sábado, setembro 26, 2009

chega de vaidade

enchi o saco da ditadura do bom gosto. Da tentativa desesperada de todo mundo à minha volta de tentar construir uma identidade pra si através do que ouve, lê, diz ou faz. Chega de gente com noções apropriadas do que é cool e fashion. Cansei de roqueiros com capas de disco retrô e guitarras toscas copiando os Strokes. De fãs do Arctic Monkeys em 2006, do LCD Soundsystem em 2007, do MGMT em 2008 e de seja lá que porra é legal agora. Cansei de leitores ávidos do Roberto Bolaño, de qualquer gente metida a entendido em literatura russa. De gente que migrou do Second Life pro Twitter e do Orkut pro Facebook. De gente fazendo trabalho voluntário em países de terceiro mundo, de militantes ecológicos e de vegetarianos. De torcidas que cantam em espanhol . De gente que consome clipes bregas no youtube, reality shows da Record e funk carioca pra tirar onda de irônico. Cansei do Lonely Planet, cansei de mochila, cansei de ouvir falar em turismo ecológico e em respeitar costumes e se integrar na comunidade local. Quero é ouvir José José cantarolando alto sem deboche como o motorista do ônibus. Quero assistir jogo da seleção em boteco de Copacabana com o Galvão narrando no último volume. Quero entrar num navio de cruzeiro cheio de gente gorda que zarpe de Mobile, A-la-ba-ma (como dizia a mãe do Forrest), e pisotear ruínas maias em solo mexicano com uma capa de chuva extra large cobrindo a barriga. Pra mim, chega de vaidade. Vou me embora pra Cancún. E sem a menor ironia. OK, talvez com um pouquinho.

domingo, setembro 20, 2009

cada qual com a nostalgia que lhe toca

adoro fuçar em ruínas maias. Não que tenha qualquer interesse particular pelos maias. Mas tenho horrores de interesse pelo Indiana Jones.

segunda-feira, setembro 14, 2009

sincretismos (i)

San Cristóbal de las Casas exala sincretismo por todos os poros. Na frente da igreja, jovens bichos-grilos estilo acampamento do fórum social mundial vendem documentários produzidos em Hollywood em DVDs pirateados, dizendo que usam o dinheiro pra sustentar brigadas de alfabetização em povoados pobres de Chiapas. Cafés zapatista-chic dirigidos por europeus servem café orgânico pra seus clientes ficarem acordados enquanto surfam na internet sem fio em seus laptops, cercados por retratos do subcomandante Marcos e lojas de artesanato de indígenas simpatizantes. Bares com nomes tipo “Revolution Café” com bandeiras de Cuba nas paredes expõe menus nitidamente inspirados no McDonald’s em suas portas, anunciando pratos como a “Baguete Viva Villa” e outros. E assim por diante.
mas em termos de sincretismo pós-moderno, nada, absolutamente nada, pode superar o momento em que se entra na igreja central de San Juan Chamula. Sentados no chão sobre ramos de pinheiro, índios Tzotzil cantam rezas estranhas em um dialeto maia, enquanto curandeiros passam galinhas pretas sobre os corpos dos doentes. Milhares de velas acesas e uma melodia melancólica e repetitiva tocada por músicos vestidos com um traje de lã preta lembrando um disfarce de urubu dão um ar surreal à cena. Santos católicos vestidos com roupas vagamente carnavalescas adornam as paredes, com São João Batista acima de Jesus Cristo no altar. E, como não poderia deixar de ser, tudo é regado a centenas de garrafas de Coca-Cola, Pepsi e Fanta Laranja espalhadas por todos os lados. Supostamente pra ajudarem os fiéis a arrotarem os maus espíritos. Não, eu também não teria acreditado se não estivesse lá.
amo muito tudo isso.

