mais chocante de tudo é que essa galera natureba consegue se deixar enganar pelos dois. Tipo, nada é mais fácil do que botar um selinho de orgânico e natural em alguma coisa, dizer que tem antioxidantes e sal marinho e que previne o câncer, a cegueira e a infelicidade, e vender por três vezes o preço dum produto industrializado normal. E o pior de tudo é que as pessoas compram e acreditam piamente, torrando dinheiro em nome duma pureza virtual de benefício no mínimo duvidoso – por piores que sejam alguns produtos industrializados, pelo menos a origem deles tende a ser um pouco mais transparente, enquanto que ninguém sabe exatamente a densidade de ratos no porão onde foi feito um queijo colonial qualquer.

mas enfim, acho que o ser humano tem vocação pra ser patinho. E então as pessoas basicamente optam por serem manipuladas pelo McDonald’s ou pela proteína de soja, pelo PT ou pelo PSDB, pelo Papa ou pelo Sai Baba, pela medicina chinesa ou pela indústria farmacêutica. Aliás, a nossa patinhice intrínseca é bem capaz de ter sido uma força evolucionária determinante na escalada da nossa espécie rumo à supremacia global: se o ser humano fosse desconfiado e arredio ao invés de ser ingênuo e propenso a se tornar massa de manobra fácil, provavelmente nunca teria sido convencido a construir essa história de "civilização". Então talvez a gente só tenha a agradecer pelo fato de sermos mais patos e ovelhas do que lobos ou leões, o que nos permite levar bem menos chifrada de búfalo hoje em dia. E deixar de se incomodar com a falta de senso crítico alheio, até porque lá pelas tantas a gente vai acabar ludibriado também. Já que, pelo menos em termos de promoção da saúde, nutrição e essas coisas todas a ignorância e picaretagem da medicina ocidental instituída ainda é quase tão grande quanto a dos gurus macrobióticos.

e enfim, já que ninguém sabe porra nenhuma, o meu bom senso ao menos me diz que é sempre melhor acreditar que um troço gosmento como carne de soja dá câncer do que achar que lasanha à bolonhesa engorda. Se ser enganado é inevitável, afinal, que pelo menos a gente seja enganado por algo gostoso.

quarta-feira, agosto 22, 2007

roquenrol, uga-uga!



pô, acabei de descobrir que sou o primeiro hit do google pra "cantores negros de Tuvalu". Quer dizer, pelo menos nos últimos três meses. Então, em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Grande Oráculo e à pequena nação por esse privilégio. Mas afora o orgulho que me solapa neste momento... quem diabos serão esses caras? E quem diabos entrou aqui por essa via? Alguém se acusa?

sábado, agosto 11, 2007

irmãozinhos famosos

sempre achei que distúrbio de fala era uma coisa que tinha um certo charme tresloucado, tanto que nunca troquei o nome desse blog e nem fui no fonoaudiólogo. Mas certamente esse primo distante é muito mais louco do que eu poderia sonhar em ser. Em todo caso, deu um baita orgulho de ser da família.

quinta-feira, agosto 09, 2007

"É assim que eu penso... e porque penso assim, na condição de Magistrado, digo!"


e o que dá mais medo é a sensação de que, se a gente for olhar as sentenças do Judiciário brasileiro que não saem no jornal porque não dizem respeito a figuras públicas, é capaz de achar milhares de estrupícios como esse. E deixando de lado toda a questão da homofobia, que é repugnante e ridícula o suficiente pra não requerer maiores comentários, será que alguém um pouco mais esclarecido juridicamente pode me explicar como diabos um juiz pode justificar uma sentença com a frase "é assim que eu penso"? Tipo, a coisa funciona assim de verdade na prática? As sentenças não deviam fazer referência a alguma lei, jurisprudência, constituição, essas coisas? Não tem alguma coisa meio errada nisso? E, já que você está aqui, amigo juridicamente esclarecido, tem alguma coisa que a gente possa fazer pra contribuir pro afastamento desse palhaço? Alguma via oficial? Algum abaixo-assinado? Alguma sugestão? Alguém, anyone? Houston?

