segunda-feira, julho 30, 2012

prelúdio para um livro por escrever

em primeiro lugar, não me tome como palavra. Para você que escolhe enfrentar-me, antes de ser palavra eu sou espaço. Uma página em branco, uma maneira nova de preencher o silêncio. Uma voz que não era a sua até há pouco, mas que guarda a promessa de vir a sê-la. Em mim você busca uma espécie de redenção, uma forma de remodelar as paredes que o prendem do lado de fora da página. Uma possibilidade de recontar sua história em um registro distinto, de traduzi-la em uma língua imaginária. E às custas de burilar, remoer e revirar do avesso a sua narrativa pessoal, você em seu íntimo guarda a esperança de que a realidade se faça mais clara. De que uma experiência confusa em uma língua carregada e incompreensível se transforme em uma lógica translúcida ao ser fixada na página, como se passada por um google tradutor ao contrário. E é nessa esperança que você me abraçará como projeto, mergulhará de cabeça em mim, abrirá picada em minhas páginas e se baterá contra o idioma atrás da transcendência que se oferece do outro lado. Do momento em que a palavra se fará justa e clara, redimindo a confusão da realidade, e em que você por fim emergirá na outra ponta do túnel.
mas ao mergulhar em mim, você não percebe, ou finge não perceber, que isso é apenas uma hipótese. Que a saída do túnel é apenas uma suposição, uma certeza não justificada de que a confusão de sua cabeça pode ser traduzida em uma língua que a torne mais simples. Mas tenha em mente que é igualmente possível que essa língua não exista e nem possa existir. Que o seu mundo interior só seja apreensível em pequenos pedaços incongruentes, e que novas línguas e novas histórias não lhe permitirão ver as coisas de uma forma mais clara, mas apenas de uma forma diferente. E se isso for verdade, ao invés da clareza, tudo o que você encontrará dentro de mim será ruído. Um ruído que nesse caso não será uma distração, mas sim a essência. E essa polifonia do caralho que lhe ensurdece os ouvidos será a melhor experiência que você poderá ter de uma realidade intraduzível.
mas novamente, lembre que isso também é só uma hipótese.