sexta-feira, setembro 11, 2009

hecho en hollywood

minha última viagem de ônibus no México durou quatro horas. Suficiente pra dois filmes dublados de Hollywood, provavelmente em DVDs piratas comprados a cinco pesos. O primeiro é uma clássica (e péssima) comédia romântico-dramática de sonho americano, em que um imigrante mexicano viaja pra LA e começa vendendo tacos pra no fim das contas formar uma banda de boleros e ficar famoso. O filme começa com uma narração em off que diz algo como “nascí en un pueblo en una tierra em que la gente por veces no sabe se está despierta o soñando”, com umas casas coloridas e um pessoal tocando música. Me lembra vagamente o que eu vi no pavilhão do México no Epcot Center quando era pequeno.
o filme seguinte parece mais chique, ainda que com muito menos pé e/ou cabeça. Tem o Nicolas Cage e o Harvey Keitel no elenco, e trata de um bando de arqueólogos que desvendam uma teoria da conspiração que gira em torno do assassinato de Abraham Lincoln, pra no fim das contas descobrir um uma cidade Olmeca cheia de ouro, ou algo assim, esquizofrenicamente perdida embaixo do monte Rushmore (afinal, o México não poderia ter nada que os Estados Unidos não sejam capaz de ter).
antes dos filmes, a TV desse ônibus (e de todos os outros) também passa um vídeo turístico mostrando standards mexicanos como Teotihuacán, Cancún, tacos com queijo e Acapulco, que acaba com um slogan tipicamente melodramático que diz “así que digalo a todos: “Vive, México!””, com uma voz tipo a do Cid Moreira narrando o evangelho.
eu, meio desinteressado dos filmes todos, vou espiando eles de cinco em cinco minutos (mais do que suficiente pra complexidade dos mesmos) enquanto escuto no iPod um troço chamado “March of the Zapotec”, do Beirut (um pirralho novaiorquino fissurado em música da Europa Oriental), que nesse EP em particular parece tentar soar meio mexicano, sem muito sucesso (pra mim, continua emanando diretamente da Bósnia, mesmo que eu nunca tenha estado lá).
e o que os elementos acima tem em comum? Bem, (a) todos eles falam do México. (b) Todos eles são feitos no exterior (com a exceção do filminho turístico, que é pra gringo ver de qualquer maneira). E (c) todos parecem evocar um lugar que sinceramente tem muito pouco a ver com o que se vê da janela. Que consiste basicamente, pelo menos nesse trajeto entre Puebla e Oaxaca, em montes de montanhas áridas com umas casinhas meio pobres e bares de beira de estrada no meio do caminho.
minha pergunta é: será que essa gente realmente acredita na sua própria imagem do jeito que lhe é vendida pelos outros?
não tenho certeza, mas não duvido que às vezes sim. Afinal, deve ser meio difícil manter uma autoimagem com uma superpotência olhando pra ti do outro lado da cerca como um grande mercado a ser conquistado. E sabendo que a maneira mais fácil de fazê-lo é determinar o que as pessoas devem querer e, por tabela, devem ser. E então dá-lhe exportar o estereótipo latino pra própria América latina através de ídolos processados em Miami tipo Ricky Martin ou Alejandro Sanz. Pra não falar em transmissões diárias do “Latin American Idol” na TV y otras cositas del género.
e como o México também tem que ser vendido pros americanos, afinal, também dá-lhe guias turísticos alardeando civilizações pré-colombianas, pirâmides a serem pisoteadas por turistas, praias paradisíacas, locas noches de amor, camisetas dizendo “one tequila, two tequila, three tequila, floor”. Ou, pros mais aculturados, socialmente culpados, ou simplesmente descolados carregando seus Lonely Planets, românticas e sofridas comunidades indígenas maias em Chiapas ou artesãos dedicados em vilas zapotecas.
e estará algum desses estereótipos certos? Suponho que sim. Na verdade acho que se uma conspiração coletiva quer determinar que um lugar existe, certamente ele acaba existindo. Com certeza é a impressão que eu e qualquer outro de fora acabamos tendo: o mundo lá fora de fato se parece com o guia turístico, pelo menos na maior parte das vezes. Mas se era aquilo que fomos condicionados a ver (e todo mundo parece estar aqui para ver as mesmas coisas, pois as rotas de viagem são sempre as que estão no guia), como raios poderia ser diferente?
mas ao longo do caminho eu vejo os rostos da gente ao meu redor, e tenho a impressão de que eles olham tudo isso apenas como mais um filme babaca de Hollywood. Que assistem passivamente, talvez não se reconhecendo de verdade. E provavelmente não dando a mínima pra essa coisa de herança asteca, calendário maia, e talvez muito menos com o exército nacional zapatista a mil quilômetros de distância. Que vivem a mesma vida pacata e alheia ao que diz o lonely planet, tão desprovida de pitoresquice quanto qualquer cidadezinha do nordeste do Brasil. E acompanha, a seleção nacional nas eliminatórias da copa, as novelas na televisão, a luta livre na sexta de noite e os palhaços fazendo shows na praças em tardes de domingo. Geralmente com um sorriso no rosto, e com uma simplicidade desprovida de ironia, intelectualidade blasé ou malícia que frequentemente me espanta.
moral da história? Ainda é cedo pra dizer. Mas se alguém quiser conhecer a essência do México, fica a minha dica provisória. Esqueçam ensaios de Octavio Paz. Esqueçam o calendário maia. Esqueçam o guia turístico. Simplesmente cheguem mais cedo em casa, liguem no SBT, e torçam pra que ainda passe o seriado do Chaves (o original, com “s”, não o paspalho de boina vermelha que assumiu o nome no inconsciente coletivo). E se quiserem realmente ir fundo, dêem seguimento à imersão assistindo Marisol, Chispita (ai minha anacronice...) ou seja lá que novela mexicana a Record possa estar passando.
e o mais importante de tudo, esqueçam definitivamente idéias idiotas como vir até aqui. O Chaves é muito mais México do que qualquer coisa que esse lugar possa oferecer.