segunda-feira, agosto 06, 2007

rumo ao fundo do poço, mas abraçadinhos

"As três bandas [Mombojó, Móveis Coloniais de Acaju e Teatro Mágico] levam adiante a bandeira da "autenticidade" propalada pelos [Los] Hermanos. Algo que, na música, se traduz numa atitude calculadamente despojada e na pose de quem "não se vende ao sistema". O Mombojó até se vincula a uma gravadora - mas uma que ainda mantém certa aura alternativa, a Trama. Nos três casos, contudo, a estratégia de divulgação é de guerrilha. Elas disponibilizam todas as suas músicas de graça na internet e usam os shows como principal fonte de renda (e também como canal de venda de seus discos). ("Os remelentos do rock"; Revista Veja, 08/08/07)
Francamente, isso é o fim da picada. Num mercado em que as gravadoras quebraram de vez, sem perspectiva de volta, e não tem dinheiro nem vontade de investir em nenhum artista cujo nome não comece com "Ivete" e termine com "Sangalo", muito menos de tentar vender CD a menos de 30 reais, os músicos começam a encher o saco desse mercado falido e estúpido e resolvem botar o seu trabalho na internet de graça pra não depender de executivo engravatado (e pro público não depender de grana pra ter acesso ao trabalho). E, tcham-tcham-tcham-tcham, qual é a resposta da mídia? Obviamente, meter o pau nos caras por estar "fazendo pose" de independente, "autêntico" (as aspas não são minhas), e ainda por cima metido a esquerdista. Dá vontade de vomitar. Em todo caso, acho que esse é o legítimo testamento do quão fundo no poço chegou o conceito atual (ou passado) de indústria cultural. E uma demonstração surpreendente de que pelo menos uma parte da mídia está disposta a acompanhar essa massa falida de parasitas até ela sair pelo outro lado do planeta terra.

quinta-feira, julho 26, 2007

o tempo passa, a angústia aumenta, mas os baralhos seguem exatamente os mesmos

JERRY: "(...) what I wanted to get at is the value difference between pornographic playing cards when you're a kid, and pornographic playing cards when you're older. It's that when you're a kid you use the cards as a substitute for a real experience, and when you're older you use real experience as a substitute for the fantasy. But I imagine you'd rather hear about what happened at the zoo. (Edward Albee, The Zoo Story)

as fossas abertas do cinema brasileiro



ainda não consegui decidir se esse “Saneamento Básico” do Jorge Furtado é o supra-sumo da auto-ironia ou o maior ato falho da história do cinema brasileiro. Aliás, também não consigo entender muito bem por que diabos eu sou a única pessoa que parece estar se fazendo essa pergunta. Mas enfim, vamos aos fatos.
o argumento inicial do filme já foi amplamente divulgado pela mídia, e consiste num questionamento metalingüístico interessante: uma cidadezinha da serra gaúcha precisa fechar uma fossa aberta, mas a única verba pública de que dispõe é pra fazer um vídeo, ganho num concurso de baixo orçamento pra cidades com até 20.000 habitantes. Sem muita opção, os moradores resolvem fazer um vídeo sobre o “monstro da fossa” como pretexto pra usar o dinheiro para fechá-la.
a questão levantada pelo filme urge. Afinal, qualquer cidadão medianamente informado hoje em dia sabe que a dependência de financiamento quase que inteiramente público (via leis de incentivo e concursos) é há tempos a grande fossa aberta do cinema brasileiro, na qual ninguém da área tem muita coragem de tocar. Porque ao revirar a fossa surge a boa e velha questão insolúvel: quantas casas com saneamento básico valem um longa-metragem? Quantas escolas? Quantos postos de saúde? A resposta não é fácil nem óbvia, e provavelmente não tem como fugir da total arbitrariedade. A não ser que, feito um poeta russo entusiasmado e estúpido do início da revolução cujo nome me foge, a gente decida que “um queijo vale mais do que toda a obra de Pushkin”. Mas isso é ridículo, triste, e em última análise não só desumano como mentiroso. Eu pelo menos me sinto convicto e confortável em dizer que a obra de Pushkin vale muito mais do que um queijo. Mas e um milhão de queijos? Ou uma enorme indústria de queijos que empregue um montão de pessoas? E aí, novamente, chega o ponto em que a pergunta se torna insolúvel, porque felicidade não se compra, assim como não se compram vidas humanas. E eu sinto sincera pena do cara do governo que tem que equacionar esse tipo de coisa.
apesar de, ao ouvir falar do argumento do filme pela primeira vez, eu ter pensado que, apesar da questão ser importante, parecia uma idéia difícil de fazer funcionar, a verdade é que o filme, pelo menos inicialmente, é interessante, bem executado, simpático e francamente muito engraçado (particularmente pra quem já tentou fazer um filme amador entre amigos e/ou cônjuges). E, às custas da ignorância dos personagens, das cenas toscas da produção amadora e do interesse crescente dos personagens por “essa história de cinema”, o filme consegue ser divertido e ao mesmo tempo levantar um debate mais do que necessário: afinal, do que vale fazer um filme quando se tem uma fossa a fechar?
as à medida que seus protagonistas vão esquecendo a questão da fossa e se entusiasmando com a idéia de fazer cinema, o filme vai tomando um certo tom de panfleto didático de exaltação ao próprio métier e defesa do investimento na área, e evolui devagarinho prum tom de “final feliz de comédia em que tudo acaba dando certo”. E no fim das contas o filme dentro do filme é um sucesso, todo mundo sai ganhando com ele, e tudo de fato parece acabar lindamente bem. Isso por si só seria meio que um desmérito, já que faz o desfavor de, após levantar uma questão urgente, fechá-la duma maneira um tanto autocomplacente. E quando eu saí do cinema me sentindo meio irritado, eu achei que fosse por isso. Mas parando pra pensar, voluntariamente ou não, o desfecho é muito mais revelador que parece. Acompanhem os seguintes detalhes:


