sábado, março 31, 2007

invenções geniais # 233 - pela adequada exploração do trabalho infantil


cansado de ser criticado por explorar o trabalho infantil? Que tal utilizar o potencial das crianças de uma maneira política e ecologicamente correta? Nada mal, hein?
seja bem-vindo ao projeto da 1ª creche exportadora de energia elétrica do mundo!
o conceito é simples: qualquer pessoa que já tenha entrado em uma creche sabe da capacidade infinita das crianças entre 3 e 6 anos de fazer algazarra, correr, pular, subir nas paredes e coisas do gênero. A questão, então, é simples. Dada a crise energética vigente, por que não apropriar-se desta energia?
é com esta pergunta em mente que apresentamos o projeto de nossa creche/usina. Baseado na idéia de uma discoteca auto-sustentável duns holandeses viajantes , que puxará toda a eletricidade que necessita de sensores mecânicos que captam a energia mecânica dos pés das pessoas que dançam, tiramos a conclusão óbvia: se um bando de adultos podem sustentar uma discoteca com sua energia, um bando de crianças infernais pode sustentar uma nação. Daonde nascem os nossos princípios:
a) recrutamento ativo de crianças com insuportáveis distúrbios de conduta junto às creches vizinhas, com possível cobrança de comissão para aceitar os pestinhas.
b) contratação de professores surdo-mudos, uniformizados com armaduras.
c) recreio contínuo, intercalado com pequenas pausas de lanche para repor as energias.
d) animais de estimação à vontade (mantendo-se a sociedade protetora dos animais à distância, naturalmente).
e) instalação dos mesmos sensores mecânicos da tal discoteca, não só no chão como em qualquer lugar passível de ser pisoteado pelas crianças (ou seja, paredes, telhados, armários, postes de luz e possivelmente cabeças dos professores).
f) instalação de dispositivos produtores de biodiesel a partir de fraldas sujas, como fonte de energia complementar.
como as grandes civilizações da história, utilizaremo-nos uma vez mais do suor humano como o verdadeiro motor da sociedade. E ainda venderemos essa idéia via Greenpeace pros quatro cantos do mundo. Não tem como dar errado. Tô patenteando esse troço amanhã. E semana que vem começo a abrir o capital da empresa na bolsa.

os deuses podem não estar loucos ainda


mas os cientistas certamente estão. Dum artigo duns iranianos doidos numa das minhas revistas de ciência bizarra favoritas, a Medical Hypotheses:

"Intense romantic love (RL) is a cross-culturally universal phenomenon. RL, in its early stages, is associated with specific physiological, psychological and behavioral indices such as euphoria, obsessive thinking and intense focused attention on a preferred individual, emotional dependency on and craving for emotional union with the beloved one, and increased energy [1]..."

e depois de muito falarem sobre o tal “RL”, acabam por concluir:
"...The authors hypothesize that the hormonal products of pineal gland may attenuate the romantic love, particularly in its early stages, through their anti-dopaminergic properties and inhibitory effects on the caudate nucleus, which is a crucial brain region in the evolution of love. Hence, exogenous administration of the melatonin and vasotocin might be a potential therapeutic option in attenuating RL."
(Shoja et al. A cure for infatuation?: The potential ‘therapeutic’ role of pineal gland products such as melatonin and vasotocin in attenuating romantic love. Med Hypotheses 2007;68: 1172–1190)

sério, sou tri a favor de liberar a psicofarmacologia pra população em geral usar como lhe convenha, sem que se tenha que inventar doenças psiquiátricas ridículas e fictícias pra isso, como já disse alhures. Então por princípio eu não deveria me manifestar contra um troço desses. Mas têm certas coisas que doem na alma. A começar pela abreviação científica pra “romantic love”, que já beira o ridículo. Mas se querem atenuar alguma coisa, porque essas pessoas não fazem uma lobotomia em si mesmas de uma vez?
em todo caso, é bom que se possam dizer absurdos em algum lugar, nem que seja pra gente se divertir de vez em quando.