quinta-feira, setembro 03, 2009

backwards is the new forward

depois de uns seis meses de resistência, finalmente acabei entrando no twitter. Na verdade não entrei, fui cadastrado quase à força por outrem depois de algumas cervejas. Mas enfim, dá na mesma.
em todo caso (e ainda que talvez tenha pego a onda já na fase de virar espuma), confesso que até simpatizei. Fundamentalmente pela exigência de brevidade. Não sou nenhum acadêmico da área, mas me parece que o twitter é o primeiro grande hit da era da informática que se define por uma negativa. Ele não se baseia em nenhum avanço tecnológico, senão no absoluto retrocesso: não dá pra fazer nada nele, exceto escrever os tais 140 caracteres. E eu confesso que aceito o paradoxo com alívio.
porque deve ser algo sintomático que, como história midiática do momento, a ascensão do twitter suceda a decadência do second life, uma rede social em que se podia andar, vestir-se, falar, trabalhar, ganhar dinheiro, ir no cinema, construir casas, trepar com prostitutas e deus sabe o que mais (eu não sei, porque no meu laptop antigo o troço sempre dava pau). E isso talvez seja o primeiro indício que pelo menos a geração mais adulta já não dá conta da oferta de opções e informação. E dá boas vindas às restrições pela porta da frente, porque a única maneira de ir em frente é resumir.
e não me surpreenderia em nada se o próximo hit da internet fosse um flickr de uma foto só, ou algo do gênero (aliás, só não é, porque isso já existe: é a foto que se põe no msn). Afinal, um monte de gente tem saco pra botar um álbum de fotos inteiros no orkut ou no facebook, mas ninguém tem mais tempo ou paciência pra olhar mais que isso. O paradoxo de Kalakow reina supremo.
claro, a julgar pelo número de gente seguindo centenas de pessoas no twitter, eu posso muito possivelmente estar errado, porque por puro efeito de massa ele também acaba se tornando um excesso de informação inapreensível, algo como um zapping anencéfalo por centenas de canais que não te interessam na TV a cabo. Mas pelo menos o proof of principle de que menos tecnologia de vez em quando pode ser uma grande idéia está dado. E se a moda de que “não precisamos de mais” pegar, talvez isso abra alguma avenida interessante pro mundo. Ainda acho que a gente anda muito longe do dia em que todo mundo que hoje olha pra frente vá começar a olhar pros lados. Mas talvez o twitter seja um passinho pra frente. Digo, pra trás.