1. A fossa continua aberta. Concordo que, se a idéia é argumentar que o investimento em cinema vale a pena mesmo quando o país tem fossas abertas, esse detalhe era necessário. Mas é surpreendente como os personagens do filme parecem esquecer disso facilmente: aliás, esse “pequeno” detalhe só vem à tona porque o cara que estava construindo a fossa reclama que faltou verba pra ele terminar a fossa. Do pessoal que originalmente pegou o dinheiro pra fechar a fossa com o pretexto de fazer um filme (e acabou fazendo um filme com o pretexto de fechar a fossa), não se ouve um pio.

2. As razões apresentadas pra dizer que “o investimento no filme valeu a pena” são de um capitalismo simplista. Listemos tudo o que “acaba bem” no fim do filme: o casamento e o negócio de móveis do casal de realizadores floresce e faz um belo marketing em cima do filme; o dono da câmera, que é proprietário também de uma pousada, recebe investimentos do setor hoteleiro, feitos por uma mulher linda; o “co-diretor” e montador do filme ganha notoriedade local e espaço pra falar abobrinhas em público, além de um cachê de 2.000 reais; a atriz principal do filme vira uma estrela; a região ganha um punhado de turistas.
sinceramente, se é por isso que a gente precisa investir em cinema, me dêem os queijos. Não que eu seja contra a idéia de investir em cinema. Pelo contrário, minha opinião é que dar 10.000 reais prum vilarejo tosco fazer um vídeo é uma puta idéia. Mas essas são todas as razões erradas pra isso. O item certo pra obter esse tipo de retorno deveria constar no orçamento público como “publicidade turística”, ou qualquer outra coisa. Mas não é cinema, muito menos cultura. Se tem uma boa razão pra dar 10.000 reais pra alguém filmar algo, é pra fazer as pessoas pensarem. Tanto quem faz como quem assiste. E pensarem sobre questões relevantes, inclusive sobre a necessidade de gastar dinheiro fazendo cinema. O que, suponho eu, tenha sido o que os financiadores públicos do filme pensaram quando investiram no projeto. Estranhamente, a idéia de mérito que o próprio filme passa no fim das contas parece absolutamente diferente.

3. Os beneficiários do filme são basicamente os seus realizadores. Isso é o mais engraçado, mas é inegavelmente verdade. Todo mundo que é mostrado se beneficiando diretamente com o filme (o dono da pousada, os donos da loja de móveis, o co-diretor, a atriz principal) são os seus próprios realizadores, que fazem marketing pessoal em cima da própria obra e recebem amplos benefícios secundários. O retorno de interesse público de fato é mísero: algumas dezenas de turistas a mais, e as risadas que a população dá ao assistir o filme. Vá lá, talvez eu esteja sendo ranzinza: acho que se pode argumentar que boas risadas não sejam um retorno mísero, e que elas sejam motivo válido e suficiente pra fazer um filme. Mas é inegável que o grosso do retorno (e praticamente todo o benefício financeiro) aparece indo pra mão dos realizadores. Enquanto a fossa continua aberta.


