terça-feira, janeiro 29, 2008

vencendo a batalha dos gus




















(ranking do público, Film Festival Rotterdam, 28/01/08. Atentem pros números 14 e 15. Pelo menos por enquanto, um a zero pra nóis)

sexta-feira, janeiro 18, 2008

o meio


"Diria, sem muito rodeio
No princípio era o meio
E o meio era bom" (Luiz Tatit)

como poucas temporadas alhures, talvez como nenhuma antes, essa definitivamente começa no meio. Já faz mais de mês que eu estou aqui, e estranhamente em nenhum momento pareceu o começo de nada. Certamente não parece o fim de coisa nenhuma tampouco. Só o meio.
não sei porque essa impressão é tão presente. Mas é fato que todos os dias acordo com a impressão de que a seta do tempo tirou férias. Vá lá, talvez isso tenha a ver com o fato de eu estar um pouco de férias, pelo menos de horário formal. E na ausência de rotina tudo acaba virando um pouco um contínuo. A semana e o fim-de-semana. O trabalho e o lazer. A paz e o tédio. Até o amor e o desejo. Como em poucas vezes na vida, as divisões são pouco claras, e aquela história de dividir a luz e da escuridão e fazer-se o verbo parece só um papinho pretensioso. E eu me sinto o tempo todo no meio de alguma coisa que não começa, não termina, e não se dirige muito claramente pra lugar nenhum.
eu ando me sentindo tri bem, aliás.
estranho, talvez. Porque vá lá, “falta de direção” nunca foi um dos meus valores preferidos. Pelo contrário, se eu for ler tudo que é bobagem que tem escrita nos meus documentos da vida (nunca faria isso de verdade, seria um porre), aquele monte de palavras são sempre permeados de uma constante sensação de “estar por vir”. De estar indo em direção a alguma coisa, de estar prestes a conseguir alcançar a compreensão de algo, de estar na soleira da porta, de se enxergar sempre mais como potencial do que como presença, de enxergar o futuro sempre maior do que o presente.
a grosso modo, isso tudo parece andar meio sumido.
vai ver eu cheguei em algum lugar.
onde? Sei lá. Em todo caso, talvez valha a pena comparar com as minhas expectativas de uns tempos atrás. Eu sempre tive a impressão que o dia ia chegar em que eu ia me livrar de todos os compromissos e aí ia ter tempo pra (a) descobrir o segredo do universo, (b) escrever uma obra-prima, ou no mínimo (c) ler todos os livros que eu queria. Ou mais provavelmente (d) todas as anteriores.
bem, se a evidência empírica até agora significa alguma coisa, isso tudo era provavelmente uma grande bobagem. Faz um mês que eu tô aqui, e não descobri grande verdade nenhuma. A minha produção literária tem sido absolutamente exígua. A parte de ler tá indo um pouco melhor, vá lá, mas ainda assim acho que anda abaixo do esperado. Na verdade o que tem me acontecido é acordar tarde, ser tragado por bobagens e pendengas no computador, numa mistura caótica de trabalho e tempo perdido, e aí precisar ir no supermercado, ou arrumar a casa, ou alguma outra burocracia. E aí começa a ficar tarde e eu sinto que tenho que sair pra aproveitar o sol, já que ele se põe tri cedo. E aí quando eu volto eu já dispersei e tentar produzir algo mais elaborado fica meio difícil. E por aí vai. E eu sigo flutuando num meio, que não vai pra frente e certamente não volta atrás.
por outro lado eu tenho comido um monte de presunto cru, azeitonas recheadas com anchovas, pimentões em conserva e queijo camembert. Comprados no super, são baratos e bons pra caralho.
e o engraçado é ir descobrindo, devagar, que o meio não tem me feito tão mal assim. Há não muito tempo eu morria de medo do dia em que todas as turbulências de fins de noite de inverno iam desaguar num dia claro. Ou, como dizia um amigo meu, do dia em que a era de aquário ia chegar. Inclusive tentei sem sucesso escrever um roteiro comprido e engavetado (ainda bem) sobre esse medo uma vez. Vá lá, alguma coisa talvez se perca quando o meio chega. Tipo aquela sensação megalomaníaca orgulhosa de flecha que se move em direção a um futuro promissor e glorioso. Por outro lado, também se perde um pouco a incômoda presença da porta logo à frente, aquela sensação de que o futuro nunca chega porque sempre tem alguma coisa entre a gente e ele.
então não sei muito bem se o futuro chegou, ou se a porta se abriu. Mas pelo menos a sensação dela na minha frente tem se tornado bem menos nítida.
eu diria que talvez tenha chegado o meio.
e como dizia o Luiz Tatit, o meio não parece ruim. Fato consumado, não me sinto com nada de muito novo a dizer sobre o mundo. Mas provavelmente isso tem a ver com o fato da eloqüência quase sempre nascer da vontade de dizer, e a vontade de dizer quase sempre nascer da angústia, e da angústia quase sempre nascer daqueles incômodos cães do porão que rosnam no fundo do inconsciente. E que, ao menos por hora, têm se mantido plácidos e quietinhos no seu canto. Talvez apaziguados por uns pedaços de presunto cru.
por enquanto, eu não ando reclamando.
e se alguma angústia dá as caras de vez em quando, é só a percepção racional de que tamanha tranqüilidade não pode durar pra sempre. O conhecimento de que tudo é incrivelmente tênue, muito mais do que parece, e que em algum momento alguma coisa sempre acaba. Às vezes é o dinheiro, às vezes é o amor, às vezes é o tempo livre. E mesmo se em alguma conjunção astral contribui pra manter todo o vento a teu favor, em algum momento é um corpo que acaba por quebrar. Mas isso tudo parece uma angústia surpreendemente bem recalcada hoje em dia. Talvez porque percepções racionais, no fundo, nunca tenham tido muita importância pra ninguém mesmo.