quarta-feira, março 28, 2007

pequena nota sobre preconceitos antinaturais

BBC Brasil - E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?
Matilde Ribeiro - "Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou."
(do site original da entrevista na BBC Brasil)

reclama a ministra da igualdade racial (?) que a sua fala foi "descontextualizada". Sinceramente, acabei de olhar ela no contexto e considero ela tão estúpida quanto fora dele. Eu particularmente não me lembro de ter açoitado ninguém nos últimos tempos, independentemente de cor de pele. E me sentiria um tanto injustiçado se alguém não gostasse de mim por isso.
pra começar, não consigo entender o que diabos ela possa querer dizer com essa história de "uma reação natural" (ou "uma reação subjetiva normal", como disseram uns antropólogos aí) que os negros não gostem dos brancos. E as reações dos brancos que não gostam de negros são o quê, "artificiais"? "Antinaturais"? "Extraterrenas"? Também me parece uma reação obviamente "natural" que um branco tenha preconceito contra os negros, considerando-se que ele cresceu num meio preconceituoso, em que os pais e amigos fingem tolerância mas falam mal desses "negros filhos da puta" tão logo se sentem prejudicados por um, em que a TV mostra negros nas notícias policiais todos os dias, e em que nenhum negro anda por seu bairro elitista e limpinho. Mas não é por ser "natural" que tal reação deveria ser uma coisa normal ou tolerada. E certamente não é por isso que deixa de ser racismo.
mas o mais patético de tudo, no fim das contas, é que me parece que esse tal "racismo reverso" ou alguma forma de ressentimento da população negra é um problema absolutamente mínimo no Brasil, se é que existe. Confesso que no pontinho míope de vista que o meu local no país e na pirâmide social me oferecem, talvez eu não esteja tão exposto assim a grandes conflagrações raciais. Ainda assim, eu não me lembro de nenhuma vez em uns quase vinte e oito anos de vida de ter sido hostilizado por ninguém de etnia alguma por causa de cor de pele. Então a ministra consegue a proeza de se antecipar e perdoar o tal "racismo reverso" antes mesmo dele nascer no Brasil. Superbom.
dizer que não existe racismo no Brasil, como tem feito algumas pessoas que andam levantando a voz contra a idéia de afirmação afirmativa e cotas raciais, é obviamente uma bobagem grotesca. Mas não me parece uma bobagem achar que as tais políticas de "igualdade racial" do governo enxergam um país que não parece muito com o Brasil. Em primeiro lugar, a noção de raças distintas, como qualquer geneticista concordaria, é uma bobagem sem tamanho. E mesmo a noção de comunidades étnicas no Brasil me parece um tanto sem sentido: não me parece que exista grande segregação geográfica ou de costumes devido a etnia, e sim uma imensa segregação por classe social: bairros pobres e bairros ricos, costumes de pobres e costumes de ricos, produtos pra pobres e produtos pra ricos. Mas não vejo nenhum bairro negro, e se há "música negra" ou "moda negra" de uns tempos pra cá, isso parece ter sido largamente importado dos Estados Unidos - o samba, como canta o João Gilberto, sempre foi mistura de raça e mistura de cor. Da mesma maneira, a existência de tensão racial de fato, a tal "insurgência" levantada pela ministra, também nunca foi um problema dos maiores. O que existe é preconceito e discriminação, certo. Mas isso é bem diferente do que insurgência étnica.
ainda assim, por algum motivo, o pessoal lá de cima segue martelando essa história das duas populações separadas em franco conflito. E de tanto martelarem, são capazes de qualquer dia criarem exatamente isso (até porque a oficialização constitucional da separação parece só questão de tempo). Às vezes parece incompreensível. Mas como já nos ensina há tempos a indústria farmacêutica, se a gente tem um remédio popular pra vender, a melhor opção é sempre criar a doença.