4. 30% da verba é gasta pagando direitos autorais para os herdeiros de Billie Holiday. Um pouco menos grave, mas igualmente intrigante é o fato de que de 10.000 reais do projeto, inexplicáveis 3.000 (com a obra da fossa inacabada!) vão pra comprar os direitos duma trilha sonora da Billie Holiday! Sob a bênção de alguém que diz: “é, é caro, mas tem que ser essa música”. Excuse me? Isso é pra ser um final feliz? Eu usaria um absurdo desses pra fazer campanha em prol do domínio público, ou então pra fazer uma denúncia contra a falta de economia com o dinheiro público. Mas dizer que “tem que ser assim” é o fim da picada.
dizer que “o investimento em arte é válido” não tem nada a ver com dizer que “qualquer investimento em arte é válido”. Aliás, o outro problema latente do cinema brasileiro (que anda de mãos dadas com o financiamento público, naturalmente) é que uma parte significativa dele (não por acaso, a mais visível) tem padrões inexplicavelmente hollywoodianos. Pra filmes por vezes muito ruins. O que faz com que (a) boa parte dos filmes custe significativamente mais do que poderia custar (com pouco acréscimo de qualidade artística de fato, porque isso raramente se compra) e (b) os poucos realizadores que conseguem criar público pra pagar pelo menos uma parte dos seus filmes, ao invés de usarem isso pra se tornar independentes, geralmente passam simplesmente a pedir mais dinheiro pra fazer filmes mais caros, perpetuando o ciclo de dependência. Mas como ninguém tá botando grana do seu bolso mesmo, afora o contribuinte, quem se importa?

sinceramente, 3.000 reais em uma trilha duma cantora morta prum filme de 10.000 (que na verdade eram 2.000 inicialmente, já que a obra ia custar 8.000) me parece o clássico exemplo de desperdício do cinema brasileiro. Vá lá, pode ser que fosse a melhor trilha do mundo praquela cena. Mas pra um filme desse tamanho e orçamento, não importa. Não dá, e ponto. Está fora de alcance, assim como filmar uma batalha de naves espaciais, ou algo do gênero. E que se pegue um violão e grave uma trilha parecida, ora bolas. Ninguém vai morrer com isso. E a gente vai fazer um cinema possível pra cidade. Ou pro país. Que provavelmente, além de mais barato, vai acabar sendo mais representativo do Brasil que ele quer mostrar (e que está pagando o filme, diga-se de passagem). Mesmo que seja um pouco mais tosco. Ou exatamente por causa disso.

5. No fim das contas, o filme (dentro do filme) é um lixo. Ok, esse é o menor dos problemas. Afinal, o filme (de fora) é uma comédia, e a ruindade do filme de dentro era absolutamente necessária pra história funcionar. E eu concordo que talvez pruma comunidade de meia dúzia de habitantes, mesmo fazer um filme ruim possa ser um troço muito significativo e importante. Afora que é inevitável que investir em cinema sempre vá gerar alguns monstrinhos. Mas enfim, não deixa de ser relevante e pelo menos um pouco representativo de boa parte do cinema nacional que, mesmo com todo o dinheiro gasto e a fossa ainda aberta, o resultado final do investimento ainda assim seja muito ruim.