e como eu andava pensando na rua esses dias (consciente do privilégio enorme de poder andar na rua pensando nesse tipo de coisa), talvez a grande demonstração de sanidade mental seja quando o “ter um filho” começa a substituir o “escrever um livro” na lista de coisas importantes a fazer antes de morrer (aquele troço de plantar árvore sempre achei uma puta bobagem, e na verdade vou deixar por último pra não sugerir pra ninguém lá em cima ou lá embaixo que já esteja na minha hora). Não que as alternativas sejam mutuamente excludentes, obviamente. Mas não deixam de ser estratégias meio opostas pra lidar com a existência. Uma delas é pegar a condição humana em toda a sua dor e falta de sentido e tentar extrair alguma beleza (ainda que por vezes terrível) disso pra tentar justificar a coisa toda. A outra é olhar a dor, a falta de sentido, o sol, o amor e o presunto cru, sem tentar transmutar nada. E tendo colocado tudo no liquidificador e provado a mistura, achar que ela é boa o suficiente pra merecer ser passada adiante, sem precisar de grandes justificativas. Por achar que a única moral, no fim das contas, é tentar fazer com que de algum jeito não termine.
e, sei lá, acho que quando esse tipo de coisa começa a passar pela minha cabeça é porque eu ando feliz. Ou porque eu ando ficando velho.
de um jeito ou de outro, que eu seja bem-vindo ao começo do meio.
(Barcelona, 14 a 18 de janeiro de 2008, escrito na cama e revisado em cima do gramado verde do Parc Joan Miró)

segunda-feira, janeiro 14, 2008

conexões insuspeitas (xxi): o guarda-livros e o engenheiro agrônomo

não fosse a citação ao mestre lá no meio disso aqui, talvez tivesse passado batido, ao menos pra mim. Mas agora tudo me parece claro como a luz do dia. Michel Houellebecq e Bernardo Soares são a mesma pessoa. A mesma depressão melancólica. A mesma visão clarividente e desiludida do mundo. E a mesma lógica ferrenha de guarda-livros (ou engenheiro agrônomo), tão inquebrável e desprovida de ilusão que chega a ser míope de vez em quando. Aliás, por acaso alguém já viu os dois juntos numa mesma sala?

verdade que com o tempo (e a reencarnação), tio Bernardo parece ter perdido o pouquinho de capacidade de transcendência que ainda lhe restava quando o Esteves passava do outro lado da esq... (oops, isso foi o Álvaro de Campos). Mas certamente compensou ganhando vários pezinhos no mundo. Além de uma capacidade pra escrever cenas de sexo sanitizado e desinfetado de sentimento que teriam feito Ofelinha corar. A idade não lhe cai mal.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

como dizia Mick Jagger

deus dá nozes a quem não tem dentes
e dá dentes a quem não tem nozes
e dá fome a quem não tem nenhum
e dor de barriga a quem quiçá os tenha
resta a nós, na terra vazia
dar nozes a quem tem dentes
dar dentes a quem tem nozes
injeções de corticóide aos que tem alergia
e bandas gástricas aos donos das nozes
e quando a questão estiver resolvida
e as enxurradas de nozes varrerem a terra
manter a chama da fome acesa
e dar colo em longos dias de inverno
de barriga cheia ou não
árveres somos
amém

quarta-feira, janeiro 02, 2008

sabedoria involuntária (e alheia) em portunhol

Puedes contarme tus segredos. Soy todo olvidos.

quem são eles


finalmente achei alguém que fez o trabalho sujo de fazer um comentário sério sobre o estapafúrdio e desgovernado aglomerado de pseudociência do filme mais pavorosamente ruim que eu me lembro de ter visto na última década (e talvez na minha vida). Desde que assisti esse troço eu tenho sido acometido por ataques de perplexidade durante as minhas noites insones, nas quais me pergunto incessantemente como um punhado de gente que eu conheço (e que está longe de ser ignorante) possa ter levado a sério, gostado, e até mesmo recomendado uma coisa dessas.
ah, e apesar das três partes da análise linkada acima serem convincentes o bastante no sentido de apontarem os desméritos científicos do filme, me parece que elas ainda deixam a desejar por não ressaltarem suficientemente a dolorosa ruindade cinematográfica da parte ficcional do filme. Infelizmente esta não pode ser tão facilmente descrita ou desconstruída por argumentos científicos. Mas aos que não assistiram, confiem na minha palavra: o filme é tão ruim que mesmo que tudo que ele diz fosse verdade, e que a gente conseguisse andar sobre a água com o poder do pensamento e coisas do gênero, eu acho que ainda assim ele continuaria sendo uma bosta.
em todo caso, coisas tamanhamente pavorosas são tão ruins que chegam a ser engraçadas. E eu mesmo confesso que volta e meia eu sou tentado por uma vontade imensa de assistir O Segredo. Nem que seja só pra ter assunto, ou pra ter alguma coisa pra falar mal. Mas ainda não criei coragem. Até porque depois desse Quem somos nós?, eu acho que o meu estômago precisa duns cinco anos pra se recuperar. E por enquanto não passou nem a metade desse tempo.