segunda-feira, março 19, 2007

don't be evil


Cenário legal pro conflito do post abaixo:
Acuado por processos de violação de direitos autorais, por que o Google não resolve comprar um país de uma vez? Tipo uma ilha chinfrim dessas no pacífico, tipo Tuvalu, Nauru ou algum outro lugar ridículo desses com não muito mais do que uns 10.000 habitantes, que os nerds bilionários possam sustentar sem muito esforço. E que ao mesmo tempo, como são autônomos, independentes do mercado global e plenamente supridos pelo Google, possam reescrever sua constituição de maneira a cuspir na cara da Organização Mundial do Comércio e liberar a pirataria geral na ilha. E aí o Google Tuvalu poderá instalar na ilha seus servidores do Youtube, e de toda a forma de conteúdo arrebanhado de outras fontes, se aproveitando da legislação, com a qual ele não terá afiliação direta alguma, visto que foi decidida de livre e espontânea vontade por seus cidadãos. E então centenas de sanções internacionais voarão na cara da ilhazinha, que apenas rirá, visto que o Google terá espalhado mesas de sinuca, poltroninhas de chá e café de graça em todas as praias do país. Mais cedo ou mais tarde, os lobistas da indústria do entretenimento dirão que a GoogleIsland tem armas de destruição em massa, e o Jack Valenti exigirá a presença de inspetores da ONU no local. Os ânimos se exaltarão, com os tavaruanos sendo tachados de demônios, terroristas e tendo vistos negados por toda a comunidade internacional, fazendo com que em uma bela manhã do Pacífico a ilha amanheça coberta de bandeiras piratas por todos os lados. Sentindo-se ultrajados, os Estados Unidos ameaçarão invadir, o que mobilizará uma imediata e inédita mobilização de nerds de todas as partes do mundo, que migrarão para a ilha a fim de defendê-la, armados de celulares e espadas laser do Star Wars. E num voto inédito, a população de algum país oriental como a Coréia do Sul ou a Tailândia se aliará com nossa querida ilha, formando um novo Eixo do Mal em pleno Oceano Pacífico. Isso sim seria uma crise global divertida. Tô pagando pra ver. Aliás, alguém aí tem o mail daqueles dois nerds bilionários que mandam nessa várzea pra mim enviar a idéia?

(observação óbvia, antes que venham as críticas: sim, eu também acho meio deprimente quando a empresa mais poderosa do mundo começa a monopolizar as esperanças de uma revolução global (além de ser a dona desse humilde espaço em que elas são veiculadas, diga-se de passagem). Mas fazer o quê, bem ou mal essess nerds são bem melhores do que os republicanos. Pelo menos até o dia da vingança dos Sith)