mas como todo mundo parece feliz no fim do filme, ninguém parece se importar muito com nada disso. E eu não sei se era a intenção dos realizadores do filme de fora, mas o resultado do filme de dentro, quando olhado com cuidado, acaba se tornando não uma defesa do investimento em cinema, mas um retrato relativamente significativo de alguns dos maiores problemas, distorções e maus hábitos do cinema brasileiro. Se isso foi consciente (e é possível que pelo menos parcialmente tenha sido), isso é um baita mérito, ainda que meio escondido. Mas o tom de final feliz meio autocomplacente do fim do filme parece sugerir que é mais provável que a maior parte dessas controvérsias tenham simplesmente emergido meio por acaso. E, se for esse o caso, é bastante sintomático que isso tenha acontecido sem que ninguém se dê conta. Talvez porque todo mundo no meio já tenha se acostumado com elas. Igualmente sintomático, e talvez mais preocupante, é o fato de que praticamente ninguém na crítica parece ter notado esses detalhes tampouco; pelo contrário, todo mundo parece ter exaltado o filme como uma “comédia prazerosa de humor inocente e sagaz”, ou uma “defesa da produção nacional”, sem conseguir enxergar o óbvio latejante.
pra mim, no entanto, o que salta aos olhos é o quanto de podre se esconde num final aparentemente feliz sem que ninguém sinta o cheiro. Ironicamente, a impressão que fica é que os realizadores do filme de fora fizeram o mesmo que os realizadores do filme de dentro. Ganharam verba pública pra fazer o filme e tentaram usar essa verba pra, no processo de fazê-lo, tentar tapar as fossas abertas do próprio cinema brasileiro. Mas, intencionalmente ou não, mudaram de rumo em algum ponto do caminho. E acabaram por deixar a fossa mais exposta ainda.

terça-feira, julho 24, 2007

se é pra ir embora...

que seja afogado numa banheira com champanhe e pétalas de rosa, ou de alguma outra maneira cheia de glamour. Anyway, esse post é pra comunicar que a minha coluna do argumento está suicidando-se por tempo indeterminado, até o momento de desfechar para balanço. Mas também é pra dizer que ela pelo menos se despede com estilo.

sexta-feira, julho 13, 2007

o óbvio, o reiterado e o repetido

pra algumas pessoas parece tão fácil entender...
"Praticamente toda música é derivada de outros artistas. Se você é guitarrista numa banda de rock, toca notas em progressão de um jeito que alguém já fez. Isso num instrumento que não foi você quem inventou. Coloca as notas numa ordem que rearranjou de alguma canção de que gosta, produz num instrumento, contextualiza inserindo outros instrumentos e chama isso de sua criação. É basicamente o que faço também. Nenhuma lei de direito autoral diz que roubo música."
(Gregg Gillis, vulgo Girl Talk, sampler convicto, sobre a acusação de "roubar música dos outros")
também nunca entendi como alguém de fato pode reclamar pra si o mérito de ter "inventado" algo. Na ciência muito menos do que na arte, aliás. Mas alguém há de ter trabalhado pesadamente o inconsciente coletivo do mundo ocidental pra encobrir esse fato escancarado. Em todo caso, é sempre bom ver gente levantando a voz pra reiterar o óbvio.

quarta-feira, julho 11, 2007

mergulhando corajosamente nas águas do futuro

sempre tive um forte complexo de inferioridade (e sentimento de profunda defasagem) ao ver esses vídeos de adolescentes com 500.000 hits no youtube, ou comunidades no Orkut com 1 milhão de membros, particularmente ao lembrar que o meu livro de contos tem uma tiragem de uns mil exemplares, e que metade deles tão na mão de gente que sequer deve ter lido. Mas tá na hora da virada. Graças a esse tradutor automático, tô pronto pra invadir os êmeésseênes da vida. Aí embaixo vai o primeiro conto traduzido. Daqui por diante, não vai ter banda larga o suficiente pra tanta fama.
(com créditos pro pelizzari, jp cuenca e scott pelo telefone sem fio).

