quinta-feira, maio 31, 2012

transbordando Dutra abaixo

e enquanto a vida ruge e eu me afundo em prestações de contas, Correnteza e Escombros será lançado em São Paulo nesse sábado, dia 2 de junho, na Livraria da Vila/Lorena (Alameda Lorena, 1731). Estarei lá para autografar, trocar uma ideia e tomar umas com vocês. Apareçam.

quarta-feira, maio 02, 2012

próximo capítulo, no qual o que está delineado no post abaixo toma uma forma concreta

não por acaso, meu próximo livro (ou a minha próxima tentativa de um, porque nada me garante que tenha qualquer chance de dar certo) é sobre o meu Rio de Janeiro cheio de monstros, sobre a minha cidade ideal do passado, e sobre o lugar real à minha frente que não é nenhum dos dois. Claro que misturado a isso tem uma Zona Sul submersa, favelas ocupadas por arranha-céus, captadores de atividade cerebral, síndromes de adição ao neurofeedback e outras coisas que só costumam existir no pós-apocalíptico ano de 2040, porque ninguém é de ferro pra falar a verdade o tempo todo. E ainda que por ora isso ainda seja apenas um devaneio inconsequente, dizê-lo aqui não deixa de ser uma tênue forma de compromisso. Os pacientes que me aguardem.

tabuleiro

é fascinante como as pessoas projetam suas crises sobre o território. Posso dizer que falo com alguma propriedade: quando se mora longe de onde se nasceu (mesmo que nem tanto), uma porcentagem significativa dos seus diálogos acaba recaindo sobre falar mal de um dos dois lugares. E isso vale tanto pros exilados como com os que nunca saíram (e que a essa altura da vida também se sentem um pouco exilados por isso).
e eu nunca deixo de me surpreender com o fato de que as reclamações das pessoas sobre os lugares onde moram são sempre muito diferentes das minhas. E às vezes são tão diversas a ponto de parecer fisicamente impossível que elas de fato se refiram ao mesmo lugar. Ou que o lugar seja realmente culpado por elas.
até porque o espaço, como bem se sabe, é uma dimensão em decadência. Num mundo que parece cada vez mais bem descrito pela teoria dos grafos, o território é um senhor decrépito, relativo e destituído de poder. E ainda assim ele segue levando uma carga enorme de culpa: tudo o que é pouco ambicioso no sul é culpa do provincianismo de Porto Alegre, tudo o que não funciona no trópico é culpa da malandragem do Rio de Janeiro, e seguir com mais exemplos seria chover no molhado.
e esse ressentimento direcionado ao território talvez seja um não dar-se conta - ou uma negação ativa - de que todo deslocamento ocorre não só no espaço mas no tempo. Por essa contingência física, cada lugar também corresponde a uma volta da vida, e a um pedaço particular de quem se desloca. E atribuir nossa insatisfação à geografia costuma ser só uma maneira de projetar nossas próprias frustrações num espaço em que elas pareçam deixar de ser só nossas. O que nos faz sofrer um pouco menos sozinhos, no fim das contas. O que já é uma grande coisa.
mas no fundo eu confesso que o espaço já não me engana como antigamente. Sempre vai haver uma cidade pra culpar pelas nossas agruras (e o Rio sabe como ele levou porrada de mim nos últimos anos). Mas por mais que ele me mostre o pôr-do-sol do Arpoador ou o trânsito na Linha Vermelha, ele já não me convence do seu poder. E cada vez mais eu sinto que minhas tristezas e alegrias no fundo são só minhas. E que o máximo que a cidade me oferece é essa tela colorida, esse espelho distorcido que reflete pedaços de mim mesmo.
e assim eu sigo em frente, cada vez mais convencido que qualquer lugar pra onde se vá, mais do que uma imposição geográfica, será apenas mais uma nova bola lançada na roleta, um pequeno reiniciar da vida, um terreno um pouco menos construído do que o anterior. E que o espaço, com toda sua pompa de cartão-postal, é apenas o tabuleiro dos verdadeiros donos do jogo: o tempo, o acaso e o desejo, que jogam sobre ele seus dados, fazendo ressurgir em todo deslocamento a esperança de um lance diferente.