e agora um boicote que vale a pena


quer dizer, valeria a pena, se não fosse um movimento restrito a um punhado de nerds norte-americanos que mal sabem escrever, tipo esses aqui, esses aqui, e uma larga quantidade de outros ainda mais ridículos. E me deixa sinceramente chateado que todo mundo se preocupe com os filmes de terror, mas que nessas horas ninguém chie. Porque sério, parece ser o clássico caso de uma imensa maioria silenciosa e passiva cedendo a uma minoria de cinco ou seis megaconglomerados extremamente vocal, ativa e legalmente assessorada. Porque eu não consigo realmente imaginar que alguém que não seja acionista da Viacom realmente apoie eles nessa ridícula pataquada de partir pra cima do Youtube pedindo um mísero bilhão de dólares em danos. E que por favor ninguém me venha com uma argumentação legal em cima disso (ainda que a maior parte das pessoas que entende do assunto parece ser da opinião de que eles não têm razão de qualquer maneira). A questão é muito mais simples. Se uma única supercorporação multimilionária pode legalmente estragar o veículo de expressão de milhões de pessoas botando conteúdo no mundo por pura boa vontade (misturada com o narcisismo, naturalmente, mas nada mais saudável do que isso) por causa de copyrights de pedacinhos de coisas que em grande parte das vezes já foram ao ar, nunca mais irão, e não dão dinheiro pra mais ninguém, é a lei que está errada. Ponto. E nenhum ato digital de copyright do milênio ou Sepúlveda Pertence vai me convencer do contrário.
mas aparentemente ninguém parece se preocupar muito. Talvez porque todo mundo tenha crescido desde o bercinho com essa noção absolutamente criada que pirataria é um troço ruim e feio (sem nunca ter se questionado como diabos um troço cujo nome técnico é “compartilhamento” tenha o nome legal de “pirataria”). Ou porque elas tenham crescido com a idéia de “viva o sonho americano” de que se o CEO da Viacom chegou lá é porque ele trabalhou duro e merece ter três bilhões de dólares ao invés de dois (mesmo que pra isso seja necessário suprimir a produção intelectual de alguns milhões de pessoas, já que o sonho americano, como todo mundo sabe, é sempre só pra uns dois ou três). Ou simplesmente porque prefiram deixar a questão pros advogados. O problema é que, pelo menos nessa briga, os advogados estão todos do lado onde costumam estar. Do lado onde o dinheiro está concentrado. E assim a oportunidade de uma revolução cultural de verdade ainda é capaz de escapar por entre os nossos dedos (digo, por entre as letras miúdas da legislação), por pura inércia.
não pretendo começar movimento nenhum, nem adentrar na organização política nesse exato momento, até porque tá na hora da janta e além disso a minha namorada acabou de se atirar em cima da cama. Mas acho que cada um de nós podia pelo menos tomar um pouquinho de consciência e fazer um único gesto político. Que pode ser muito bem o de piratear desesperadamente tudo o que tenha alguma coisa a ver com a Viacom, pra começar (ou seja, paramount pictures, CBS, dreamworks, MTV, nickelodeon e mais meia torcida do flamengo, como mostra a figura acima). Ou de xingar a mãe deles em público e pelo menos colocar a questão em pauta. Mas já que isso pega mal em jantares chiques, ainda acho que piratear é a melhor opção. Pelo menos pros mais quietinhos. Se alguém precisa, os links pro Pirate Bay e pro Soulseek tão aí do lado. E pros mais tradicionalistas, o centro de sua cidade certamente está zunindo de camelôs com DVDs a cinco reais. Eu tenho certeza de que algum bem pelo mundo a gente vai estar fazendo. E não é todos os dias que se tem a oportunidade de fazer isso comendo pipoca.