a porta du 4o

kom u avanssu da idadi...tudu u ke ainda konsigu mante em minha kabessa saum as partidas i as xegadas...... du kaminhu ke jaz entre umas i otras...poca koiza sobrevivi a aridez da minha memoria: us paises longinkus ke algum dia habitaram a minha imaginassaum permaneci longinkus...i na ausencia deles eu me veju atadeenhu apenas a essi 4o...i a todas as vezes ke a porta c abriu......da 1a vez ainda havia 1 mundu inteiru a se discobertu du ladu d fora...i eu mau podia konte a minha excitassaum enkantu ke dentru du 4o a mala esperava ansioza a bera da porta i u orgulhu dela kobria-me d bjs...flores i certezas d 1 retornu idilicu ke naum haveria...... pois da proxima vez ke entrassi pela porta jah haveria nascidu a dor...i a esperanssa da kama feita i du sorrisu nus labius jah c kontrapunha u estranhamentu...... “minha viagi foi maior du ke a tua”...ela dissi...i eu aceitei sem sabe u ke fazia ou u ke faze...kom a eloquencia i a forssa esvaidas pelu mundu...... i sem renunciah a 1 ultima tentativa d transpor a porta implorei por perdaum...+ por inercia du ke por esperanssa...mas nu intimu jah sabia ke u 4o naum era i naum seria + u msm...... a partida siguinti foi apenas necessaria...du ladu d fora a eternidadi a esperah ke eu atravessassi a porta por kompletu...kom a troxa d ropas nas kostas i 1 lagrima nus olhus...... i ninguem entaum imaginaria ke u retornu seria sofreguidaum pura...1 imensidaum d abrassus c estendenu da porta au leitu...ondi 1 nova eternidadi me dava as boas vindas......kom a eternidadi veiu a siguranssa: as partidas tornaram-c komuns...automaticas...planejadas...i u bate da porta antis fatidicu torno-c apenas korrikeiru...naturau komu u esforssu d sai em silenciu p naum acordah-la...sempre retribuidu kom 1 acenu silenciosu entre travesseirus i bocejus...... us retornus tornaram-c igualmenti singelus...1 abri d surpreza da porta duranti a limpeza da kaza...a makiagi ou a sesta da tardi...us abrassus i bjs gratuitus i telegraficus komu nus konvinha...... ateh u dia em ke u abri da porta koincidiria kom u fexah dus olhus i u kolidi dus korpus i us gritus d sim...num brevi vislumbre siguidu da porta batida sem tranca i du silenciu kumplici i disorientadeenhu a restah nu 4o...... a proxima abertura seria relutanti...1 kurtu interludiu p juntah us pertencis antis da saida sem dispedidas...jah sabenu nu fundu ke tudu naum passava da preparassaum necessaria p proximu retornu...rodopianti...inevitaveu i repletu d perdoes...bjs tremulus...juras d amor eternu i promessas d nunca +......a parti daih as partidas seriam todas furtivas...noturnas...findas antis du amanhece num lentu escorregah por entre us kobertores...u 4o em silenciu acolhedor i kumplici da evanescencia da noiti du otru ladu da porta...... i dpois dissu viriam ainda partidas rispidas...retornus languidus...escapadas subitas...xegadas pontuais...partidas a kontragostu...xegadas d improvisu...partidas i xegadas i partidas i a porta a abri i fexah...sempre a porta...a porta du 4o...u iniciu i u fim d todu u dislocamentu...... i eh p porta ke olhu qdu esta c abre i dexa ke ela entre...doci i majestoza...ela ke em sua imensidaum aproxima-c da kama em ke to deitadeenhu i dexanu us pacotis d supermercadeenhu au ladu da kabecera me diz oi filhu...sentiu minha falta??!?! i eu respondu ke naum...mai...foi tudu bem...i sabenu ke eh mentira olhu p ela komu c pedissi perdaum pela minha infidelidadi...... i qdu ela c aproxima p beijah-me eu tiru us olhus da porta i encontru por fim a certeza ke procurava...a reconfortanti certeza d ke jamais saih...d ke nunca parti nem xeguei...i d ke tudu u ke passa por minha kabessa eh apenas frutu d 1 imaginassaum angustiada pelu tormentu da solidaum momentanea...pois tudu u ke sempre hovi disdi u iniciu dus tempus naum foram partidas nem xegadas...mas apenas a porta du 4o...i a infelicidadi kontida d qm naum konseguiu sai......

quarta-feira, julho 04, 2007

taquilalia quer, taquilalia pode


confirmado! Atendendo a uma reivindicação antiga deste blog, o “Saneamento Básico” do Jorge Furtado é provavelmente o primeiro filme do cinema brasileiro em que todos os oito ou dez motoristas contratados têm sobrenome. Sem exceção. Sério. Um verdadeiro milagre da tecnologia moderna, que mostra que, quando a blogosfera realmente quer algo, o nosso poder é quase ilimitado. Nem que seja via figa. É ver pra crer, breve, num cinema próximo de você.

terça-feira, junho 26, 2007

e já que eu enveredei pelo assunto abaixo...

e falando no tal "jornalismo cultural", uma pergunta simples: por que diabos em pleno 2007 as críticas de literatura e música continuam terminando com o preço do disco ou do livro. Será que alguém que se presta a ler crítica de música no mundo ainda compra CD? Vá lá, livros ainda compram-se de vez em quando, então de repente o preço pode eventualmente ser útil pra alguém. Mas, útil ou não, me incomoda profundamente essa coisa da indissociabilidade obra de arte = objeto de consumo. Se alguém faz uma entrevista com um escritor, o que o cara vai ter pra dizer provavelmente vai ter muito pouco a ver com o livro dele ter sido lançado pela editora X com preço de capa de R$ 54,00. E muito mais a ver com o fato do livro ter sido escrito. Então eu não vejo uma razão óbvia pras coisas serem assim tão indissociáveis: a obra existe independentemente do objeto de suporte, e isso devia ser cada vez mais óbvio na era pós-napster. Mas por algum motivo, parece que a ficha demora a cair. E aquele incômodo preço continua onipresente, transformando o caderno de cultura do jornal na versão chique dos classificados.
vá lá, talvez seja tudo conspiração da tal "indústria" cultural pra manter viva a figura do chamado "consumidor" cultural (aliás, como diabos essas duas palavrinhas profundamente infelizes se juntaram com a pobre palavra "cultura"?). Ou talvez seja o peso de todos os séculos pré-imprensa/fotografia/soulseek em que a arte de fato equivaleu ao objeto físico que dificulta a perda do hábito. Ou talvez pro próprio “consumidor” a idéia de que se pode “adquirir cultura” sacando o cartão de crédito do bolso possa ser uma maneira confortável de se diferenciar usando a carteira ao invés da cabeça. E claro, sempre vai ter alguém pra dizer que é importante que seja assim, porque o autor precisa lucrar de algum jeito, etc., e "mal não faz” botar o preço ali. Mas nada disso me parece uma boa razão pra que nada consiga existir sem preço no mundo (como "proof of principle", eu acabei de dar um google no marçal aquino pra botar um link no post abaixo, e o primeiro hit, ali nos "links patrocinados", foi o www.shoppinguol.com.br.). E coisas como o precinho embaixo da crítica podem ser muito tênues, mas elas me parecem profundamente representativas do jeito capitalista tosco de equiparar a arte a um objeto de mercado. E ajudam a perpetuar uma visão de mundo em que o dinheiro é capaz de comprar tudo, inclusive cultura. E pior, em que ele é o único meio possível pra isso.
por sorte, os dias do precinho provavelmente estão contados. Mais e mais gente troca músicas, PDFs, e vídeos via net e não precisa comprar porra nenhuma pra se tornar um ser mais pensante. Timidamente, pelo menos as revistas de música tem incluído umas paginazinhas de "downloads", ou "coisas na web" (sem preços!). E esses dias eu abri uma rolling stone gringa (hoje em dia totalmente inserida no mainstream musical) e encontrei uma dica de download que ao invés do endereço pra baixar tinha simples e milagrosamente a palavra “leaked”. Ou seja, pelo menos alguém aí fora parece estar se dando conta que o mundo mudou. E se o tal jornalismo cultural não se der conta disso, é bem capaz de seguir o mesmo caminho das gravadoras em direção à cova. Nada a ser temido, em todo caso: se acontecer, é provavelmente porque ele já ia tarde mesmo.

se alguém ainda duvidava que a indústria cultural é um mero subproduto do capitalismo sem coração




















(contracapa da última BRAVO!, junho/2007)
sério, esse deve ser o anúncio de pior gosto que eu já vi em toda a minha vida. Vá lá, suponho que um banco tem que manter uma certa imagem de capitalismo sisudo e malvado. Mas putz, isso é ridículo. E o mais engraçado de tudo é que essa é em tese a revista de cultura mais importante do país. Suponho que isso deva dar alguma medida de quem seja o "consumidor de cultura" dessas paragens. Afinal, o banco deve fazer uma boa pesquisa de marketing antes de decidir onde botar um estrupício desses.
aliás, não sei se é ironia de propósito de algum editor mais clarividente e adepto do autoescárnio, mas abrindo a página a primeira coisa que se encontra é um trecho de novela do Marçal Aquino sobre um escritor frustrado que assiste impotente a um bando de mulheres que gravita em torno dum anão milionário. Se tiver sido de propósito, parabéns ao responsável, não podia ter sido mais eloqüente. Mas se tiver sido o destino, enfim, isso é só mais uma prova que esse cara é um artista massa.