terça-feira, março 13, 2007

arte, sem desculpas











vou ver se consigo assistir ao filme "Turistas" essa semana. Não que eu de fato esteja a fim de ver essa bosta. Talvez até saia no meio do filme. Ou no início. Mas é só um ato político, pra pagar o ingresso e boicotar essa choradeira ridícula de “boicote esses americanos que querem ganhar dinheiro denegrindo o nosso país”. E defender assim o direito de neguinho ambientar o seu filme de terror no lugar que bem entender. Até porque, cá entre nós, francamente: se você, leitor escandalizado, fosse roteirista de cinema e algum produtor picareta largasse na sua mão uma sinopse de trabalho que dissesse “turistas vão pra um lugar exótico em busca de festa e putaria e acabam seqüestrados e perdendo os rins”, alguém aí consegue pensar num lugar mais provável e convincente pra isso acontecer? Sinceramente, eu não. Mesmo. E isso que eu gosto pra caralho do país em que eu vivo.
bom, aí vem a argumentação. Argumento número 1 da choradeira: “o filme pega um estereótipo deturpado do nosso país e passa a impressão de que tudo aqui é assim”. Resposta óbvia: sim, é claro que ele faz isso. A questão é que isso é normal e necessário em qualquer forma de arte. Usar estereótipos e exagerar as coisas é um recurso básico da ficção, pra mexer com o imaginário das pessoas. E é ridículo cobrar dum filme de terror ou duma comédia um compromisso fiel com a realidade. Vá lá, um pouco de verossimilhança não faz mal a ninguém, até pra própria obra não parecer idiota. Mas se coisas tipo a polícia usar facões como armas ou a floresta amazônica acabar numa favela são necessárias pra história, então que seja assim, porra. Porque se o mundo não puder contar histórias direito, a gente tá muito mais fodido do que se roubassem os nossos rins.
verdade que no caso dessa (provável) bomba cinematográfica é mais difícil argumentar que tenha sido por uma boa causa dramática: mais provavelmente deve ter sido por ignorância mesmo. Mas aí começa a virar questão de gosto. Porque se o argumento vale, algum cara que trabalhasse na pesca baleeira também podia ler Moby Dick e dizer que “isso é um absurdo, porque os capitães dos barcos não são malucos, e nenhum capitão que se preze mataria toda a sua tripulação pra se vingar duma baleia branca” e patatipatatá pelo mundo afora. A questão é que a história não é sobre a pesca baleeira; ela é sobre a obsessão, sobre a monomania, sobre a condição humana, e sobre uma infinidade de outras coisas. Ou melhor, minto: os poucos que de fato leram o livro sabem que tem longuíssimas passagens meio documentais sobre a pesca de baleias que são invariavelmente um saco. Por outro lado, quando entra o capitão maluco cruzando o mundo atrás da baleia branca, o livro vira um ponto altíssimo na história da civilização. Tão inverossímil quanto possa ser.
e mais: se usar estereótipos e exageros pra retratar alguma coisa é um problema, por que diabos a gente não boicota os filmes do Todd Solondz? Ou o Beavis and Butthead? Ou os Simpsons? Tipo assim, alguém de fato acredita que os americanos sejam todos tão idiotas quanto esses troços mostram. Não tenho certeza. Mas quando eles riem de si mesmos ninguém parece se importar, o máximo que se oferece de resposta é “eles merecem”. Aliás, nem precisa ir tão longe: quando nós avacalhamos com nós mesmos, seja com o Casseta & Planeta fazendo reportagem sobre a violência no Rio ou com o Fernando Meirelles entregando a morte do Zé Pequeno e a liderança do tráfico prum bando de crianças de oito anos no fim do "Cidade de Deus" (ah, isso sim é super verossímil...), vira tudo licença poética. E, porra, essa capacidade de criar riso ou medo com a própria tragédia é uma grande coisa que a gente sempre teve de sobra. E espero que a gente não esteja perdendo isso no meio de um ufanismo recalcado vindo não sei de onde.
mas claro, o padrão moral e ético nunca é exatamente o mesmo quando pisam no nosso calo. Por esses e outros recalques o mesmo PT que lutou contra a ditadura é o que resolveu extraditar (?!?) sumariamente, em questão de horas, o magrão americano que disse que o Lula bebia. E essa classe pseudoculta que reclama (com razão) do preconceito dos americanos em relação aos estrangeiros deveria se dar conta que o preconceito dela mesma em relação aos americanos é provavelmente tão grande quanto. Recentemente todos os meus amigos com pós-graduação que andaram pelos Estados Unidos ficaram realmente surpresos com o fato de que as pessoas de lá eram bem mais legais do que eles imaginavam. Provavelmente porque, sem que se perceba, a visão dos EUA por parte dos brasileiros que nunca foram pra lá deve ter se tornado pra muita gente bem mais parecida com o tal filme “Turistas” do que a gente se dá conta. Ou seja, de fato, talvez a gente devesse ter proibido os Simpsons.
deveria? Óbvio que não. Assim como os seus opositores, seja lá quem forem (Paulo Francis no céu, os cantores country na terra e alguns outros por aí) também não deveriam. Simplesmente porque o discurso politicamente correto de oposiçãoaopoderamericanoeaocapitalismomalvado eaostransgênicoseaoaquecimentoglobaleaopositivismocientífico eàdominaçãoisraelenseeafavor
dosocialismointernacionaledasminorias edofeminismoedaresistência iraquianaeàsupremaciado terceiromundoetc.etal (segundo um amigo meu, essas convicções aparentemente díspares são herdadas “em haplótipos”, ou seja, andam juntas porque devem estar no mesmo cromossomo), ainda que tenha seu mérito, é no fundo um discurso tão pronto quanto o que ele pretende criticar. E se ninguém puder criticar isso, das duas uma: ou ele se torna estéril e impotente, ou um dia ele toma o poder e vira tão ditatorial quanto o primeiro. Aliás, já não tomou? Ou morreu no processo? Alguém se manifesta? Mãozinhas na platéia? Bom, sei lá. Mas viva a contradição, em todo o caso.
e se há alguma regra coerente que possa ser estabelecida pra evitar isso, ela é relativamente simples: a ficção tem que poder bater em quem bem entender. Sem desculpas, e sem compromisso com verdade jornalística, a não ser que o autor ache que deva. Se ela tiver que se comprometer com gestos políticos bem intencionados antes de com o que quer que o artista queira dizer, fodeu. Primeiro, porque diminui terrivelmente a qualidade do que se produz: como já dizia Oscar Wilde, “por trás de cada mau poema existe sempre uma boa intenção”. E não é à toa que o professor e amigo Assis Brasil, quando lhe perguntam por que diabos ele só escreve romances históricos, sempre responde que é “pra poder mentir melhor”, porque se ele faz um troço contemporâneo sempre vai ter neguinho implicando que “pô, na verdade não é bem assim”. Parece provocação, mas eu tenho a impressão que não é. É só que a mentira e a fantasia (inclusive a fantasia preconceituosa do leitor/espectador) são fundamentais pra literatura. E duvido que alguém consiga contestar isso.
mas talvez tenha uma razão mais funda, qualidade à parte, pra filme preconceituoso existir. Bem ou mal, o único preconceito que é discutido é o que aparece. Afinal, tem uma caralhada de gente discutindo o tal preconceito a respeito do Brasil por causa dessa história. Pra não falar da caralhada infinitamente maior de gente discutindo se o filme do Borat é preconceituoso contra o Cazaquistão, ou contra os americanos, ou contra os judeus, ou contra as mulheres, ou contra as pessoas que apareceram. Aliás, esse filho da puta é tão genial que consegue se aproveitar de um humor revoltantemente preconceituoso (e, não por coincidência, hilário) pra fazer rir, e ao mesmo tempo questionar o próprio preconceito. E consegue criticar os americanos avacalhando completamente com um país coitado no meio da Ásia Central. Infelizmente, é uma obra praticamente irrepetível na história do cinema, porque ninguém vai cair nessa de novo. Mas é legal aproveitar enquanto ainda dura.
e talvez por isso o lugar das suásticas não seja no porão, e sim na praça pública, onde todo mundo pode jogar as laranjas. Senão, elas acabam virando um objeto demoníaco, proibido e tentador pra qualquer magrão revoltado com o mundo. Alguém duvida? Então vão até os Estados Unidos (ou até o youtube ou o google), onde não tem lei Afonso Arinas nem nada parecido, e liguem num talk show do meio da tarde pra ver uns gatos pingados da Ku Klux Klan que de vez em quando aparecem pagando vale. Porque, naturalmente, nada pode ser mais ridículo do que um cara com chapéu de pica na cabeça pedindo morte aos negros. E, no fim das contas, talvez nada possa ser mais salutar pra acabar com o racismo.
e, se alguém aí continua achando que Borat ou o cara do “Turistas” devem desculpas aos ofendidos, whatever, não vou contrariar a opinião de ninguém. Mas eu recomendaria acima de tudo que assistam o próprio Borat se desculpando pro presidente do Cazaquistão. Talvez assim elas se sintam um pouco mais satisfeitas. Eu pelo menos fiquei.

sexta-feira, março 09, 2007

sobre a sábia utilização dos recursos nacionais


pô, solta o PCC pra cima do homem... Onde diabos estão esses malditos bandidos quando a gente precisa?

quinta-feira, março 08, 2007

patrolando o panóptico

meu lado (anti)psiquiatra a mil na Nature Medicine. Se por acaso alguém não tiver acesso e quiser ler, nesse estúpido mundo de conteúdo científico protegido, me pede que eu mando por mail.